Acórdão nº 1992/10.7BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 25.01.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi, em parte, julgada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e, no demais, julgada procedente a oposição apresentada por J.....

    (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ..... e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 4 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), atinentes aos anos compreendidos entre 2000 e 2006, da devedora originária S....., Lda.

    O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I.

    Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, atendendo às razões que passa a expender.

    II.

    Face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o oponente foi efectivamente gerente da devedora originária no período a que respeitam os impostos em dívida, sendo evidente que o recorrido exercia funções de gerente à data em que terminou o prazo para pagamento voluntário dos tributos em questão.

    III.

    Pelo que, contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub judice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra os que somente a título subsidiário respondem pelas dívidas da sociedade comercial originariamente devedora, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte do recorrido, no período a que se reporta o prazo legal de pagamento do imposto.

    IV.

    Na verdade, é possível verificar, mediante a análise dos elementos que constam dos autos, que no período em que terminou o prazo legal para pagamento dos tributos, quem dirigia de direito e de facto os destinos da sociedade primitiva executada, era o ora recorrente.

    V.

    Desta forma, demonstra-se que, o sujeito passivo teve, obrigatoriamente, uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, VI.

    Não tendo ficado demonstrado que lhe tenha sido vedado o exercício das funções de gerência.

    VII.

    Apesar de ter comunicado ao novo sócio a renúncia, aquela apenas teve efeitos para o destinatário, pois perante terceiros, dada a ausência de registos, continuou o Oponente a figurar como gerente, não lhe estando vedado vincular a sociedade por força deste registo (artigo 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial).

    VIII.

    Razão pela qual é patente ser imputável ao recorrido, quer por acção quer por omissão, a prática de actos de gestão, consubstanciados na exteriorização da vontade da sociedade e vinculação da mesma perante terceiros em todos os seus actos e contratos, na medida em que forma de obrigar a sociedade era pela intervenção do recorrido conforme, claramente, resulta dos elementos juntos aos autos.

    IX.

    Acresce que, o regime de responsabilidade dos gerentes e administradores pelas dívidas de impostos das suas representadas é regulado pela lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos da obrigação de responsabilidade.

    X.

    Importa ainda atentar ao facto de que não se exige que a gerência seja em simultâneo de direito e de facto, pois segundo o citado artigo, só compete provar a gerência de facto, quando a mesma não for acompanhada da gerência de direito, XI.

    Do mesmo modo que, um administrador ou gerente que o seja de direito, mas que não exerça de facto, e que cause com essa omissão, o não pagamento dos impostos legalmente devidos no período do exercício do seu cargo, deve poder ser responsabilizado pelas dívidas tributárias da sociedade.

    XII.

    Ora, sendo o recorrido gerente de direito, presume-se que também o é de facto, sendo-lhe imputada responsabilidade subsidiária pelos créditos fiscais, nos termos dos normativos citados, no período da sua administração, pelo que na qualidade de revertido é parte legítima para a execução.

    XIII.

    In casu, e atento os elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade do recorrido.

    XIV.

    Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, devendo ser considerada legitima a reversão contra o recorrido.

    XV.

    Deste modo, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto do oponente/recorrido, formada a partir do exame crítico das provas”.

    O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1- O registo, não sendo constitutivo (artº. 7º. Código Registo Predial), apenas faz presumir a realidade do facto registado, enquanto não infirmado por prova em contrário.

    2- O recorrido renunciou, formalmente, à gerência por carta de 9-12-1996, entregue ao sócio restante.

    3- E nenhum vestígio há nos autos de que o recorrido, a partir daquela data, tenha intervindo, de qualquer modo, na gestão da S......

    4- Caberia ao recorrente invocar e provar tal gestão, o que não fez.

    5- O não ter sido oposto impedimento à gestão do recorrido, não vale como argumento, uma vez que o recorrido, a partir de 1996, não mais pretendeu ter qualquer intervenção em tal gestão.

    6- Improcedem, pois, todas as doutas conclusões do recurso”.

    Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

    É a seguinte a questão a decidir: a) Há erro de julgamento em virtude de se poder concluir que o Recorrido exerceu a gerência da devedora originária? II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A.

    O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1.

    No Serviço de Finanças de Lisboa 4 foi instaurada em 2 de novembro de 2002 a execução nº..... [ou: nº.....], visando a cobrança coerciva de uma dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado, proveniente de uma liquidação oficiosa, referente a 2000, no montante de €1.495,00, liquidação essa elaborada à sociedade S....., L.da – dívida que entretanto foi já reconhecida prescrita pelo Órgão de Execução Fiscal, em 26 de janeiro de 2010.

    1. Àquela execução haviam sido apensados os seguintes processos, baseados em títulos provenientes de liquidações oficiosas elaboradas àquela sociedade: a) nº....., visando a cobrança àquela sociedade de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao ano de 2001, no montante de €1.222,30, cujo termo do prazo de pagamento ocorrera a 27 de novembro de 2003; b) nº....., visando a cobrança àquela sociedade de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao ano de 2002, no montante de €1.496,40, cujo termo do prazo de pagamento ocorrera a 25 de novembro de 2004; c) nº....., visando a cobrança àquela sociedade de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao ano de 2003, no montante de €1.496,40, cujo termo do prazo de pagamento ocorrera a 11 de agosto de 2005; d) nº....., visando a cobrança àquela sociedade de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao ano de 2004, no montante de €1.496,40, cujo termo do prazo de pagamento ocorrera a 21 de dezembro de 2006; e) nº....., visando a cobrança àquela sociedade de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao ano de 2005, no montante de €1.496,40, cujo termo do prazo de pagamento ocorrera a 3 de maio de 2007; e f) nº....., visando a cobrança àquela sociedade de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado...

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