Acórdão nº 223/19.9 PCRGR.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR BOTELHO
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – RELATÓRIO 1. 1. – Decisão Recorrida No processo n.º 223/19.9 PCRGR do Juízo Local Criminal da Ribeira Grande do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, em que o arguido AA se encontrava acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artº.s 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º 1.ª parte, 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do C. Penal, e de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos art.ºs 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 143.º, n.º 1, do C. Penal, apresentada desistência de queixa pelo ofendido BB, foi, em 22.01.2020, proferida sentença homologatória da desistência de queixa quanto aos dois referidos crimes.

* 1. 2. – Recurso 1.2.1. - Inconformado com essa decisão no que respeita ao crime de ameaça agravada, dela recorreu o Ministério Público, pugnando pela sua revogação, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: «1. Por sentença proferida nos autos, a Mma. absolveu o arguido AA julgou extinto o procedimento criminal, relativamente ao crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153.º e 155.º, al. a) ambos do Código Penal.

  1. Transcrevemos a seguir parte da sentença: “Nos presentes autos, o arguido AA, encontra-se acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.s 13.º, 14.º n.º 1, 26.º 1.ª parte, 153.º n.º 1, 155.º n.º 1 al. a) (por referência ao art. 131.º, todos do CP) e um crime de Ofensa à Integridade Física Simples p. e p. pelos arts. 13.º, 14.º n.º 1, 26.º 1.ª parte, 143.º n.º 1 do CP.

    Quanto ao crime de ameaças agravadas, entendemos que este crime, p. e p. pelo artigo 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do C.P é um crime que reveste natureza semi-pública. No mesmo sentido, vejam-se o Acórdão da Relação do Porto, de 13.03.2013, no âmbito do processo 335/11.7GCSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt, e o Acórdão da Relação de Évora, de 15.10.2013, disponível na CJ, 2013, T4, pág.252.

    Na verdade, o crime do art. 155º, do C.P., pese embora a opção legislativa pela sua agravação mantém a natureza do “crime mãe” (153º, do C.P.), uma vez que as circunstâncias elencadas na norma apenas actuam para agravar a moldura penal e nada aditam ou modificam ao tipo de raiz, uma vez que não acrescentam quaisquer outros elementos basilares que pressuponham o respetivo preenchimento do ilícito. Ao contrário do que sucede noutros tipos legais como sejam os crimes de homicídio, ofensas corporais ou furto, aos quais são acrescentados ao tipo que está na sua base, elementos que funcionam como circunstâncias modificativas, alterando a moldura penal abstrata e através dos quais o legislador constrói outras figuras de delitos, sejam eles qualificados ou privilegiados. Noutros casos limita-se o legislador a agravar o crime base.

    Deste modo, e na esteira dos professores Eduardo Correia e Figueiredo Dias, entendemos que o legislador não beliscou a natureza do crime essencial (art. 153º, do C.P.) e ao indicar circunstâncias de agravação da moldura penal base, não quis alterar a natureza do crime mãe nuclear (semi-público tal como vem referido no n.º 2, do art. 153º, do C.P.).

    ( …) Efectivamente o crime de raiz mantém-se inalterado nos seus elementos simplesmente agravado, face a circunstâncias de relevo como sendo a qualidade da vítima ou do agente, nas alíneas daquele tipo que não a da alínea a), que é o caso dos autos. completo.

    Entendemos assim, que o crime de ameaça agravada, p. p. pelo art. 153.º, n.º 1, e art. 155.º, n.º 1, al. a), do C.P., permite face à sua natureza semi-pública, a desistência do procedimento criminal.

  2. Muito embora não seja unânime a jurisprudência no sentido em que o crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do C.P, seja um crime de natureza pública, é certo que a jurisprudência nesse sentido é manifestamente maioritária.

