Acórdão nº 02342/12.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações O Instituto da Segurança, Social, I.P. (ISS, I.P.), vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……………, SA, com os demais sinais dos autos, contra o indeferimento das reclamações graciosas relativas as autoliquidações de contribuições, à Segurança Social no âmbito de Planos de Incentivos dos anos de 2009/2010 e 2010/2011 no valor global de 2 984 684,80 euros.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1.º- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgando procedente a impugnação o despacho proferido pelo competente Vogal do Conselho Directivo do ISS, I.P., indeferiu as reclamações graciosas apresentadas pela ora recorrida na sequência da autoliquidação de contribuições em divida á segurança social, no montante global de €:1 .894.442,82, por referencia ao ano de 2009 e reclamação apresentada a 18/05/2012, na sequência da autoliquidação de contribuições em dívida no período compreendido entre 01/04/2010 e 31/03/2011, no montante global de €:1.090.241,9, em virtude da atribuição de prémios de desempenho a alguns dos seus trabalhadores no âmbito dos Planos de Incentivos referentes aos anos de 2009/2010 e 2010/2011, anulou “…o acto Impugnado, com as legais consequências, em termos de restituição dos valores indevidamente pagos”, mais condenando “O ISS no pagamento dos juros indemnizatórios respectivos, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de reposição.” 2.º- Coloca-se assim, primacialmente, nos presentes autos, a questão de saber se os atos impugnados padecem de erro sobre os pressupostos, nomeadamente, se os montantes pagos a título de bónus de desempenho devem, como entende o ora Recorrente, constituir base de incidência para efeitos de contribuições para a segurança social ou se, pelo contrário, como defendido na douta sentença de que ora se recorre, não constituem tais montantes base de incidência contributiva para a segurança social ou melhor dizendo, a questão de saber se, os pagamentos que a ora recorrida efectuou aos seus trabalhadores ao abrigo do Plano de Incentivos Anual, com a designação genérica de prémios de desempenho têm um carácter remuneratório ou meramente liberatório e nesta medida devem ou não ser alvo de incidência contributiva.

  1. - Sendo certo ser tal problemática jurídica precisamente a mesma que constitui objecto da impugnação judicial que sob o n.º 918/10.2 BELRS, corre termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, com excepção do facto de, naqueles autos, estar em causa o período de Janeiro de 2004 e Dezembro de 2008, e nos presentes o de 2009 a Março de 2011, impugnação aquela, interposta na sequência de uma acção inspectiva conduzida pelos Serviços de Fiscalização do ora recorrente (processo de averiguações (Proave n.º 200803035418) e que, por despacho da Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Lisboa II dos então designados Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, proferido a 22-12-2009, foi considerado que as gratificações e prémios especiais pagos pela impugnante aos seus trabalhadores nos anos de 2004 a 2008, por referência aos exercícios de 2003 a 2007, estavam efectivamente sujeitos a contribuições para a Segurança Social, porque subsumíveis ao conceito de remuneração previsto no Decreto Regulamentar n.º 12/83, em vigor à data dos factos.

  2. - Entendeu o Mmº Juiz do tribunal a quo, atenta toda a matéria de facto dada como provada com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, que: «(...) verifica-se que os valores pagos aos colaboradores da impugnante e em causa nos presentes autos enquadram-se em planos de incentivos, cujas regras foram definidas nos documentos mencionados em 3) e 8) do probatório.” para concluir de seguida que “Afastando-se pois do conceito de remuneração, não se encontram preenchidos os pressupostos de facto inerentes à liquidação, motivo pelo qual procede o alegado pela impugnante.” 5.º- Ora, salvo o devido respeito, que é muito, e embora, não ignorando toda a fundamentação aduzida na douta sentença recorrida, não podemos concordar com a subsunção, efetuada pelo Mmº Juiz, ao quadro legal aplicável na situação em apreço, não assistindo razão ao Mmº Juiz nos fundamentos que invoca, para decidir da forma como o fez, senão vejamos: 6.º- Na supra referida acção inspectiva conduzida pelos Serviços de Fiscalização, cujas conclusões se encontram condensadas no Relatório Final que aqui se dá por integralmente reproduzido, reuniram-se provas suficientes (constantes do processo administrativo junto ao proc. n.º 918/10.2 BELRS) de que a política salarial da empresa, ora recorrida, inclui uma componente de gestão/retribuição por objectivos, concretizada através de um plano de incentivos anualmente definido, que a atribuição de prémios, aprovada no quadro dos planos de incentivos anuais, tem por base o cumprimento dos objectivos fixados, tanto ao nível do desempenho da empresa como dos seus colaboradores, e que os prémios revelam um carácter estável e permanente, quer quanto à sua periodicidade, quer quanto aos destinatários.

  3. - E, nesta medida, são passíveis de contribuições para a Segurança Social, de acordo com o disposto no artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º53/83, de 22 de Junho, em vigor à data dos factos.

  4. - Pois, como se pode ler no Relatório Final elaborado pelos Serviços de Fiscalização, da inspeção conduzida resultou provada a regularidade da atribuição de montantes a título de “prémio especial” e “gratificação” ainda que condicionada ao cumprimento de determinados objectivos, com base numa política de incentivos instituída pela empresa ora recorrida que, pela sua periodicidade, regularidade e continuidade, se revelava, no mínimo, como um uso da empresa, o que constituía a entidade na obrigação legal de entregar as respectivas declarações de remunerações alvo de incidência contributiva.

  5. - Fazendo uma análise dos elementos constitutivos da noção legal de retribuição constante do Código do Trabalho, CT (quer do actual artigo 258º, quer do artigo 249.º da versão de 2003), permite-nos concluir que se trata de uma prestação com valor patrimonial, paga de forma regular e periódica, devida pela entidade patronal aos trabalhadores como contrapartida da sua força de trabalho.

  6. - O carácter regular e periódico da retribuição justifica-se pela própria natureza do contrato de trabalho, como contrato de execução duradoura ou continuada, dai que as atribuições patrimoniais tenham carácter de permanência e se vençam regularmente, criando no trabalhador uma expectativa de ganho relativamente às mesmas.

  7. - Em suma, toda e qualquer prestação periódica, certa e obrigatória, que o trabalhador receba em razão do seu vínculo laboral, deve ser considerada retribuição, porquanto o trabalhador criou legítimas expectativas em relação ao seu recebimento.

  8. - Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 9-6-2010, proc. 1907/07, inwww.jusnet.coimbraeditora.pt: “Como assinala Monteiro Fernandes (“Direito do Trabalho”, Almedina, pág. 439), deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida. Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o principio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global - no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas - engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisites de regularidade e periodicidade.” 13.º- Por outro lado, estabelece o artigo 2.º do Decreto Regulamentar nº 12/83, na sua redacção actual, na parte que interessa para o efeito, que são consideradas remunerações “as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação de trabalho e pela cessação do contrato, designadamente: d) os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade”.

  9. - E, nos termos do artigo 260.º do CT (2009), são consideradas retribuição (artigo 260º, n.º 1 b a contrario, ex vi 260.º, n.º 3), as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas como prémio ou recompensa dos bons resultados obtidos pela empresa que apela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”.

  10. - Serão, portanto, dois os critérios utilizados pelo legislador para determinar a qualificação de certa quantia como retribuição, o primeiro, sublinha a ideia de correlatividade ou contrapartida negocial - é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força do trabalho, o segundo critério assenta numa presunção: considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expectativa de ganho por parte do trabalhador...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT