Acórdão nº 0306/13.9BELRS 0424/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por EDP – Energias de Portugal, SA, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 19-12-2016, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação intentada, tendo por objecto a autoliquidação de IRC, derrama municipal, derrama estadual e tributações autónomas, respeitante ao exercício de 2011, tendo, consequentemente, anulado os atos impugnados, na parte respeitante à derrama municipal, mantendo-se quanto ao demais, com as necessárias consequências em termos de devolução do imposto correspondente.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente EDP – ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A.

as seguintes conclusões: A. Em primeira instância a ora Recorrente havia pedido que fosse julgada a ilegalidade do entendimento da Autoridade Tributária que impossibilitava a dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional registado por algumas empresas do grupo tributado no âmbito do RETGS e, bem assim, do benefício fiscal do RFAI registado por outras empresas do mesmo grupo, à colecta da derrama estadual do grupo.

  1. Nunca tendo pedido ao tribunal a quo para julgar qualquer suposta ilegalidade resultante da AT não admitir que o crédito de imposto por dupla tributação internacional e o RFAI registados por algumas das empresas do grupo fosse dedutível à derrama estadual individualmente apurada por essas mesmas empresas do grupo.

  2. Todavia, a sentença recorrida julgou improcedente a ilegalidade arguida pela ora Recorrente, tendo concluído que em virtude da derrama estadual ser um imposto distinto do IRC e «calculada por referência ao lucro tributável, não há que considerar quaisquer deduções à colecta» (página 34 da sentença).

  3. Ora, a sentença recorrida, ao não distinguir a derrama estadual individualmente considerada, da soma das colectas das derramas estaduais individuais das empresas que compõem o grupo tributadas pelo RETGS e ao preceituar a mesma consequência jurídica - impossibilidade de considerar quaisquer deduções à colecta - às duas situações, padece de nulidade.

  4. Padece de nulidade porque tomou conhecimento sobre uma questão - a (im)possibilidade da dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional e do RFAI apurados por uma empresa do grupo à sua própria derrama estadual - de que não podia ter tomado conhecimento, pois não havia sido invocada pela Recorrente cm primeira instância, nulidade esta prevista no artigo 125.º do CPPT.

  5. Caso assim não se entenda e sem conceder, então a sentença recorrida errou ao concluir que a derrama estadual não é susceptível de qualquer dedução.

  6. Em primeiro lugar, esse entendimento representa uma violação do disposto nas convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal.

  7. Com efeito, nas situações abrangidas por aquelas convenções não há qualquer dúvida de que Portugal se vinculou perante os outros Estados e perante os contribuintes a, nas situações de dupla tributação jurídica internacional, deduzir o imposto suportado na fonte não só ao IRC, mas também à derrama estadual. É o que resulta da norma relativa aos impostos abrangidos pela convenção (normalmente o artigo 2.º) e da norma relativa ao método para eliminar a dupla tributação (normalmente o artigo 23.º) das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal.

    I. E se é este o entendimento resultante directamente das situações em que existe uma convenção para eliminar a dupla tributação, não se vê porque é que há-de ser diferente nas situações em que não exista convenção, maxime se tomarmos em consideração que a norma que regula sobre o funcionamento do credito de imposto - o artigo 91.° do CIRC - é a mesma, quer haja convenção celebrada com o Estado da fonte, quer não haja.

  8. Em suma, como decorre das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal e do artigo 91.º do Código do IRC, o crédito de imposto por dupla tributação internacional deve poder ser deduzido à colecta da derrama estadual individual de molde a evitar a dupla tributação que resulta de o rendimento obtido e tributado no estrangeiro contribuir também para o lucro tributável da empresa em Portugal sobre o qual recaiu a derrama estadual individual da empresa.

  9. Pelo que mesmo que se considerasse que a sentença recorrida não padecia da invocada nulidade, sofreria de erro de julgamento ao entender não haver que considerar quaisquer deduções à colecta no que respeita à derrama estadual. Na verdade, uma empresa residente em Portugal que tenha suportado imposto sobre o rendimento no estrangeire e não possua colecta de IRC em Portugal (nomeadamente pela existência de prejuízos fiscais) mas possua colecta de derrama estadual, será duplamente tributada no mesmo rendimento se não puder deduzir o imposto pago no estrangeiro, nos termos preceituados no artigo 91.º do Código do IRC, à sua colecta de derrama estadual.

