Acórdão nº 022/20.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: Z…………….., NIF ……………. e sua mulher X………….., NIF :…………, Requerentes no processo que correu termos no CAAD sob o n.° 317/2019-T, vêm, nos termos do n.° 2 do artigo 25.° do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do artigo 152.° do CPTA, interpor recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida em 18/01/2020, pelo CAAD.

Alegaram, tendo apresentado as seguintes conclusões:

  1. Nas duas decisões arbitrais em oposição foi apreciada a mesma questão de direito, a da caducidade do direito à invocação da Cláusula Geral Antiabuso, tendo a decisão arbitral recorrida (processo n.° 317/2019-T) concluído de forma que contradiz frontalmente o decidido na decisão arbitral fundamento (processo n.° 235/2018-T).

    B) Estão em causa, em ambos os processos arbitrais, negócios, tidos pela AT como fiscalmente abusivos, que tiveram lugar antes da entrada em vigor da alteração operada no artigo 63.° do CPPT pela Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

    C) Mais em concreto, a questão de direito que se colocou em ambas as decisões arbitrais era a de saber se ocorreu a caducidade do direito da AT a invocar, em 2017 e 2018, a CGAA, declarando serem fiscalmente abusivos negócios realizados em 2005 e 2006, com o intuito de assim ter fundamento para efetuar liquidações adicionais de IRS, relativas a pagamentos parciais, decorrentes de tais negócios, efetuados em 2013 e 2014.

    D) Os Recorrentes subscrevem, na integra, a posição assumida na decisão fundamento e no voto de vencido constante da decisão recorrida, a qual se pode resumir da forma seguinte: - relativamente a negócios, considerados abusivos, praticados antes da entrada em vigor da Lei n.° 64-B/2011, de 30/12 (da alteração ao texto do art.° 63.° do CPPT), o procedimento próprio para a aplicação da CGAA só poderia ser aberto no prazo de 3 anos após a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação da CGAA.

    - no caso concreto, quando a lei nova entrou em vigor (extinguindo prazo especial de caducidade do direito à invocação da CGAA, o qual era, indiscutivelmente, contado da data da realização do negócio abusivo) - a caducidade já estava consumada, perante o disposto na lei anterior.

    E) Não é aceitável considerar, como se fez na decisão recorrida, que tal prazo de caducidade se «renovou» em decorrência da lei nova, pois tal representaria uma inadmissível ofensa da segurança jurídica tal como esta era configurada pela lei anterior.

    F) A posição que fez vencimento na decisão recorrida aplica retroativamente a lei nova (melhor, determinada interpretação da lei nova), o que é constitucionalmente inadmissível por estar em causa uma redução de uma garantia dos contribuintes (o direito à caducidade).

    G) Pelo que, na procedência do presente recurso, deve a decisão arbitral recorrida (proc. n.° 317/2019-T) ser revogada e substituída por outra que declare procedente o pedido de anulação total das liquidações em causa por ter ocorrido a caducidade do direito à invocação da CGAA em que se fundamentam.

    Contra-alegou a Autoridade Tributária e Aduaneira, concluindo:

  2. Atento o disposto no art.º 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de janeiro de 2004 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de facto e de direito.

    B) A decisão que pôs termo ao acórdão recorrido pronunciou-se de mérito sobre um esquema de planeamento fiscal abusivo, decidindo pela falta de substância económica de um conjunto de operações que levaram ao não pagamento de imposto em sede de IRS.

    C) Já a decisão fundamento pôs termo ao processo decidindo pela caducidade da aplicação do procedimento constante no artigo 63.º do CPPT.

    D) Acresce ainda que os factos e a subsunção destes ao direito são diferentes entre os dois julgados, correspondendo a negócios jurídicos e relações tributárias distintas, não só em termos declarativos (ausência), fluxos financeiros distintos, mas igualmente em termos cronológicos.

    E) Pelo que não existe identidade de facto entre um julgado e outro.

    F) Ainda assim, defendem os Recorrentes que se verifica a caducidade do direito à liquidação pelo decurso do prazo de três anos previsto no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, na redação originária, ou pelo decurso do prazo geral de quatro anos a que se refere o artigo 45.º, n.º 1, da LGT, porquanto a Autoridade Tributária teve conhecimento da alienação das acções por via do cumprimento pelos sujeitos passivos da obrigação declarativa, em 10 de Março de 2016, ou, pelo menos, com a realização dos pagamentos tidos como dividendos dedutíveis que se iniciaram em 2006.

