Acórdão nº 157/18.4GACTX.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

No processo comum singular n.º 157/18.4GACTX, Tribunal de Comarca de Santarém (Cartaxo), foi proferido despacho em que a Senhora Juíza decidiu homologar as desistências de queixa apresentadas pelos ofendidos (…), declarando consequentemente extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido (…).

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo: “1. Homologando as desistências de queixa apresentadas pelos ofendidos (…), o Tribunal a quo declarou extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido (...), pela prática de 2 (dois) crimes de ameaça agravados, ilícitos previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

  1. Porém, os referidos ilícitos revestem natureza pública, porquanto os descritivos das alíneas do artigo 155.º do Código Penal apontam objectivamente no sentido do alargamento e do robustecimento do leque de bens jurídicos abrangidos pela plenitude protectora do crime de ameaça.

  2. Nestes termos, parece-nos ser também objectiva a conclusão jus-criminalmente orientada no sentido da consideração do conteúdo normativo das alíneas do artigo 155.º do CP como consubstanciando elementos subjectivos da ilicitude e não (meras) circunstâncias susceptíveis de dramatizar a culpa e, logo, o juízo de censurabilidade que lhe esteja associado.

  3. E não se esgrima, em sentido inverso, a utilização do vocábulo agravação na epígrafe do artigo 155.º do CP, não só porque esta não tem, nos termos gerais de Direito, qualquer valor interpretativo, como também, e essencialmente, porque a agravação decidida pelo legislador no espectro do artigo 155.º do CP resulta precisamente do facto de a constelação axiológica em abstracto protegida e em concreto violada ser, como já antes se deixou dito, mais larga e mais pesada que aquela do artigo 153.º do mesmo diploma, impondo-se, pois, por mandamento e determinação constitucional, o estrito cumprimento, em sede de definição da lei penal, dos princípios e das vinculações normativas recenseadas no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

  4. Quanto ao elemento histórico – isto é, à determinação da orientação de sentido da alteração operada pelo legislador penal em 2007 que autonomizou em texto próprio (artigo 155.º do CP) os elementos (subjectivos da ilicitude, como também atrás já dissemos) até então matriculados na descrição normativa do crime de ameaça (artigo 153.º, n.º 2) –, deve dizer-se que ela reforça a consideração da natureza pública do crime previsto e punido pelo artigo 155.º do Código Penal, pois se se quisesse que assim não fosse a referida alteração não comportaria qualquer modificação substantiva e constituiria, isso sim, um mero e estéril adorno estético imputável a uma qualquer excentricidade inconsequente do legislador.

  5. Acresce a tal que o texto do artigo 155.º do Código Penal incorpora no seu quadro referencial os delitos-base (tipos criminais de partida) da ameaça e da coacção, corrigindo o legislador de 2007, com tal opção, o desequilíbrio que antes se verificava quando a lei considerava a forma mais grave de ameaça como crime semi-público e a forma mais simples de coacção como crime público. Agora, depois de 2007, as formas mais graves (por via da presença nos correspondentes tipos de elementos subjectivos da ilicitude) da ameaça e da coacção são, do ponto de vista jus-processual, crimes públicos.

  6. De tudo assim decorrendo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o estabelecido nos artigos 153. °, n.º 1, e 155. °, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, e artigo 48. °, 49.º e 51.º, estes do Código de Processo Penal.

  7. E, se assim não fosse (ausência de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação contra o arguido) – que não é – como supra melhor se explicou, ao fazer o saneamento do processo (artigo 311.º do CPP), o Tribunal a quo deveria ter rejeitado a acusação pública, por constituir nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea b), do CPP.

  8. É que, enfatize-se, os ofendidos (…) desistiram de uma “queixa” que nunca apresentaram… 10. Pelo exposto, deverá ser revogado o despacho recorrido, já supra transcrito, que homologou a desistência de queixa apresentada pelos ofendidos (…), por se entender que os crimes em causa assumem natureza pública e ser substituído por outro que determine o prosseguimento do procedimento criminal contra o arguido.” Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e, colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

  9. O despacho recorrido é do seguinte teor: “ Os ofendidos (…), vieram nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 116.º do Código Penal, declarar que desistem das queixas contra o arguido, (...), declaração esta aceite pelo arguido, em sede de inquérito.

    O Ministério Público, entende que as desistências de queixa formuladas pelos ofendidos são ineficazes, por se tratar de crime público, não devendo ser homologadas.

    Nos presentes autos está imputado ao arguido o facto de ter dito aos queixosos que “é uma bala para si e outra para o Zé”. Tal facto, que integra a ameaça de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, consubstancia, na esteira do AUJ 7/2013, a prática de dois crimes de ameaça agravados, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 131º, todos, do Código Penal tal como, aliás vem acusado.

    Após a reforma do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, discute-se a natureza pública ou semipública do crime de ameaça previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 153°, n.° 1 e 155°, n.° 1, alínea a) do Código Penal.

    Cumpre apreciar e decidir Importa, pois proceder à interpretação dos artigos em causa, devendo atender-se, desde logo, à sua redacção, sem se olvidar os interesses protegidos e o elemento histórico.

    Quanto à redacção dispõe o artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal e no que releva, o seguinte: quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida,[…].,é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa té 120 dias. O n.º 2 do mesmo artigo preceitua que o procedimento criminal depende de queixa.

    O artigo 155.º, n.º 1, por sua vez...

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