Acórdão nº 218/20.T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 - RELATÓRIO 1.1. Por decisão da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, proferida em 19/06/2019, foi determinada a cassação do título de condução n.º SA-131086 de que era titular (…) , nos termos do disposto nos artigos 169º, n.º 4 e 148º, n.º 4, al. c) e n.º 10, do Código da Estrada.

1.2.

(...) impugnou judicialmente esta decisão administrativa, para o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Tomar, sendo a impugnação conhecida por despacho, nos termos do disposto no artigo 64º n.º 2 do Decreto-Lei nº. 433/82, de 27 de outubro (RGCO), proferido em 01/04/2020, que julgando a impugnação improcedente, decidiu manter a decisão da autoridade administrativa.

1.3. Inconformado com tal decisão, recorreu (...) para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões: «1. O processo enferma de falta de elementos necessários, tais como factos que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade, e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção.

  1. O que constitui uma violação do Código Penal aplicável ex vi do D.L. 433/82 3. A escolha da medida da pena, ou até o direito lato sensu, não deve ser pura matemática …; 4. O Tribunal Constitucional aplicando a Lei Fundamental, só pode concluir pela inconstitucionalidade material da lei, uma vez que o artigo 30º, n.º 4 da CRP proíbe a perca de direitos, seja qual for a sua natureza, como efeito necessário de uma pena; 5. Verifica-se, que, para a vida profissional do ora recorrente, é imprescindível que tenha permanentemente a possibilidade de conduzir 6. A presente infração resultou apenas de negligência, não existindo em momento algum dolo ou culpa por parte do recorrente; 7. A simples possibilidade de aplicação da presente sanção acessória, é já para o recorrente, uma medida pedagógica capaz de satisfazer 8. todas as necessidades de prevenção e reprovação que lhe estão inerentes; 9. Nunca poderá o arguido/recorrente ser condenado duplamente pelo cometimento do mesmo crime; 10. A douta sentença de que ora se recorre, deverá, no mínimo, ter efeito suspensivo, sujeita a regime probatório; 11. Destarte a dita sentença, pelas razões supra invocadas deverá ser revogada e substituída por outra que dê sem efeito a medida de cassação da carta de condução.

    V. Exªs, contudo, farão JUSTIÇA!» 1.4. O recurso foi regularmente admitido.

    1.5. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de o mesmo dever ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1. O regime de carta “por pontos”, com a possibilidade de cassação da mesma em caso de subtração de pontos – por efeito de condenações, concretas e sucessivas, em processos próprios, por crimes rodoviários - não é mais do que uma condição imposta pelo legislador para a atribuição / manutenção do título de condução, que é razoável e visa a proteção de um bem jurídico digno de tutela penal e constitucional: “Segurança Rodoviária”.

  2. No sistema de “carta por pontos” nunca a licença de condução pode considerar-se definitivamente adquirida, pois ela está continuamente sujeita a uma condição negativa relativa ao “bom comportamento rodoviário”, 3. O dito sistema, constituindo embora uma reacção automática – ocorre como efeito da(s) infracção(ões) cometidas, sem que, por si mesmo, assuma natureza sancionatória –, não isenta a administração de verificar se o titular do título de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar do mesmo.

  3. Neste sentido, o regime de cassação do título de condução decorrente do art.º 148.º do Código da Estrada não decorre qualquer automaticidade contrária aos princípios da adequação e proporcionalidade resultantes do art.º 30.º, n.º 4, da Constituição., 5. A cassação do título de condução prevista no artigo 148.º, n.ºs 4, al. c), 10, 11 e 12, do Código da Estrada aplicada ao arguido consubstancia, em relação à aplicação das injunções e condenações sofridas nos processos criminais referidas nos factos 1 e 5 dos factos provados, um novo sancionamento, axiologicamente motivado pela inidoneidade entretanto revelada pelo condutor e, em última ratio, por imperativos de segurança rodoviária.

  4. Deste modo, não violou o princípio constitucional ne bis in idem a cassação de título de condução do recorrente (Tudo o que acima referimos é entendimento unânime na jurisprudência recentemente publicada, - Ac. TRP de 09 de maio de 2018, recurso n.º 644/16.9PTPRT-A.P1, in www.dgsi.pt; no Acórdão do TRP de 30-04-2019, no âmbito do recurso nº 316/18.0T8CPV.P1, acessível em www.dgsi.pt; pelo Acórdão deste TRC de 08.05.2019, processo 797/18.1T8VIS.C1, disponível em www.dgsi.pt. e Ac. do TRC de 23-10-2019, processo 83/19.0T8OHP.C1; Ac. do TRE de 3-12-2019, processo 1525/19.0T9STB.E1).

    Nestes termos, e pelos fundamentos supra referidos, não deverá ser alterada a decisão recorrida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo arguido.

    Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA» 1.6. Neste Tribunal, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente, ainda que por fundamento não coincidente com o que enforma a respetiva motivação [por ausência de factualidade dada como provada na decisão administrativa e na decisão judicial recorrida de que resulte demonstrada a existência de um estado de perigosidade ou inaptidão do recorrente para a prática da condução de veículos com motor e que sustente a indispensável conexão entre as condenações pela prática do crime de condução em estado de embriaguez e correlativa subtração/perda de pontos e a fundada previsão de repetição do facto, enquanto possibilidade qualificada (perigosidade), pressupostos necessários à sustentação da decisão de cassação, enquanto medida de segurança cuja aplicação serve, num juízo de adequação e proporcionalidade, às finalidades que lhe estão subjacentes.] 1.7. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo o recorrente exercido o direito de resposta.

    1.8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

    2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. art.º 412º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do disposto nos artigos 41.º n.º 1 e 74.º n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).

    Tal não exclui o conhecimento oficioso dos vícios enumerados no artigo 410º, nº. 2, do C.P.P., quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou em sua conjugação com as regras da experiência comum, bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

    2.2.

    In casu, atentas as conclusões extraídas da motivação do recurso interposto pelo arguido são as seguintes as questões suscitadas: - Insuficiência para a decisão da matéria factual provada; - Inconstitucionalidade da norma ínsita na al. c) do n.º 4 do artigo 148º do Código da Estrada; - Violação do princípio ne bis in idem; - Não verificação dos pressupostos para que seja determinada a cassação do título de condução e suspensão dessa medida; 2.3. A decisão recorrida é do seguinte teor: «1.

    Relatório Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de 24.06.2019, foi determinada a cassação do título de condução n.º SA-131086, pertencente a (…) .

    Não se conformando com esta decisão, recorreu (…), alegando, em síntese: (…) Foi admitido o recurso e notificado o recorrente para se manifestar quanto à prolação de decisão por despacho, sendo que o mesmo não se opôs, tendo o Ministério Público manifestado, também, a sua não oposição.

    ***2.

    SANEAMENTO O Tribunal é o competente. Não ocorrem nulidades, questões prévias ou incidentais supervenientes de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

    *** 3.

    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Discutida a causa, resultaram, com interesse para a decisão da causa, os seguintes: 3.1 Factos provados 1. No âmbito do processo n.º 148/16.0GAFZZ, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, al. a) do Código Penal, praticado em 10.10.2016.

  5. Tal processo iniciou-se com a decisão de injunção proferida e notificada ao arguido em 11.10.2016 e terminou com a decisão de arquivamento da suspensão provisória do processo em 07.03.2017.

  6. No âmbito de tal processo foi determinada como injunção a proibição de conduzir por 3 (três) meses.

  7. Em consequência, ocorreu a perda de seis pontos, nos termos do artigo 148.º, n.º 2 do Código da Estrada.

  8. No âmbito do processo n.º 533/18.2PBTMR, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, al. a) do Código Penal, praticado em 29.10.2018.

  9. A sentença foi proferida e notificada ao arguido em 30.10.2018 e transitou em julgado em 29.11.2018 7. No âmbito de tal processo, foi o arguido condenado, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir por 3 (três) meses.

  10. A carta de condução foi entregue em 09.01.2019, tendo já decorrido o período de proibição.

  11. Em consequência, ocorreu a perda de seis pontos, nos termos do artigo 148.º, n.º 2 do Código da Estrada.

    3.2 Factos não provados Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa.

    3.3 Motivação O Tribunal fundou a sua convicção a partir da análise crítica dos elementos constantes dos autos, designadamente o certificado de registo criminal e o registo individual de condutor.

  12. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Ao arguido foram aplicadas, em dois processos...

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