Acórdão nº 886/17.0BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelVITAL LOPES
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO S.............., S.A.

recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial de contribuições para a segurança social liquidadas com base em correcções oficiosas, designadamente por inclusão na base contributiva dos “prémios de gestão” pagos a administradores seus e referenciados aos anos de 2014 e 2015, no valor total de 506.857,65 Euros e respectivos juros compensatórios.

O impugnado Instituto da Segurança Social, I.P., também interpôs recurso da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo restrito à parte em que foi condenado no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante da liquidação anulado desde a data do pagamento da parte do tributo até à data de emissão da correspondente nota de crédito à impugnante (fls. 161).

Ambos os recursos foram admitidos com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (despacho a fls.176).

Em seguimento, a recorrente S.............., S.A., apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões: « OBJETO 1.ª O presente Recurso vem interposto quanto à parte julgada parcialmente improcedente pela Douta Sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 886/17.0BELRA do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, mais concretamente quanto às correções no valor total de € 506.857,65, relativas à sujeição a contribuições dos prémios pagos aos Administradores da RECORRENTE em 2014 e 2015, acrescidos dos respetivos juros compensatórios liquidados (que proporcionalmente se quantificam em € 56.995,26); 2.ª A Douta Sentença recorrida, seguindo a fundamentação do ISS, conclui que estaríamos perante prémios atribuídos pela Comissão de Remunerações da S.............. com base exclusivamente no critério 'qualidade da Administração', transcrevendo, para o efeito, trechos das respetiva Actas dessa Comissão que salientam essa condição, concluindo que tais retribuições estavam sujeitas a contribuições à Segurança Social por preencherem a estatuição prevista na alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo (sendo essa a fundamentação legal do acto e da Douta Sentença aqui recorrida); DA MOTIVAÇÃO 3.ª Porém, se é verdade que na Douta Sentença recorrida se teve cuidado em salientar menções relativas à 'qualidade da Administração', ignorou-se liminar, total e inaceitavelmente todas as restantes menções feitas quanto ao 'desempenho da empresa', descontextualizando o teor dessas Actas, o que fundamenta per se a errada valoração dos factos; 4.ª Mas mais: (também) ao não se ter percorrido corretamente todo o itinerário normativo aplicável à situação, tal conduziu à citada verificação de um erro de julgamento por deficitária apreciação dos factos subjacentes e, no limite, a um défice instrutório, erros de julgamento que conduzem à anulabilidade da Douta Sentença recorrida que aqui se peticionam.

DO ERRO DE DIREITO 5.ª Tal como sempre se alegou, os prémios atribuídos aos Administradores da S.............. estão, sem dúvida, sujeitos a contribuições à Segurança Social, nos termos e para efeitos do artigo 46.º n.º 2 alínea aa) do Código Contributivo, e não nos termos da alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo, como resulta da fundamentação legal do acto, seguida pela Douta Sentença a quo.

  1. Valore-se que nessas normas são utilizados conceitos distintos e, apesar de "gratificação" e "prémio" serem conceitos semelhantes - até coincidentes em alguns dos respetivos aspetos definidores -, os mesmos não são (obviamente) equivalentes: a. Gratificação é uma recompensa, prémio ou remuneração que se dá para além de um serviço recebido, sendo sinónimo de agradecimento, bonificação, emolumento e gorjeta (a qual, por sua vez significa pequena gratificação...); e b. Prémio, sendo igualmente uma recompensa ou remuneração, não é uma "gratificação", dado ter um sentido (quer qualitativo, quer quantitativo) mais lato de «remuneração; galardão, distinção conferida por certos trabalhos ou certos méritos», tendo como palavras sinónimas ágio, bónus, dádiva, distinção, medalha.

  2. É consensual que a letra da lei tem que ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, distinguindo-se claramente ao longo do Código Contributivo os conceitos de 'gratificação', face aos conceitos de 'prémio', 'comissões', 'participações nos lucros', 'subsídios', entre outros (o que resulta notório do n.º 2, do artigo 46.º do Código Contributivo quando, nas inúmeras alíneas, se delimitam as realidades que constituem a base de incidência contributiva).

  3. Assim, se o legislador utilizou diferentes conceitos, será porque considerou que os mesmos têm realidades económicas subjacentes - e eventualmente tributárias - autónomas e com sentidos/conteúdos próprios, não podendo tais conceitos serem injustificadamente ignorados ou confundidos aquando da aplicação da lei, sendo certo que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º do CC).

