Acórdão nº 54/10.1TBBGC-R.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução13 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 54/10.1TBBGC-R.G1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, 1.ª Secção Cível Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO

  1. Veio a Credora Reclamante, Herança llíquida e Indivisa por Óbito de AA, representada em juízo pelos respectivos únicos herdeiros, BB, CC e DD, deduzir reclamação de créditos nos autos do processo de insolvência da declarada insolvente “CB – Construtora Brigantina, Lda.” (em 4/5/2010) pelo valor de € 1.100.000,00 (o qual inclui o valor das moradias – € 970.000,00 – inscrito nos contratos-promessa celebrados em 2008, bem como o valor das benfeitorias realizadas nas preditas habitações – € 100.000,00 – e ainda o valor do cheque entregue para assegurar a continuação da construção da quarta moradia – € 30.000,00), e que seja reconhecido que esse crédito está garantido por direito de retenção nos termos dos artigos 754º, 755º, 1, f), 442º, 442º, 2, e 759º do CCiv., o qual prevaleceria sobre a hipoteca constituída a favor da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ..., CRL” (Caixa Agrícola ou CCAM).

  2. Tendo sido declarada a insolvência dessa sociedade “CB – Construtora Brigantina, Lda.”, a Senhora Administradora da Insolvência (AI) apresentou a lista definitiva de créditos reclamados e reconhecidos, bem como de inexistência de créditos não reconhecidos, lista essa nos termos da qual foi reconhecida à credora reclamante, Herança llíquida Indivisa por Óbito de AA, um crédito comum no valor de € 1.100.000,00 (cfr. fls. 5 e ss).

  3. Inconformada, veio a referida credora reclamante, representada pelos respectivos únicos e exclusivos herdeiros, BB, CC e DD, deduzir impugnação nos termos do art. 130º, 1 e 2, do CIRE, alegando, em síntese, que o crédito por si reclamado teria de ser reconhecido como garantido por direito de retenção, prevalecendo tal garantia sobre hipotecas ou quaisquer outros ónus, não estando sujeito a registo e valendo erga omnes (cfr. fls. 10 e ss).

  4. Veio a credora reclamante e hipotecária, Caixa Agrícola, deduzir articulado de resposta nos termos do art. 131º do CIRE, alegando, em primeiro lugar, por via de excepção dilatória, que a impugnação deduzida pela credora Herança seria intempestiva e, caso assim se não entendesse, que esta seria parte ilegítima, pois que os contratos-promessa celebrados em 2008 não teriam sido outorgados pela mesma, mas sim, pelos herdeiros em nome individual, pelo que qualquer crédito daí resultante teria de ser reclamado por estes e não por aquela. Referiu ainda, agora por via de excepção peremptória, que os referidos contratos-promessa celebrados em 2008 corresponderiam a negócios simulados, não tendo as assinaturas aí constantes sido reconhecidas notarialmente e não havendo, pois, razões para crer que tais acordos, só agora conhecidos, tivessem sido efectivamente celebrados naquela data, outrossim apenas sendo conhecido o contrato-promessa celebrado em 29/9/1999, mediante o qual o falecido AA e a sua esposa, BB, acordaram permutar um terreno com a área de 32.767 m2 como contrapartida da cedência pela Insolvente de vários lotes e da construção por esta das referidas 4 moradias. Esclareceu ainda que, a entender-se ser devida qualquer indemnização pelo não cumprimento do aludido contrato-promessa de 1999 pela insolvente, o valor do crédito da Herança seria de apenas € 500.000,00, pois que, na sequência do cumprimento parcial do aludido negócio, teria sido este o valor fixado pelas partes, tendo em vista tal eventual compensação. Referiu ainda que tal crédito indemnizatório de € 500.000,00 não seria, no entanto, garantido por direito de retenção, desde logo, porque não havia sido fixado contratualmente qualquer destino para as moradias que à Insolvente caberia construir e porque os herdeiros não haviam feito prova da verificação da tradição da coisa (vale dizer, das aludidas moradias), não tendo, nomeadamente, comprovado que tivessem pago o IMI relativo a tais habitações desde a alegada data da tradição dos imóveis. Finalmente sustentou que só poderia haver direito de retenção no caso de a Herança demonstrar um incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa de 1999 (ou, caso estes fossem considerados válidos, dos contratos-promessa subsequentes de 2008), sendo que a carta de resolução de tais negócios junta pela Herança não estaria datada, tão-pouco tinha sido recebida pela Insolvente. Por último, ainda que assim não fosse, não tendo havido lugar à entrega de qualquer sinal pela Herança, também não haveria lugar a direito de retenção, sendo certo que tal garantia também não teria sido consagrada no âmbito do CIRE, pois que tal diploma excluiria, nos respectivos artigos 102° a 106°, o regime previsto nos artigos 755º, 1, f), e 442° do CCiv. Concluiu, requerendo que a impugnação deduzida pela Herança fosse considerada intempestiva ou, caso assim não se entendesse, improcedente em função da ilegitimidade activa daquela ou ainda improcedente em função de o crédito reclamado não dever ser reconhecido e, ainda menos, como estando garantido por direito de retenção. E ainda pugnou pela condenação da Herança como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da Caixa Agrícola. Subsidiariamente, deveria ser declarada a resolução dos quatro contratos-promessa de compra e venda, nos termos dos arts. 120º e 121º do CIRE (cfr. fls. 18 e ss).

