Acórdão nº 208/18.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | DORA LUCAS NETO |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório J......., veio intentar ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, peticionando a sua condenação à prática dos atos de deferimento dos pedidos de manifesto referentes a quatro armas de fogo da sua coleção pessoal.
Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 28.05.2019, foram julgadas procedentes – cfr. fls. 378 e ss., ref. SITAF: i) a exceção de inimpugnabilidade dos quatro despachos do Diretor Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26.10.2017, que indeferiram o recurso hierárquico interposto pelo Autor dos despachos do Diretor do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de indeferimento dos pedidos de manifestos de quatro armas de fogo; e ii) a exceção de intempestividade da prática do ato processual.
O A. J......., ora RECORRENTE, não se conformando com a decisão proferida, interpôs o presente recurso jurisdicional, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões – cfr. fls. 429 e ss., ref. SITAF: «(…) I. O ora Recorrente não se conforma com a douta decisão a quo pugnando pela impugnabilidade da acção e, subsequentemente, pela nulidade dos actos praticados pelo Réu.
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O acto subjudice nunca poderá ser qualificado como meramente “confirmativo do (...)” acto então reclamado, sob pena de violação do princípio do acesso ao direito e da garantia de impugnação de actos administrativos/tributários lesivos (v. Arts. 20.°, 212.° e 26874 da CRP), tanto mais que a lei ordinária prevê expressamente a respectiva impugnação judicial.
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Acresce que, o acto sub judice - indeferimento de impugnação de acto administrativo - integra acto consequente do acto reclamado, pois a sua “prática e conteúdo depende da existência (do) acto anterior (...) que lhe serviu de causa, base ou pressuposto”.
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Dado que o despacho do Director Nacional Adjunto, de 26/10/2017, constitui um acto consequente, é manifesto que não pode deixar de ser declarado nulo ou anulado, nos termos previstos no art. 161/2/d) do CPA.
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A douta sentença, ao julgar improcedente a acção intentada pelo A., lesou direitos e interesses legítimos do A., pelo que, face ao disposto no art. 268/4 da CRP, é manifesta a sua impugnabilidade (cfr. art. 20° e 212° da CRP), sendo claramente nula.
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Relativamente à alegada extemporaneidade da presente acção, é manifesto que a mesma não se verifica.
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O acto impugnado é o despacho de 26.10.2017 e não o despacho de 14.08.2017pelo que, a contagem do prazo para impugnar o mesmo iniciou-se na data em que o mesmo foi notificado ao A. - 02/11/2017.
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Sendo acto impugnado um acto definitivo e impugnável; um acto consequente e, ainda, um acto que lesou (e lesa) direitos e interesses legítimos do A. - tudo nos termos, sumariamente, supra expostos - é manifesto que a sua impugnação judicial foi apresentada nos termos e prazos legalmente estabelecidos.
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E assim manifesto que não se verificam as excepções da impugnabilidade e extemporaneidade aludidas na douta sentença.
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Acresce, ainda, na pretensão deduzida pelo Autor são invocados factos e argumentos que apontam no sentido de que os actos praticados são nulos, e como tal, sujeitos a um prazo de impugnação de 2 anos, o que desde logo se confirma pela nulidade por omissão de pronúncia oportunamente arguida.
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Salvo o merecido respeito, não pode o Tribunal a quo indeferir com fundamento em intempestividade sem apreciar do mérito da acção.
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Ao arrepio das condições de fundo da acção, necessárias à procedência da mesma, cuja verificação depende o dever do juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida, prejudicaria uma decisão idónea a uma decisão útil da causa.
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O Tribunal a quo deveria conhecer do mérito da causa, por apelo ao princípio pro actione consagrado no art.° 7.° do CPTA, consabidamente, denominado como “prevalência da decisão de mérito” em desfavor da decisão de forma.
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Nos termos do artigo 615.° n.° I d) do CPC, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
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Com efeito, o Autor invocou vários vícios - geradores de nulidade - imputados aos actos de indeferimento dos pedidos de manifesto de armas de fogo, consubstanciando desvalor jurídico dos actos in casu de procedência do vício.
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Pela douta sentença, não foram minimamente concretizados os fundamentos invocados, maxime em que medida é possível indeferir o manifesto das armas.