    G) No que à caducidade diz respeito o artigo 45º nº 1 da LGT à data vigente que “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.” Acrescentando o nº 4 que no caso dos impostos periódicos, esse prazo conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

    H) No entanto, alegam os requerentes que a aplicação da CGAA caducou (2008 e 2010), nos termos do nº 3 do art.º 63º do CPPT, na sua redação inicial, sendo que o prazo de 3 anos deve iniciar a partir do momento em que a AT teve conhecimento do negócio celebrado em 2005 (que foi a 10-03-2006), ou a partir da data do 1º pagamento que foi em 2006.

    I) Ora relativamente ao ano fiscal de 2014 (ano em que foi feito o pagamento dos dividendos “disfarçados” de reembolso/amortização de dívida ao Recorrente, o prazo dos 3 anos já não constava na norma citada (nº 3 do art.º 63º do CPPT), sendo que se deve contar o prazo nos termos do nº 4 do art.º 45º da LGT (4 anos) e durante este período prazo e até ao fim do período de caducidade (31-12-2018), a AT podia acionar o procedimento inspetivo conducente à aplicação da CGAA.

    J) O acórdão do TCASUL 05104/11 de 14/02/2012 pronunciou-se, nomeadamente, sobre se, no caso concreto, já teria ou não decorrido o prazo de caducidade de 3 anos aplicável ao procedimento específico de aplicação desta norma anti-abuso que consta do CPPT (e vigorava à data dos factos em análise, entretanto revogado pela Lei nº. 64-B/2011, de 30/12), acabando por acolher, a este respeito o last step doctrine segundo a qual a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final - que é representado, no caso aqui em análise, pela receção do pagamento de uma dívida, em vez de dividendos.

    K) Parece-nos claro que só tendo uma visão holística de um conjunto de negócios jurídicos, em que isoladamente considerados não são abusivos, como a alienação das acções ou o pagamento de uma dívida aos sócios, é que possível iniciar o prazo de caducidade sobre actuação da AT.

    L) É preciso que essa sucessão de atos, em termos cronológicos e encadeados sejam in fine materializados em comportamentos desviantes de molde a que possam ser qualificados como abusivos.

    M) Mal seria, que a inspeção tributária Administração tributária, perante actos preparatórios ou instrumentais pudesse fiscalizar e tributar intenções e vontades futuras de puderem os Recorrentes virem a ter no futuro uma vantagem fiscal. Tributando no presente aquilo que poderá ser ou não qualificado como abusivo no futuro.

    N) Vejamos que tratando-se o IRS de um imposto de obrigação única e periodicidade anual, os pagamentos recebidos pelos contribuintes a título de dividendos deverão ser tributados no período de tributação em que são auferidos, como não poderia deixar de ser, atendendo à capacidade contributiva e onde se materializa o resultado e o consequente fim de um esquema de planeamento fiscal abusivo.

    O) Iniciando-se consequentemente o prazo de caducidade constante no artigo 45.º, n.º 1 da LGT no ano em que esses rendimentos são auferidos.

    P) A não ser assim, a CGAA e o artigo 38.º, n. 2 da LGT cairia em letra morta, porquanto fácil seria a construção de um esquema elisivo em que fossem realizados pequenos pagamentos de dívida (por exemplo de 1€), sem alertar a fiscalização tributária e dessa forma acionar a caducidade; Q) Ou por e simplesmente aguardarem os contribuintes que constroem este tipo de esquemas de planeamento fiscal abusivo um período de stand still antes de procederem a determinados atos que possam alerta a inspeção tributária para a aplicação do artigo 38.º, n.º 2 da LGT.

    R) Parece-nos claro que sufragar tal entendimento, colocaria em causa não só as receitas financeiras do Estado, mas igualmente a justa repartição dos encargos públicos, assim como o princípio da igualdade todos com tutela constitucional no artigo 13.º e 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

    Pelo que, nestes termos e nos demais de direito deverá o Recurso ser declarado improcedente por falta de preenchimento dos pressupostos legais, ou caso assim não entenda ser sufragado o entendimento que o início da caducidade de aplicação do procedimento constante do artigo 63.º do CPPT e do artigo 38.º n.º 2 da LGT deve ser aplicado ao momento final em que se manifesta o resultado e consequente vantagem fiscal do esquema abusivo.

    O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da efectiva existência de oposição sobre a mesma questão fundamental direito entre ambas as decisões e, consequentemente, da revogação da decisão recorrida.

    Cumpre decidir.

    Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

  3. Em 1993, na data da constituição da C..., S.A., os Requerentes detinham um total de 91% (88,75% + 2,25%) do capital, sendo o restante capital detido, em partes iguais, pelos seus filhos J..., A..., K..., e L..., na percentagem individual de 2,25%; B) Na contabilidade da sociedade C..., SA, foi reconhecida, em 26 de Dezembro...

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