    É que o crime de ameaça agravada constitui um tipo legal autónomo e distinto daquele previsto no art. 153º do Código Penal. E, enquanto o tipo legal base, previsto no art. 153º do Código Penal, assume natureza semipública, exigindo a apresentação de queixa pelo ofendido para a promoção da ação penal, o tipo legal qualificado ou agravado, previsto pelo art. 155º do Código Penal, é um crime público, o que significa que não exige tal queixa, dispondo o Ministério Público de legitimidade para prosseguir a ação penal, nos termos do disposto no art. 48º do Código de Processo Penal.

  3. A remissão que o art. 155º, n.º 1, do Código Penal faz para o art. 153º do mesmo Código refere-se, apenas, aos factos previstos no n.º 1 deste preceito e não para a natureza do ilícito prevista no n.º 2.

  4. Aquando da alteração do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, o legislador optou claramente por autonomizar várias circunstâncias agravantes quer da ameaça quer da coação, criando um tipo legal próprio que pune de forma mais grave comportamentos que revelam um maior grau de ilicitude ou de culpa. E, uma vez que os bens jurídicos protegidos nessa incriminação do art. 155º do Código Penal, não são apenas atinentes à esfera da liberdade pessoal das pessoas, mas interferem já com valores supraindividuais, como seja, também, a garantia da execução de funções públicas sem constrangimentos (al. c) do n.º 1, do art. 155º), o ilícito em questão assume natureza pública, não estando a ação penal dependente da vontade do ofendido.

  5. Como, facilmente, se pode verificar pelos tipos legais do Código Penal, a técnica legislativa é sempre a mesma: pretendendo-se consagrar a natureza semi-pública de um crime, imediatamente a seguir à definição do ilícito típico, estabelece-se que “o procedimento criminal depende de queixa”. Quando se quer conferir essa natureza a um conjunto de crimes (que, fundamentalmente, protegem o mesmo bem jurídico), o capítulo em que estão agrupados encerra com a disposição em que se estabelece quais deles exigem queixa para que se proceda criminalmente contra o agente desses crimes.

  6. Com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, novas alterações foram introduzidas, ficando o artigo 153.º com a seguinte redacção: Artigo 153.º 1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

    2 - O procedimento criminal depende de queixa.

    Como é fácil de constatar, o artigo 153.º passou a prever e punir, apenas, o crime de ameaça simples e a manter a sua natureza semi-pública.

    O crime de ameaça agravado passou a estar tipificado no artigo 155.º, nos seguintes termos: Artigo 155.º(Agravação) – Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 155.º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos ( …) O crime de ameaça agravada atualmente tem, pois, natureza pública. E esta tem sido a posição jurisprudencial dominante, realçando-se, entre outros: Ac. TRP de 2-05-2012 : Assume natureza de crime público a ameaça agravada ou qualificada nos termos dos Artigos 153º/1 e 155º/1 al.a) do C.Penal [Red. Lei 59/2007 de 4/9].Em idêntico sentido Ac. TRC de 10-07-2013 ; Ac. TRG de 9-05-2011 , Ac. TRC de 10-12-2013 ; Ac. TRG de 25-02-2014 e Ac. TRE de 7-04-2015 ; Ac. TRL de 30-04-2015 ; Ac. TRP de 15-06-2016.

  7. Sem olvidar, refira-se aqui o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2013, de 20 de Março, DR, I Série de 20-03-2013: A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal.

    Assim, tendo o tribunal homologado a desistência de queixa apresentada pelo ofendido, declarando extinto o procedimento criminal contra o arguido quanto ao crime de ameaça agravada, o Tribunal violou o disposto nos arts. 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. a), do Código Penal e nos arts. 48º e, a contrario, 49º e 51º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal.

    Pelo exposto, deverá ser revogada nesta parte a douta decisão recorrida e determinada a sua substituição por outra que julgue ineficaz a desistência de queixa apresentada e determine o prosseguimento dos autos para julgamento do arguido pelo crime de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

    Assim se fazendo a costumada Justiça». * 1.2.2. - O arguido não respondeu.

    * 1.2.3. - Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o art.º 416.° do C.P.P., pronunciou-se pela procedência do recurso, emitindo o seguinte parecer: «1.O Recurso será de julgar em Conferência, nos termos do...

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