  4. Perante tal enquadramento jurídico, e subsumindo-se a situação concreta aos conceitos previstos nas normas, nos presentes autos só poderá concluir-se estarmos perante a atribuição de prémios - e não de meras gratificações - a cada um dos Administradores, fora do campo de aplicação da alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo que fundamenta o acto, o que se resulta concretamente: a. Da respetiva forma de cálculo e atribuição; b. Da regularidade da respetiva atribuição (facto aliás, plenamente referido no teor da Douta Sentença aqui recorrida, e que não é controvertido); c. Atento o respetivo quantum (rendimentos no valor de € 280.000,00 e de € 254.660,00, por referência a cada Administrador, em 2014 e 2015, respetivamente); e d. Por não ser possível realizar o respetivo pagamento 'parcelado por referência aos meses a que se reportam', como estatuiu expressamente a previsão norma aplicada; Duas notas particulares: 10.ª Especificamente quanto à impossibilidade referida em d., supra, valore-se que os prémios são atribuídos e pagos depois de aprovadas as contas de cada um dos exercícios - in casu, são pagamentos de prémios de 2010, 2011 , 2013 e 2014 - refletindo as contas da S.............. a atividade dos anos em causa, como constituem o referencial de atribuição e quantificação desses prémios; consequentemente, é uma 'impossibilidade' o enquadramento desses prémios/factos tributários na norma, dado que os rendimentos pagos nunca poderiam ser imputados 'parcelarmente por referência aos meses a que se reportam' como se estatui expressamente na mesma, pois visaram premiar/remunerar atividades de anos anteriores.

  5. Já especificamente quanto ao quantum referido em c., supra, não poderá o Douto Tribunal de recurso deixar de valorar a total falta de precisão e informação, quer do ISS nas correções realizadas, quer da Douta Sentença recorrida, quanto à origem (anos a que respeitam) e quantum das correções realizadas, as quais consubstanciarem uma verdadeira falta de fundamentação, que aqui, por cautela, também se peticiona (valore-se que, só mediante a análise agregada de toda a informação, incluindo da documentação que agora se solicitou excecionalmente a respetiva junção aos autos, se consegue especificamente quantificar e identificar a origem de cada prémio).

  6. Neste contexto, e salvo melhor entendimento, as conclusões já expostas serão suficientes para determinar a anulação da liquidação de contribuições à Segurança Social e juros compensatórios sub judice, dado os factos tributários não terem enquadramento (no conceito utilizado) na norma legal que fundamentou o acto, o que se peticiona para os devidos efeitos legais.

  7. Em reforço do exposto: respeitosamente se diga que o artigo 68.º do Código Contributivo não visa compreender todas as realidades remuneratórias que os MOE aufiram, para além da 'remuneração normal', conforme interpretação/aplicação da norma que foi perfilhada: o artigo 66.º do Código Contributivo delimita «sem prejuízo do disposto nos artigos 44.º e seguintes» a base de incidência 'normal' dos MOE, e o artigo 68.º estatui, em acréscimo, que existem ainda outras «remunerações especialmente abrangidas» no caso dos MOE (segundo a própria epígrafe desse artigo); 14.ª De forma concreta e mais evidente: a admitir-se que o artigo 68.º teria tal sentido lato, e excluindo-se da letra do mesmo, as 'participações nos lucros' dos Administradores, significaria que esses rendimentos estariam fora da base de incidência contributiva? - claramente que não, determinando-se essa incidência, por remissão do artigo 66.º, nos termos da alínea r) do n.º 2 do artigo 46.º, todos do Código.

  8. Ou seja, da letra das normas em análise, bem como da respetiva inserção sistemática no Código, resulta que os artigos 66.º e 68.º são normas específicas relativas às remunerações dos MOE, mas que, não obstante, obviamente têm de ser interpretadas em conjugação - ou, se preferível, em harmonia/de acordo -, com as regras gerais relativas à base de incidência contributiva previstas no Código, não restando qualquer dúvida a esse propósito, dada a expressa remissão para as mesmas do artigo 66.º do Código Contributivo.

  9. Pelo exposto, e sem mais, deverá concluir-se que os prémios sub judice integram a base de incidência contributiva, dado serem «prestações relacionadas com o desempenho obtido pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável independentemente da variabilidade do seu montante», nos termos e para os efeitos da alínea aa) do n.º 2 do artigo 46.º por não estarem concretamente incluídos em nenhuma das normas específicas relativas aos rendimentos dos MOE - em particular, na alínea a) do artigo 68.º aplicada -, e por remissão expressa do artigo 66.º, todos do...

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