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Em bom rigor, não só são nulos os vícios apontados pelo ora Recorrente, como é nula a douta sentença ao consubstanciar uma clara e expressa violação do direito de propriedade privada, por omissão de pronúncia, bem como a violação do artigo 100.° do CPA e do princípio da participação dos administrados na formação da decisão administrativa, constitucionalmente consagrado no art.°267.°n.°5 da CRP.
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Os aludidos preceitos, salvo o merecido respeito, não se enquadram no regime de anulabilidade, consubstanciando, a contrario, verdadeiras nulidades.
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Deve a douta decisão a quo ser revogada e substituída por outra que declare, procedente, a presente acção. (…)».
O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.
Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado para o efeito, não se pronunciou.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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2. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida é nula, em virtude de não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar – cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC - e se a mesma incorreu em erro de julgamento ao ter decidido pela verificação das seguintes exceções: i) de inimpugnabilidade dos quatro despachos do Diretor Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 26.10.2017, que indeferiram o recurso hierárquico interposto pelo Autor dos despachos do Diretor do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de indeferimento dos pedidos de manifestos de quatro armas de fogo; e ii) de intempestividade da prática do ato processual.
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Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto provada constante da sentença recorrida é a que aqui se transcreve ipsis verbis: «(…) A) Em 20 de Junho de 2017, o Director do Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública elaborou a seguinte «notificação»: «Nos termos e para os efeitos do artigo 121.° e 122.° do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro e n.° 5 do artigo 267.° da Constituição da República Portuguesa, notifico J………., titular de documento identificativo n°. (...), residente na (...), do projeto de indeferimento da legalização/manifesto de uma arma de fogo, nos termos e pelos fundamentos seguintes; I - Descrição Sumária dos Factos: 1. Através de formulário próprio, o requerente solicitou a legalização de uma espingarda marca Théate Frères, calibre 36GA, n° 2…., que apresentou a exame no Departamento de Armas e Explosivos da DN /PSP, em 24/01/2011.
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Para o efeito juntou cópia da licença de colecionador e documento B, dados identificativos pessoais.
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A citada arma foi sujeita a peritagem, realizada pelo Centro Nacional de Peritagens deste Departamento, tendo sido classificada como arma de classe D, conforme alínea a), n.° 6, art.° 3.° do RJAM.
II - Do Direito É a Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações entretanto operadas, que estabelece o regime jurídico relativo ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, transferência, armazenamento, circulação, comércio, aquisição, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de armas, seus componentes e munições, bem como o enquadramento legal das operações especiais de prevenção criminal (cfr. artigo 1.°, n.° 1) - (será sempre este o diploma legal a que nos referimos sempre que não fizermos menção expressa a qualquer outro). - De acordo com o n.° 1 do artigo 73.° „1 - O manifesto das armas das classes B, B1, C e D e das previstas na alínea c) do n.° 7 e na alínea b) do n.° 8 do artigo 3.° é obrigatório, resulta da sua importação, transferência, fabrico, apresentação voluntária ou aquisição e faz-se em função das respectivas características, classificando-as de acordo com o artigo 3.°'.
A lei n°. 42/06 de 25/08 prevê no seu artigo 30°., que os titulares de licença de coleccionador possam adquirir para a sua colecção, em função da temática prosseguida, armas das classes B, C, D, E, F e G e o n.° 2 do artigo 39.°, que no prazo de 180 dias contados da emissão da respectiva licença, deve apresentar na DN/PSP a relação das armas constantes da colecção, mantendo-as na sua posse, sem prejuízo do respectivo manifesto, quando obrigatório.
III - Da Subsuncão dos fatos Aqui chegados, importa subsumir os fatos ´sub judice' ao direito.
O requerente solicitou junto dos serviços da PSP, o manifesto de uma espingarda marca Théate Frères, calibre 36GA, n° 21.
Justificou o pedido de manifesto com a apresentação da cópia da licença de colecionador, e a faculdade que o artigo 39.° da Lei n.° 42.° lhe conferiria. Contudo e de acordo com o parecer n°. GAJ2016……. do Gabinete de Assuntos Jurídicos da DN/PSP, que se junta, a referida arma não pode manifestada em seu nome, pelo fica V. Ex.a notificado que existe intenção de indeferir o pedido de manifesto, sendo a arma declarada perdida a favor do Estado nos termos do artigo 78.°.
Fica ainda V. Exa. notificado para, querendo, exercer, no prazo de10 (dez) dias, a contar da presente notificação, o...
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