Acórdão nº 02364/18.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

Ministério da Administração Interna (MAI), devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 14.05.2020, que julgou o recurso por si intentado improcedente e confirmou a sentença recorrida, embora com distinta fundamentação. A decisão foi acompanhada pelos dois desembargadores adjuntos que, todavia, apresentaram declaração de voto, ambas no sentido de não subscreverem a fundamentação do acórdão na parte em que se refere à existência de falhas sistémicas em Itália.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAC de Lisboa, de 22.03.2019, que julgou procedente a acção administrativa intentada contra o Ministério da Administração Interna (MAI) por A………. e, em consequência: “I. Anul[o]u a decisão do Senhor Director Nacional Adjunto do SEF, de 27 de Novembro de 2018, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo A., determinando a sua transferência para Itália; II. Conden[o]u a Entidade Demandada a proferir nova decisão, depois de instruir o procedimento nos termos supra expostos”.

Na presente acção administrativa, o A., A………., com os sinais nos autos, veio impugnar o despacho do Director Nacional Adjunto do SEF, de 27.11.2018, que considerou inadmissível a concessão de protecção internacional que requerera, tanto no que se refere ao pedido de asilo, como no que respeita ao pedido de autorização de residência por razões humanitárias, e determinou a sua transferência para Itália.

  1. Inconformado, o R., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 372-87 – paginação SITAF): “1ª - Resulta evidente que o Tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2ª- Revela-se, pois, imprescindível a admissão do presente Recurso de Revista atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos vereditos a quo; 3ª - É evidente que o Acórdão escrutinado na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas; 4ª - Está in casu em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um Estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça, como outrossim e diretamente, o princípio da legalidade; 5ª - Verifica-se, assim, que a Entidade Demandada observou as exigências previstas no artigo 5º do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o requerente, ora Autor e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de relatório/formulário, do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente e facultada ao requerente a possibilidade de pronúncia quanto à eventual decisão de tomada a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos suscetíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália.

    6ª - O ora recorrido nada referiu quanto à falta de acolhimento ou que esta se traduziria numa falta de respeito pelos seus direitos, decorrendo das suas declarações que não são as condições de acolhimento que estiveram na origem da sua saída do território italiano, não fazendo qualquer alusão a riscos efetivos ou potenciais do seu receio de regressar a Itália; 7ª - Apenas referiu que quando esteve em Itália não foi vítima de maus tratos ou de outras medidas persecutórias, Deixou Itália para ir para a Alemanha, onde esteve sete meses, e depois decidiu vir para um país onde tivesse paz e veio para Portugal, não referindo que durante o período em que esteve naqueles países, mormente em Itália, tivesse sofrido qualquer situação de ofensa aos seus direitos fundamentais ou tivesse sido alvo de tratamento desumano ou degradante na aceção do Artigo 4.º da CDFUE; 8ª - Compulsados os autos, verifica-se que não foi feita uma alegação concreta, densa e particularmente grave pelo Recorrido para que se possa concluir pela aplicação da “cláusula de salvaguarda”, previsto no art.º 3º, 2º parágrafo do nº 2, do Regulamento Dublin ou para imposição à Entidade Administrativa da promoção de diligências instrutórias; 9ª - Assim sendo, não se vislumbra, por força das declarações do próprio Recorrido, que a Entidade Demandada omitiu qualquer dever instrutório, isto é, que devesse ter averiguado outros factos que se revelassem adequados e necessários à tomada de decisão, antes de ditar a transferência do A. para Itália; 10ª - Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito; 11ª - No âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36.º a 40.º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise o pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe à Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido, ao contrario do invocado pelo douto acórdão ora recorrido; 12º - Idêntico entendimento foi sufragado em diversos Acórdãos do TCAS (processos nºs 1353/18.0BELSB, 1740/18.3BELSB, 559/19.9BELSB, 743/19.5BELSB, 1069/19.0BESNT, 1258/19.7BELSB, 1361/19.3BELSB, 2195/19.0BELSB, 2206/19.0BELSB, 2368/19.6BELSB, entre outros); 13ª - Acresce também o Acórdão proferido pelo STA aos 16/01/2020, no Proc. 2240/18.7BELSB bem como Acórdão de 23 de abril, proferido no âmbito do Processo 916/19.0BELSB.

    Assim como decorre do comunicado de imprensa n.º 33/19 do Tribunal de Justiça da União Europeia, Luxemburgo, de 19 de março de 2019; 14ª - No âmbito do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/06, o intercâmbio dos dados pessoais dos requerentes, efetuado antes da sua transferência, incluindo os dados sensíveis em matéria de saúde, garantirá que as autoridades competentes estão em condições de prestar aos requerentes a assistência adequada e de assegurar a continuidade da proteção e dos direitos que lhes foram conferidos.

    15ª - Neste contexto, o Acórdão recorrido carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pela lei nacional da União Europeia sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato do ora Recorrente; 16ª - Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação do douto Acórdão, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei”.

  2. O A., ora recorrido, apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo: “I) O Tribunal a quo condenou o Recorrente a reconstruir o procedimento e, considerando a informação junta aos autos (e se for o caso, instruindo-o com outros elementos informáticos fidedignos atualizados, que repute de relevantes, sobre o procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes), proceder a nova entrevista do requerente tendo em vista averiguar se a transferência para a República Italiana não implicará, tendo em conta as doenças do Requerente e os motivos pelos quais alega ter sido perseguido, um tratamento desumano e degradante na aceção do art.º 4º da Carta, (in)suficiente para aplicação do critério previsto no n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento.

    II) O Recorrente não elaborou um relatório, de modo a que, se o tivesse dado a conhecer ao Recorrido, pudesse conferir a possibilidade de se pronunciar sobre o mesmo, designadamente para relatar a degradação do sistema italiano, o que se agravou com a pandemia, como facto notório que é.

    III) Na verdade, não se trata de uma questão que revista importância fundamental para uma melhor aplicação do direito.

    IV) A tentativa manifestamente redutora, de pretender designar a retoma a cargo como um acto vinculado, mais não é que a manifestação flagrante do comportamento persistente do Recorrente na violação de direitos fundamentais.

    V) A este propósito, e como explicita o TJUE, “O artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que: -mesmo não havendo razões sérias para crer na existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento nº 604/2013 só pode ser feita em condições que excluam que essa transferência implique um risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes, na aceção desse artigo (…)”. – cfr. acórdão do Tribunal de Justiça de 16/02/2017, proferido no proc. Nº C-578/16 PPU (disponível em www.curia.europa.eu).

    VI) É um facto saliente, a forma orientada e parcial de como o Recorrente procede à entrevista dos requerentes de asilo.

    VII) Cortando-se a possibilidade do Recorrente poder contradizer uma proposta /relatório/informação que se apresente como o possível desfecho do procedimento, é impedir o requerente de asilo, agora recorrente, de poder influenciar qualquer tomada de decisão.

    VIII) O Recorrido padece efectivamente de problemas de saúde, que as autoridades italianas competentes não estão em condições de prestar ao requerente, ainda para mais em plena pandemia, ficando muito aquém qualquer tipo de assistência adequada (caso existisse alguma) e de assegurar a continuidade da proteção e dos direitos que lhe deverão ser conferidos”.

  3. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do...

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