Acórdão nº 0580/12.8BESNT 0621/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 27-03-2018, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação intentada por A…………, melhor identificada nos autos, relativa ao acto de liquidação do IRS de 2009 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 2.074,00.

Não se conformando, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões: I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferido pelo Douto Tribunal a quo em 27-03-2018, a qual julgou procedente os presentes autos de Impugnação Judicial, intentados por A……………, com o NIF………., contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2009, já devidamente identificados nos autos, no valor de € 2.074,00 (dois mil e setenta e quatro euros).

II - O Douto Tribunal a quo postulou pela procedência dos presentes autos de impugnação judicial em virtude de ter considerado que as publicações, nas quais a Impugnante participou, podem ser consideradas obras de carácter artístico ou literário e, nesta medida, encontram-se abrangidas pelo benefício fiscal constante do n.º 1 do artigo 58.º do EBF.

III - O escopo do benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 58.º do EBF é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, cfr. F. Pinto Fernandes e J. Cardoso Dos Santos, EBF Anotado, Rei dos Livros, pág. 231, através da protecção e incentivo de criações intelectuais no domínio literário, artístico e científico.

IV - A “obra” que se visa tutelar é, portanto, o resultado da criação do espírito humano e, como criação que se exige que seja, tem de se consubstanciar em algo novo, até então inexistente, sendo possível excluir da protecção jurídica tudo aquilo que não preencher os pressupostos sobre os quais o legislador erigiu aquela figura.

V - E tais pressupostos são, desde logo, a criatividade e a individualidade, como marca pessoal do autor directamente conexionada com a criação de algo novo, bem como o mérito, o qual, apesar de aparentemente excluído da construção da figura, face à letra da lei do n.º 1 do artigo 2.º do CDADC, sempre terá se subsistir ligado à necessidade de originalidade e exigência de que a obra não se pode consubstanciar em algo absolutamente banal ou corriqueiro VI - Efectivamente, em face da multiplicidade e diversidade extraordinária que pode assumir a expressão literária e artística, a Lei vai no sentido de afastar do benefício fiscal todos os rendimentos provenientes da propriedade intelectual em que não esteja presente, de forma significativa, a “criação de objectos tendo em vista a experiência estética”, no dizer de C.W. Golsshalk”, cfr. parecer n.º 66/02, elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais, a fls. 42 a 60 do PAT apenso.

VII - Nesta conformidade, para aferir da aplicabilidade ou não do benefício previsto no artigo 58.º do EBF deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem como tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética, ou seja, que não sirvam outra finalidade, pelo menos de modo dominante, como será o caso do romance, poesia, peça de teatro, privilegiando-se, pois, o valor facial da obra, cfr. acórdão do STA de 28-11-2012, proc. n.º 0649/12.

VIII - Tomando como base tal entendimento jurisprudencial, constatamos, através das publicações elaboradas pela Impugnante que apenas se pretende, de alguma forma, ajudar os visitantes a contextualizar e a compreender a actividade museológica, o seu percurso e as ideias subjacentes e a conceptualização dos mesmos.

IX - Concretamente, encontramo-nos perante publicações dirigidas a diferentes grupos etários infanto-juvenis, desenvolvidas no quadro do projecto “museu, espelho meu”, da responsabilidade do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, em parceria com o Instituto dos Museus, destinadas a relatar e transmitir as informações já existentes acerca da actividade museológica, tendo assumido um carácter marcadamente lúdico ou utilitário, por serem destinadas a crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 10 anos.

X - Tal compêndio não foi criado nem apreciado como arte, na medida em que não exprime ideias ou sentimentos humanos, não abarcam questões científicas, filosóficas ou, em geral, doutrinárias, nem tampouco possui o carácter de “criação de objectos tendo em vista a experiência estética”, no dizer de C.W. Golsshalk”, cfr. parecer n.º 66/02, elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais, a fls. 42 a 60 do PAT apenso.

XI - Contrariamente ao que postulou o Douto Tribunal a quo, devemos considerar que o compêndio elaborado pela Impugnante se encontra perfeitamente afastado do conceito de obra literária ou artística, não lhe sendo aplicável o benefício fiscal constante do artigo 58.º do EBF.