  5. Foi proferido despacho saneador, em 19/9/2013, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de ...

    , nos termos do qual se determinou a absolvição da instância da Reclamada, CCAM, em função da falta de personalidade judiciária da Reclamante e Impugante, “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA”: “decorre dos factos alegados pela própria impugnante que a herança já não se mostra aceite, por ter sido aceite pelas suas herdeiras. Ora, o Código de Processo Civil limita a extensão da personalidade judiciária à herança jacente, pelo que[,] no caso concreto, verifica-se a falta de personalidade judiciária da herança aberta por óbito de AA”.

    A Herança recorreu do despacho saneador na parte da absolvição da instância. Decidindo, o Tribunal da Relação do Porto veio prolatar acórdão em 6/3/2014 (junto aos autos, depois de solicitado pelo aqui Relator por despacho de 18/6/2020: fls. 248 e ss), no qual, adoptando-se o entendimento de que a reclamação de créditos apresentada devia ser entendida e interpretada como formulada e deduzida a reclamação de créditos pelas herdeiras da herança do falecido, AA, em respeito pelo art. 2091º, 1, do CCiv., o que conduziria à não ocorrência da excepção dilatória aludida no despacho saneador, veio revogar o saneador “na parte em que absolveu da instâncias as reclamadas quanto à reclamação em causa” e ordenar o prosseguimento dos autos com a prolação de despacho saneador e de julgamento quanto à referida impugnação – com o valor de caso julgado formal, nos termos do art. 510º, 3, do CPC 1961, correspondente ao actual art. 595º, 3, do CPC 2013.

  6. Em sequência, foi proferido despacho saneador, com indicação do objecto do litígio, selecção dos temas de prova e fixação do valor da causa em € 1.100.000, e realizada audiência de julgamento (cfr. fls. 31 e ss). G) Na sequência foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível de ... – Juiz 2 (cfr. fls. 37 e ss), em 12/9/2018, com o seguinte dispositivo: “I. Reconhecer que a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros), crédito esse garantido por direito de retenção incidente (apenas) sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os n.

    o 1696/20040920, 1697/20040920 e 1698/20040920.

    1. Não reconhecer que o crédito aludido em I) se encontra garantido por direito de retenção incidente sobre o prédio apreendido na massa insolvente correspondente ao Lote A4 sito no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...) e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º 1699/2004092019.

    2. Absolver as herdeiras, BB, CC e DD, do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra si deduzido pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região de ..., CRL.

    3. Condenar as Herdeiras aludidas em III) e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo em custas processuais, a atender a final, na proporção de 1/4, para as primeiras, e 3/4, para as segundas (cfr. artigo 527º, nº 1 do CPC).

    4. Relegar, para depois do trânsito da presente sentença, a graduação final dos créditos da insolvência, atenta a probabilidade de interposição de recurso da presente decisão (artigo 136º nº 7 do CIRE).” H) Não se resignando, veio a Caixa Agrícola interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo em vista revogar a sentença no segmento dispositivo em que “reconheceu que a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros) garantido por direito de retenção incidente (apenas) sobre os prédios apreendidos na massa insolvente correspondentes aos Lotes A1, A2 e A3 sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...), respectivamente, descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob os n.º 1696/20040920,1697/20040920 e 1698/20040920”.

    Apresentaram-se contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação, com a consequente manutenção do decidido na douta sentença recorrida.

    Decidindo, o TRG, em acórdão proferido em 23/5/2019 (cfr. fls. 84 e ss), julgou parcialmente procedente o recurso e decidiu alterar a decisão recorrida no seguinte sentido: “I. Reconhecer que a herança ilíquida e indivisa do falecido, AA, é titular de um crédito de € 1.000.000,00 (1 milhão de euros). II. Não reconhecer que o crédito aludido em I) se encontra garantido por direito de retenção incidente sobre o prédio apreendido na massa insolvente correspondente aos Lotes A 1, A2, A3 e A4 sitos no Loteamento ... (zona das ..., ..., ...)...

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