Acórdão nº 0902/13.4BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: O MUNICÍPIO DO SEIXAL inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAF de Almada) datada de 5 de Dezembro de 2018, que anulando o ato de liquidação da taxa de ocupação do espaço aéreo municipal referente ao ano de 2012, no valor de € 60.855,85, assim como o despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal que deferiu parcialmente a reclamação apresentada daquele ato; e condenando o Município do Seixal no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, SA, do indeferimento expresso da reclamação graciosa relativa a taxa liquidada nos termos do art.º 18.º do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 197, de 27-08-2003, e do próprio ato de liquidação desse tributo, relativo ao ano de 2012, no valor global de € 60.855,85.

Alegou, tendo concluído como se segue: 1- O Tribunal a quo entendeu que a norma de isenção de taxas prevista no Decreto da Junta de Electrificação Nacional de 1940 (art.º 4º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940) ainda está em vigor.

2- Não obstante a reconhecida complexidade e dificuldade da questão jurídica, intercedendo com conhecimentos especializados de índole constitucional, o Mm.º Juiz a quo entendeu existir similitude entre a situação sub judice e aquela sobre a qual o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se acerca de uma isenção de taxas, a favor da “PT Comunicações”.

3- A identidade de razões entre as situações pressuporia que as entidades em presença fossem semelhantes, o que notoriamente não sucede, porque a “PT Comunicações” à época da Lei n.º 40/95 de 15 de Fevereiro), não era semelhante à ora recorrida, a REN, S.A..

4- A primeira era uma sociedade de capitais exclusivamente públicos e dominada pelo Estado e a segunda, uma sociedade comercial, cujo escopo é o desenvolvimento de uma actividade comercial lucrativa. O Tribunal Constitucional só analisou a isenção fiscal da primeira, à luz de uma entidade que visa o interesse público, que tem um desígnio nacional e em cujo objecto se inscrevia o interesse público de forma imperativa, em virtude do domínio do Estado, o que não sucede, hoje, com a REN, S.A., sociedade comercial, cotada em bolsa, sujeita aos ditames dos seus accionistas e que desperta o interesse de investidores na sua aquisição por vários milhões de euros.

5- A situação dos autos é muito distinta daquela que o Tribunal a quo foi chamado a apreciar porque a aludida isenção do D.L. n.º 40/95, não seria hoje possível, porque depois dela: a) Existiu a revisão constitucional de 1997, a partir da qual se reconheceu a autonomia tributária dos municípios, como corolário do poder de gestão do seu próprio património, contrário à disposição de receitas fiscais locais pelo Estado, sem mais; b) foi aprovado o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, a Lei n.º 53-E/2006 de 29 de Dezembro, no qual se prevê expressamente que a criação de taxas pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipais é uma prerrogativa dos Municípios, que através de Regulamento criam as taxas e definem o regime das respectivas isenções (cfr. art.º 6º al. n.º 1 al. d) e art.º 8º n.º 2 al. d) do RGTAL); c) foi aprovada a 5ª Lei das Finanças Locais onde se prevê expressa e inequivocamente um regime de compensação do Município, sempre que este discorde da concessão, por parte do Estado, de isenções fiscais subjectivas relativas a impostos municipais, o mesmo sucedendo quando estejam em causa benefícios fiscais que constituam contrapartida contratual da fixação de grandes projectos de investimento de interesse para a economia nacional (cfr. n.s 4 e 6 do art.º 12º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e a actual Lei das Finanças Locais no qual se prevê nos art.ºs 15º al d) e art.ºs 16º que os municípios dispõem de poderes tributários relativamente a impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nomeadamente: Concessão de isenções e benefícios fiscais, nos termos do n.º 2 do artigo seguinte, devendo, por consequência considerar incompatível com um tal regime qualquer norma que contenda com o poder dos municípios disporem do regime de isenções dos seus próprios tributos; d) Foi aprovado o Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (nas suas sucessivas versões, desde que foi publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 197, de 27 de Agosto de 2003), que deve obediência ao regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (princípio da precedência da lei).

6- A fundamentação do douto aresto do Tribunal Constitucional não seria hoje repetível, facto que o Tribunal a quo não tomou em devida conta, considerando as situações são similares, mas ignorando que entre elas, se abriu um fosso legislativo, que as torna absolutamente diversas e, por sua vez, torna ilegal a decisão proferida sem que tenha observado aqueles normativos.

7- A isenção fiscal do Decreto de 1940 foi criada num tempo em que a construção de uma rede nacional de transporte de electricidade e a inerente actividade de transporte de electricidade correspondiam a acções de interesse e utilidade pública, assumidas pelo Estado como tarefas públicas para satisfação de necessidades colectivas em nome do interesse público.

8- Em 1947 foi criada a Companhia Nacional de Electricidade, SARL (CNE), com capitais do Estado, com vista ao estabelecimento de uma rede primária de linhas de Alta tensão, a quem foi outorgada a respectiva concessão, com declaração de utilidade pública (Decreto 36286, de 17 de Maior de 1947). Em 1969, o Governo decretou a fusão da referida CNE com outros operadores, dando origem à Companhia Portuguesa de Electricidade (CPE), à qual foi outorgada, em exclusivo e por tempo indeterminado, a concessão de exploração de todas as instalações, existentes e a criar, da rende de transporte. Em Abril de 1975 foi decretada a nacionalização da CPE vindo posteriormente a ser constituída a EDP, E.P. que ficou incumbida do transporte de energia.

9- Só em 1991, a EDP foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cft. D.L. 7/91 de 8 de Janeiro), a qual seria depois cindida em 1994, dando origem à REN, S.A., encarregue da actividade de transporte de energia eléctrica, então, igualmente controlada pelo Estado. Em 1995 foi criado o regime jurídico do exercício da actividade de transporte de energia eléctrica (D.L. 185/06 de 27 de Julho) concessão legalmente atribuída à REN, S.A. mantendo-se a mesma controlada pelo Estado, com o estatuto de empresa pública (Cfr. DL 558/99, de 17 de Dezembro que estabelece o Regime aplicável ao Sector Empresarial do Estado).

10- A similitude que o Tribunal a quo viu entre a situação em apreço pelo Tribunal Constitucional e a dos presentes autos existiu, mas já não existe, pelos motivos supra indicados, a que acresce o facto de desde o ano 2012 o Estado ter perdido o controlo efectivo e a maioria do capital social que detinha na Sociedade Gestora de participações Sociais que detinha a totalidade do capital social da ora recorrida.

11- O que está em causa não é utilidade pública do serviço, porque essa mesma utilidade é um pressuposto, é uma condição de concessão. A utilidade pública pode ser assegurada por múltiplas entidades e é-o, basta pensar em tantas IPSS e associações a quem é reconhecido interesse e ordem pública, sem que tal facto seja por si só uma razão justificativa para as mesmas beneficiarem de qualquer isenção fiscal, mormente, quando a actividade desempenhada por essa mesma entidade é remunerada e a concessionária dispõe de mecanismos legais e legítimos para repor o equilíbrio financeiro do contrato, quando se entenda que o mesmo é posto em causa.

12- No art.º 12º do Decreto-Lei n.º 215-A/2012 (Quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, que estabelece os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade), a propósito especificamente da utilidade pública das instalações prevê-se que as mesmas são consideradas, para todos os efeitos, de utilidade pública e que a aprovação dos projetos confere ao seu titular os seguintes direitos: a) Utilizar, nas condições definidas pela legislação aplicável, os bens do domínio público ou privado do Estado e dos municípios para o estabelecimento ou passagem das partes integrantes da RESP, nos termos da legislação aplicável (sublinhado nosso).

13- A isenção da norma de 1940 foi aprovada num quadro constitucional completamente distinto do actual, no qual se caminhava para a centralização administrativa, no qual a autonomia local, a autonomia financeira local e a autonomia tributária, não se afirmavam como princípios constitucionais sobreponíveis aos interesses do Estado central.

14- No entanto, com a aprovação da Constituição da República de 1976 e subsequentes revisões, o Princípio da Autonomia local foi encarado, logo no art.º 6º, como um princípio fundacional do Estado de Direito Democrático, aí se afirmando o respeito do Estado unitário pelas autarquias locais.

15- A lei fundamental preceitua ainda no art.º 237º, a descentralização administrativa como princípio orientado e mediador da distribuição de tarefas entre o Estado as autarquias locais.

16- A autonomia financeira tem assento no art.º 238º da CRP e constitui um pilar essencial da autonomia local, pois de nada valeria às autarquias locais disporem de meios humanos, de poder regulamentar ou de órgãos representativos se não dispusessem de património e finanças próprios que permitissem levar a cabo as tarefas de que estão incumbidas e assim...

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