    L. No que respeita à impossibilidade de deduzir o RFAI de algumas sociedades do grupo à colecta da derrama estadual do grupo, a sentença recorrida padece da mesma nulidade que foi acima invocada relativamente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional.

  10. Com efeito, a ora Recorrente não impugnou qualquer suposta ilegalidade resultante da AT não admitir que o RFAI não pudesse ser deduzido à colecta da derrama estadual individual da empresa que apurou esse RFAI, mas apenas a interpretação da AT segundo a qual o RFAI de uma empresa do grupo não podia ser deduzido à colecta da derrama estadual do grupo.

  11. A sentença recorrida neste particular padece também de erro de julgamento pois, como é actualmente reconhecido pela própria Autoridade Tributária, a derrama estadual é IRC e consequentemente ao não admitir a dedução do RFAI de algumas empresas do grupo à colecta da derrama estadual do grupo, a sentença recorrida violou o artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC.

  12. Nas palavras da própria AT «analisando agora a questão da dedução à derrama estadual do valor dos benefícios fiscais referentes ao RFAI e SIFIDE, começa-se por notar que a posição espelhada no Relatório de Inspecção correspondia ao entendimento que na altura a Administração Tributária tinha sobre o assunto. Desde então para cá, tal posição foi alterada em consonância com o entendimento perfilhado quanto à natureza de IRC atribuída à Derrama Estadual e à consequente orientação de que as deduções à colecta previstas no artigo 90.º do Código do IRC devem também levar em linha de conta a derrama estadual. Assim, estando em causa o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, é entendimento da Administração tributária que se deve aplicar o disposto no n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC na sua plenitude, efectuando-se, por conseguinte, as deduções dos benefícios fiscais às colectas de IRC e da derrama estadual relativamente ao grupo».

  13. Relativamente ao segundo tema do presente recurso a decisão recorrida considerou que, no que respeita às sociedades abrangidas pelo RETGS previsto no Código do IRC, a tributação agravada em 10 pontos percentuais aplica-se quando o próprio grupo declare prejuízo fiscal.

  14. Ou seja, mesmo as sociedades do grupo que apurem lucro tributável são abrangidas por esta penalização na medida em que o grupo, no seu todo, registe prejuízo fiscal.

  15. O Tribunal a quo fundamenta a interpretação que preconiza do artigo 88º, n.º 14, do CIRC, na redacção em vigor em 2011, no disposto no número 20 do mesmo artigo, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que estabelece que para efeitos do disposto no número 14 do artigo 88.º, quando seja aplicável o RETGS, o prejuízo fiscal a considerar é o prejuízo fiscal do grupo e, em particular, no artigo 135.º daquela lei que confere carácter interpretativo à regra introduzida no mencionado número 20 do artigo 88.º.

  16. Em primeiro lugar, importa esclarecer que à data a que se reportam os factos - 2011 - é mais do que duvidoso que se possa afirmar que a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, na linha da posição defendida pela AT, fosse uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, desde logo porque a AT apenas publicitou a sua posição em 2012.

  17. Depois porque mesmo que assim se entenda, é manifesto que estamos perante uma situação de retroactividade autêntica e a posição da jurisprudência do Tribunal Constitucional é absolutamente clara e unânime no sentido de que as normas interpretativas em matéria fiscal não são admitidas porque violam o princípio da proibição da retroactividade dos impostos.

  18. Pelo que a decisão recorrida neste particular viola o disposto nos artigos 12.º, n.º 1. da LGT e 103.º, n.º 3. da CRP, devendo, consequentemente, ser anulada.

    V. Caso assim não se entenda, deverá considerar-se que a norma do artigo 88.º, n.º 20. do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, conjugada com a norma do artigo 135.º do mesmo diploma, interpretadas e aplicadas no sentido de, independentemente da respetiva natureza interpretativa, abrangerem no seu âmbito de vigência temporal factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, viola o princípio da proibição da retroactividade previsto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o que desde já se invoca.

  19. A norma que desponta do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, numa interpretação que tome em consideração os elementos gramatical, histórico, teleológico e sistemático, aponta claramente no sentido de que os "sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal” a que se refere o dispositivo são as empresas individualmente consideradas e não o grupo empresarial.

    X. Bem como que os prejuízos fiscais em causa são os prejuízos fiscais apurados individualmente por cada empresa e não os prejuízos fiscais do grupo, como deixámos acima mais detalhadamente demonstrado.

  20. Pelo que, alicerçados numa adequada hermenêutica jurídica, se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT