Acórdão nº 0289/20.9BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 289/20.9BEALM 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pela sociedade acima identificada (adiante também denominada Executada, Requerente, Reclamante e Recorrida), anulou o acto do Chefe do Serviço de Finanças do Barreiro, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em processo de execução fiscal.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «I. Discorda-se da decisão de anulação do acto reclamado por, segundo o Tribunal, incorrer o mesmo em erro nos pressupostos, impondo-se à Autoridade Tributária uma actuação mais proactiva, “designadamente, na determinação da situação patrimonial concreta do interessado quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu in casu”, pois “optando a AT por indeferir logo o pedido (…) não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo”; II. No caso, como reconhece, o Tribunal, a Reclamante não instruiu “o pedido de dispensa de prestação de garantia com meios de prova quanto ao estado dos bens que possui e que integram o seu activo (imobilizado e existências), assim como quanto à inexistência de ónus sobre os mesmos (…)”. Entende-se, no entanto, mais. Entende-se que em nenhuma prova relevante sustentou a então Requerente o seu pedido; III. Suporta-se, a Sentença, em Acórdão do TCA Sul de 24.01.2020, proc.º 460/19.6 BEALM (invocado pela reclamante na sua petição), no entanto, a realidade em análise nos presentes Autos não é bem a mesma subjacente à do Acórdão fundamento – enquanto ali a documentação apresentada e os dados em posse da Autoridade Tributária são em valor manifestamente inferiores ao da dívida exequenda, na presente situação a realidade é precisamente inversa; IV. Pelo n.º 4 do art. 52.º da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e desde que inexistindo fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado. E nos termos do disposto no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, “o pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”; V. E como bem reconhecido pelo Tribunal “a quo”, é sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa – art. 74.º n.º 1 da LGT e art. 342.º do Código Civil (CC). No caso isto não aconteceu. Não cumprindo a Requerente com o ónus da prova, nem pouco mais ou menos, entende, no entanto, o Tribunal que este passa a caber à Autoridade Tributária, vinculada ao princípio do Inquisitório; VI. Mas não só nenhuma prova fez a então Requerente, quer da invocada insuficiência de bens, quer do prejuízo irreparável como, face ao montante em dívida e aos bens conhecidos – ainda que sempre dependentes de avaliação – não apenas entendeu a Autoridade Tributária não só não estar provada a insuficiência, como pelo contrário informou a executada de qual o procedimento que deveria seguir para oferecer garantia e mais esclareceu quanto ao facto de, “Estando, ainda, perante um estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, o mesmo também é passível de penhora, nos termos do artigo 782.º do CPC, sem que a mesma ponha em causa o seu normal funcionamento ou até ê a sua viabilidade e continuidade”; VII. Ou seja, não apenas se verificou uma total ausência de prova das alegadas insuficiência de bens, bem como de verificação de prejuízo irreparável, como a Administração rebateu tais argumentos, considerando poder a dívida ser garantida e afastando qualquer prejuízo irreparável resultante da penhora do estabelecimento. Ficou, a ali Requerente, devidamente elucidada de quais os formalismos que deveria cumprir, e de que, nos termos do disposto na Lei o estabelecimento poderia continuar a laborar, ainda que penhorado; VIII. Não pode o princípio do inquisitório servir para esvaziar a regra geral do ónus de prova a que a Requerente/Reclamante se encontra obrigada na presente situação. Muito menos para afastar a concretização de tal regra constante do no n.º 3 do art. 170.º do CPPT, pelo qual se exige à Requerente não apenas a fundamentação do pedido de facto e de direito, mas a instrução do mesmo com a prova documental necessária – o que manifestamente não foi feito; IX. A seguir o entendimento que fez vencimento, bastará ao Requerente a mera alegação de inexistência de bens e verificação de prejuízo irreparável, competindo à Administração, ao abrigo do princípio do inquisitório, fazer a prova que, por enquanto, a lei exige ao Requerente; X. O mesmo TCA Sul que emitiu o Acórdão fundamento da Sentença recorrida, em Acórdão de 25.06.2020, emitido no Proc.º 633/19.1BEALM, veio concluir: “III - Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa. IV - Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa do Requerente”; XI. Podendo ler-se na respectiva fundamentação, “E nem se diga, como parece entender a Recorrente [cfr. conclusões y), z), aa)] que cabia à AT e/ou ao Tribunal substituírem-se à requerente e providenciar pelos elementos em falta, evidenciando inclusivamente a Requerente que “estavam ao seu (leia-se, da AT) alcance todos os elementos necessários à análise da situação da recorrente.” A este propósito, diremos que os poderes da AT e do Juiz não servem para colmatar a inércia ou a absoluta falta de diligência das partes, como aqui patentemente aconteceu, sob pena de se esvaziar, por completo, a obrigação das partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, no que, aliás, seria uma actuação de carácter absolutamente paternalista que entendemos não ser de acolher. De resto, nem sequer foram indicados os elementos/documentos em poder da AT, nem, patentemente, a AT está em condições de se substituir à parte para demonstrar se ela está impossibilitada de suportar uma garantia bancária ou um seguro-caução, conforme alegado”; XII. Com efeito, no artigo 43.º da petição de Reclamação é referido que estavam ao alcance da Administração “todos os elementos necessários à análise da situação da reclamante, no domínio das informações imanentes de bancos, conservatórias e demais instituições”. O que resulta numa afirmação vazia acaba, a final, por ser precisamente o que o Tribunal “a quo”, ao decidir, como decidiu, vai impor à Autoridade Tributária, assim aparentemente obrigada a procurar informações imanentes; XIII. Ao decidir, como decidiu, fez o Tribunal “a quo” uma errada aplicação do Direito, em violação do disposto nos arts. 52.º n.º 4 e 74.º n.º 1 da LGT, art. 342.º do CC, e n.º 3 do art. 170.º do CPPT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, declarada nula, ou revogada e substituída por douto Acórdão que julgue o pedido improcedente».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor: «

  1. A jurisprudência invocada pela recorrente, vertida no Acórdão do TCA Sul de 25/06/2020, proferido no Recurso n.º 633/19.1BEALM, afigura-se inaplicável “in casu”, porquanto, não só foi proferida em face de factualidade distinta, como conduziria, pelo menos na interpretação extraída pela recorrente, salvo o devido respeito pela opinião contrária, à postergação de princípios informadores e basilares do procedimento tributário.

  2. Como o são, o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material, da proporcionalidade e o próprio princípio da colaboração a que a AT está vinculada nas relações com os contribuintes.

  3. De facto, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão desproporcionada (neste sentido, vide o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13, relatado pela Ilustre Conselheira Fernanda Maçãs).

  4. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia o art. 170.º, n.º 3, do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária (neste sentido, vide, ainda o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13).

  5. Acresce que, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para o executado juntar meios de prova em dois ou três dias (neste sentido, vide, ainda o Acórdão desse STA de 15/05/2013, tirado no Recurso n.º 0519/13). E, f) Sendo que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à AT convidar a recorrida a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que...

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