XII - In casum, também não ficou demonstrado quanto ao ato tributário impugnado, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma contido no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, consequentemente, é de concluir não assistir à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal.

XIII - O Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, com base numa errada interpretação do conceito de “obra literária ou artística”, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de Direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

Termos em que, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, em consequência, ser revogada a Sentença ora recorrida e substituída por Acórdão que julgue os presentes autos totalmente improcedentes, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! Não foram produzidas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no parecer seguinte: “FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença recorrida proferida no T.A.F. de Sintra, a qual anulou ato de liquidação relativo ao IRS de 2009 de A……… e respetivos juros compensatórios, condenando a F. P. ao pagamento de juros indemnizatórios, e fixando o valor de € 2074,00 (fls. 144), vem interpor recurso com conclusões (fls. 160 a 161), das quais resulta para apreciação as seguintes questões: - se, estando as publicações em causa afastadas do conceito de “obra literária ou artística”, não é de aplicar o benefício fiscal constante do art. 58.º do E.B.F.; - se, não tendo ficado demonstrado “erro imputável aos serviços”, como exige a norma do n.º 1 do art. 43.º do E.B.F., não são de atribuir juros indemnizatórios.

IDo conceito de obra literária ou artística e da aplicação do art. 58.º n.º 1 do E.B.F..

Da matéria de facto consta que a impugnante foi coordenadora e “autora” de publicações no âmbito de um projeto “Museu, espelho meu”, no âmbito do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I. P., em parceria com o Instituto dos Museus e da Conservação, I. P., sendo as mesmas destinadas para servir de instrumento de interpretação de diferentes objetos museológicos e a crianças.

E, para tal, teve de efetuar um trabalho de pesquisa, demonstrando-se reunir itinerários em diversos museus nacionais, bem como obteve a colaboração de terceiros no aspeto gráfico.

Por tal recebeu a quantia de €15400, paga pela sociedade B………… (...) Lda..

Ora, está em causa a aplicação do art 58º n.º 1 do E.B.F. quanto a benefício fiscal em sede de IRS (50% dos dito valor auferido), o que na previsão legal resulta quanto a “propriedade intelectual”, conceito que não é desprovido de dificuldades.

Em primeiro lugar, ter-se-á querido abranger os rendimentos de “obras de caráter literário, artístico e científico”, o que, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (Sobre o IRS, 3ª ed. Almedina, pág. 78.), está regulado pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

Afirma o dito autor que “classicamente, obras protegidas, seriam criações do espírito humano nos domínios literário, artístico e científico. Hoje avultam, em termos de importância económica, outras criações — cuja proteção se procura lograr dentro dos quadros do direito de autor”.

No caso, as ditas publicações são relativas a vários museus e têm o interesse cultural que subjaz à dita norma e porque destinadas a crianças e jovens.

É válido supor serem “obras de divulgação pedagógica” previstas ainda no dito art. 58.º n.º 1, assim se afastando das participações em comentários televisivos, bem como em crónicas em jornal (Acórdãos de 28-11-2012, proc. 0649/12 e de 8-10-2014, proc. 0957/13).

Por outro lado, as ditas publicações não se enquadram nas obras publicitárias previstas ainda no n.º 2 do dito art. 58.º, o qual serve para delimitar o previsto no anterior n.º 1.

E à aplicação do dito conceito não obsta a utilização da dita por terceiros, sendo de presumir o mesmo, nos termos do art. 14. n.º 3 do dito Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, pois não consta que os respetivos rendimentos tenham sido auferidos ao abrigo de contrato de prestação de serviços, o que já serviu para afastar a aplicação do dito benefício fiscal (Acórdão do S.T.A. de 1-10-2014, proc. 01709/13.) IIDa demonstração do “erro imputável aos serviços”, como exige a norma do n.º 1 do art. 43.º da L.G.T. e da atribuição de juros indemnizatórios.

Não há dúvidas que ocorre “erro imputável aos serviços” no caso de existir erro de direito, incluindo sobre os pressupostos, conforme é jurisprudência consolidada do S.T.A. (Acórdão de 17-5-2006, proc. n.º 016/06, a que se seguiram muitos outros).

Assim, são de atribuir juros indemnizatórios...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT