Acórdão nº 01438/03.7BALSB-C-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A………………….. E OUTROS - identificados nos autos – recorreram para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º do ETAF, do acórdão proferido em conferência na referida Secção, em 23 de abril de 2020, que indeferiu a providência cautelar requerida contra o SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REFORMA ADMINISTRATIVA (SEALRA) e o MUNICÍPIO DA BATALHA, de atribuição, a título de regulação provisória da situação jurídica discutida nos autos principais, relativa à fixação do valor da compensação devida pela inexecução de uma sentença anulatória em matéria de reversão de uma expropriação por utilidade pública, da quantia de cem mil euros.

Nas suas alegações formularam as seguintes conclusões: « 1) A aplicação ou a interpretação da norma do art. 133.º do CPTA efetuada pela digníssima Secção não pode aceitar-se face ao nosso sistema de justiça cautelar, pois tem como resultado deixar sem tutela direitos fundamentais dos Requerentes face a um concreto e atual risco de lesão, ou seja, não acautela a utilidade da ação principal em relação aos Requerentes.

2) A colenda Secção entende que o art. 133.º do CPTA consagra uma providência tipificada que é aplicável sempre que esteja em causa uma regulação provisória de quantias, independentemente do risco de lesão que concretamente se pretenda acautelar.

3) Quanto a nós, a solução para a problemática que nos ocupa é simples: a norma, ao reportar-se, no seu n.º 1, ao respetivo âmbito objetivo de aplicação, define aí qual o risco de lesão que se pretende acautelar através da mesma, que é somente o da situação de grave carência económica (no entendimento estrito que deste conceito o Tribunal adota).

4) Ou seja, o CPTA consagra a providência cautelar especificada no art. 133.º, epigrafando-a de “Regulação provisória do pagamento de quantias”, mas, porque a epígrafe não faz a norma, a mesma não é aplicável a todos os casos em que a medida cautelar adequada a salvaguardar a utilidade da ação principal passe pelo arbitramento provisório de uma quantia.

5) Neste sentido, a norma dirige-se tão-somente aos casos em que existe o risco de lesão aí previsto textualmente, numa visão restritiva do mesmo: “uma situação de grave carência económica”, decorrente do alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias.

6) No caso vertente, não sendo esse o risco de lesão que se pretende acautelar (sempre entendido num sentido estrito e sem prejuízo do que infra diremos a este propósito), a norma não é aplicável e a tutela cautelar tem que ser resolvida no âmbito e segundo as regras gerais (cláusula geral aberta do art. 112.º e critérios gerais do art. 120.º, ambos do CPTA).

7) Recorde-se, a este passo, que o risco de lesão concreto recai sobre a morte dos Requerentes e, assim, do dano consumado para o direito de propriedade pelo qual os mesmos lutam há 30 anos, reconhecido através do direito à reversão julgado no processo declarativo e do direito à indemnização pela impossibilidade de execução do julgado nos autos principais de execução, mas ainda não arbitrado, isto quando alguns dos Requerentes têm quase 90 (noventa) anos! 8) Os Requerentes não podem aguardar mais 4, 5, 6 ou mais anos pelo término do processo para acederem à indemnização e, assim, fruírem e disporem do bem que é seu (montante pecuniário), faculdades mínimas compreendidas no direito de propriedade – note-se que o processo, nesta fase executiva, começou em 2011 (há mais de 8 anos), e, não tendo sido proferida até ao momento qualquer decisão de mérito quanto ao valor a arbitrar, estará depois ainda sujeito a recurso para este Pleno, a recurso para o Tribunal Constitucional, a queixa para o TEDH….

9) De acordo com a esperança média de vida dos portugueses, que alegámos e comprovámos no ri. e é mesmo facto notório, neste cenário, não é provável (no mínimo) que os Requerentes, pelo menos alguns deles, estejam vivos ou tenham um mínimo de saúde física e psíquica – o que vale para todos e consubstancia também risco de lesão idóneo a exigir a tutela cautelar – para, quando houver trânsito em julgado de uma decisão de arbitramento do montante devido, poderem exercer o direito de propriedade sobre a sua parte da indemnização.

10) Existirá assim dano consumado, e não só em relação ao direito de propriedade, como também ao direito à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão substantiva, pois estamos perante titulares do direito que recorreram à justiça e não conseguiram obter uma decisão que pusesse termo ao litígio em tempo útil de vida – e não foi pouco o tempo de vida que consumiram nos Tribunais.

11) Não se trata, aqui, de uma mera queixa pela demora na decisão do processo, pois equaciona-se a finitude da vida de quem recorreu à justiça e, com ela, a frustração irreparável do direito à tutela jurisdicional.

12) No sentido do entendimento que expomos, de que a norma não foi gizada para todos os casos de arbitramento provisório de quantias, não sendo aplicável ao caso vertente, pugna, segundo cremos, a própria origem da norma.

13) Como é consabido, o art. 133.º tem a sua origem e, ainda hoje, a sua redação continua daí decalcada, no art. 119.º do Projeto do Estatuto de Aposentação e das Pensões de Sobrevivência, ou seja, tem como referencial direto a atuação da Administração assistencial e social, dirigida a garantir a subsistência e a precaver a carência económicas.

14) Portanto, daqui decorre também que o art. 133.º é gizado para as situações de risco de grave carência económica (esta entendida restritivamente, como o acórdão a configura) decorrente do incumprimento da Administração realizar prestações pecuniárias do tipo assistencial (pensões por aposentação, invalidez, sobrevivência por morte de terceiros, subsídios de desemprego e outras prestações sociais, indemnizações decorrentes de responsabilidade extracontratual por dano fundado em morte, lesão corporal ou dano que ponha em causa o sustento do particular), não podendo ser arvorado em providência tipificada geral e imperativa para todos os casos de regulação provisória de quantias.

15) Nos casos em que não haja o perigo de carência económica (não esteja em causa o sustento do particular e respetivo agregado familiar), mas estejam perigados outros direitos ou interesses juridicamente tutelados, tem de valer a atipicidade e abertura característicos do nosso sistema cautelar, adotando-se a providência que for mais adequada ao caso concreto, inclusive uma regulação provisória de quantias.

16) Note-se, de encontro a tudo quanto expomos, que o prius na adoção da providência tipificada (e de qualquer providência) há-de ser o risco de lesão que em concreto se tem em mãos (o prejuízo concreto, a razão de urgência…), é o risco de lesão, de dano ou prejuízo que enforma e exige a tutela cautelar.

17) Os Venerandos Conselheiros da Secção, com todo o respeito que nos merecem, incorrem em erro de julgamento ao aplicar o art. 133.º do CPTA ao caso concreto, o qual deve aplicar-se apenas às situações de arbitramento provisório de prestações (alegadamente) devidas pela Administração quando o incumprimento do dever de prestar que se julga na ação principal possa gerar uma situação de grave carência económica (risco de lesão do sustento próprio e familiar), o que não é o caso, impondo-se a revogação da decisão, desde logo, por violação da própria norma erroneamente aplicada e dos arts. 112.º e 2.º do CPTA, 2.º, 62.º e 268.º, n.º 4 da CRP, 6.º, n.º 1 e 13.º da CEDH e 1.º do Protocolo Adicional à CEDH.

18) Aliás, recenseando o direito comparado (França, Alemanha e Itália), não encontramos uma tal previsão semelhante à do art. 133.º, com a tipificação de uma providência de caráter antecipatório do arbitramento de quantias em caso de carência económica ou exigindo especialmente a “grave carência económica” para conceder a medida antecipatória.

19) Sem nunca conceder quanto ao entendimento que vimos de alegar: admitindo-se que o artigo 133.º do CPTA tem que ser específico e imperativamente aplicado ao caso, por se pedir uma regulação provisória de quantias (que foi essa a vontade do legislador), então a mesma tem que ser interpretada em conformidade com os textos supralegais vinculativos, adotando-se uma interpretação ampla (ou extensiva ou até mesmo corretiva, se necessário for) da norma e dos conceitos jurídicos nela consignados.

20) De facto, a norma vem interpretada sob o enfoque estrito do sustento económico, do prejuízo económico puro, na senda do que, durante décadas, foi o entendimento doutrinal e jurisprudencial do periculum in mora (do prejuízo de difícil reparação), centrado no impacto económico da lesão e na possibilidade de indemnização a posteriori, tendo depois evoluído, mormente por crítica da doutrina, para o alargamento do prejuízo à dimensão humana (centrando-se o periculum na irreversibilidade da situação jurídica e impossibilidade de restituição in natura), que comparadamente é aceite por todos.

21) Ora, se a pessoa falece, como aqui receamos que suceda, falecem também as raízes do paradigma da carência económica, que é existir a pessoa para receber o montante pecuniário e, assim, é evidente que o pressuposto da carência se verifica.

22) Por outras palavras, a norma joga-se num binómio, tem um radical objetivo, que é a quantia pecuniária, e um radical subjetivo, que é a pessoa que a recebe; faltando a pessoa, falha o radical subjetivo e consuma-se a carência por não haver, por desaparecer, o titular do direito a receber.

23) Portanto, também sob este enfoque, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento e deve ser revogada, por violação dos arts. 133.º, 112.º e 2.º do CPTA, 2.º, 62.º e 268.º, n.º 4 da CRP, 6.º, n.º 1 e 13.º da CEDH e 1.º do Protocolo Adicional à CEDH.

24) Como dissemos já à saciedade, a urgência do caso concreto...

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