Acórdão nº 00962/19.4BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução16 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A.

veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 01.07.2020, pela qual foi julgada inepta a petição inicial e absolvido da instância o Requerido, Ministério da Educação, na providência cautelar deduzida pelo ora Recorrente contra o ora Recorrido.

Invocou para tanto, no essencial, que o articulado inicial não é inepto e estão verificadas todas as condições legais para o deferimento do pedido.

O Recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. De acordo com o despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo, foi a presente acção cautelar improcedente, atenta a excepção de ineptidão da petição inicial, e, em consequência, determinada a absolvição da instância do Requerido Ministério da Educação.

  1. Certo é que o Recorrente não se pode conformar com o teor de tal decisão e consequente absolvição do Requerido da instância.

  2. Nos autos principais foi requerida providência cautelar em 28.10.2019, providência cautelar nominada, nos termos do artigo 112º, nº 2, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, intimação para adopção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional ou do direito da União Europeia.

  3. Com o aludido processo cautelar, pretendia-se a condenação do Requerido Ministério da Educação, para a prática ou adopção de um comportamento: a elaboração de relatório técnico-pedagógico para a implementação de medidas educativas especiais, de acordo com estatuído nos artigos 21º, n.º 1, e 31.º, n.º 6, ambos do Decreto-Lei n.º 54/2018, atento que o ora Recorrente delas necessita.

  4. Nos autos principais, foi proferido despacho liminar, em 11.11.2019, com o propósito de convidar o Recorrente a extrair do seu requerimento o pedido quanto à inversão do contencioso, em virtude de a pretensão deste não encontrar guarida no disposto no artigo 121.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, desde logo, no que concerne à dispensabilidade da acção principal do regime do Processo Civil e, 6. Portanto, inadmissível tal pedido, nessa parte.

  5. Nada mais, foi ordenado pelo Tribunal a quo.

  6. Em 28 de Abril do corrente ano, face à oposição apresentada pelo Requerido, o Tribunal a quo, proferiu despacho para o Recorrente responder, às excepções alegadamente invocadas.

  7. No entanto, de tal peça processual, não se vislumbra que o Requerido, tenha alegado e formalizado, quaisquer excepções quer de cariz dilatório, quer peremptório, ónus que sobre si impendia.

  8. Aliás, o Requerido, conclui a sua pretensão requerendo a recusa do decretamento da providência cautelar, por não se verificarem os requisitos consagrados, para efeito, do artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  9. Neste particular, o Tribunal a quo errou, ao dar como provado que o Requerido, Ministério da Educação, apresentou defesa por excepção, quando o fez apenas por impugnação.

  10. Igualmente errou o Tribunal a quo, dando como facto provado que o Recorrente já havia sido convidado ao aperfeiçoamento quanto ao pedido que deu origem à presente ineptidão da petição inicial, quando o convite teve o propósito de extrair daquela o pedido quanto à inversão do contencioso.

  11. Tanto que assim o é o Tribunal a quo deixou prosseguir a marcha do presente processo cautelar.

  12. Tendo proferido posteriormente despachos que os inutilizou fatalmente com o despacho saneador-sentença proferido e que criaram demoras irremediáveis no processo em causa.

  13. O relatório técnico pedagógico é elaborado anualmente, de acordo com o n.º 6, do artigo 31º, do Decreto-Lei n.º 54/2018.

  14. Atenta a sua essência e finalidade, o recurso às providências cautelares apenas se afigura justificado quando o Requerente invoque fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, tornando inútil uma eventual sentença favorável, proferida em sede principal, nos termos do disposto no n. º3, do artigo 120º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  15. In casu, o ano lectivo já havia decorrido há mais de dois meses, sem que para tanto tivesse sido elaborado por parte da Entidade Requerida o relatório técnico-pedagógico, que previsse as medidas educativas a vigorar no ano letivo de 2019/2020.

  16. Recorrer à acção judicial comum, isto é, a acção principal, o efeito útil da mesma esfumava-se, visto que a pretensão do Recorrente prendia-se com a elaboração do referido relatório, por parte do Requerido, Ministério da Educação, que implementasse, em tempo útil, as medidas educativas especiais a vigorar durante o ano letivo escolar (para vigorar no período compreendido entre Setembro de 2019 e Julho de 2020).

  17. O Tribunal a quo ao entender, como entendeu e decidiu, pela procedência de uma excepção de cariz dilatório, a ineptidão da petição inicial, erradamente andou, pois que se encontram alegados e fundamentados, na petição inicial, todos os requisitos que depende o decretamento da providência cautelar em causa.

  18. No mais, ao entender o contrário, deveria em tempo útil, proferir despacho, dando efetivo e integral cumprimento ao princípio da gestão processual, para convidar o Recorrente ao aperfeiçoamento da petição inicial, quanto à parte do pedido que entendeu estar deficiente e não, se bastar, pelo cumprimento ao contraditório.

  19. Aqui chegados, verifica-se que a exceção da ineptidão da petição inicial com fundamento em pretensa contradição entre pedido e causa de pedir não é verificável, in casu, impondo-se a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento dos autos.

    * II –Matéria de facto.

  20. Com a data de 11.11.2019 foi emitido o seguinte despacho pelo Tribunal a quo”: “(…) Apesar de os procedimentos cautelares manterem as suas características essenciais verifica-se que a instrumentalidade e a provisoriedade a eles inerente acarretam, em muitas situações, uma duplicação de procedimentos que envolve uma repetição desnecessária de atos e um esbanjamento dos meios reservados à composição do mesmo litígio. Por outras palavras, se até aqui o procedimento cautelar era sempre dependente de uma causa principal, proposta pelo requerente sob pena de caducidade da providência decretada em seu benefício, o novo código de processo civil, apesar de não abandonar por inteiro essa regra (artigo 364.º n.º 1 e artigo 373.º n.º 1 CPC) prevê a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, ser decretada a inversão do contencioso, conduzindo a que a decisão cautelar se possa consolidar como definitiva na composição do litígio. Efetivamente, a estipulação de tal possibilidade tem a vantagem de fazer face aos custos e demoras decorrentes de uma duplicação de procedimentos, sobretudo nos casos em que apesar das menores garantias formais, a decisão cautelar se mostra suficientemente capaz de na prática solucionar adequada e efetivamente o litígio que opunha as partes.

    Pois bem, esta "revolução" no processo civil foi encontrada no contencioso administrativo, pioneira nesta solução processual. Por isso se pode afirmar que a primeira manifestação de convolação da decisão cautelar em decisão final de ação principal se iniciou no artigo 121.º, n.º 1 do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-2, que prescrevia que “…quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adoção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal…”.

    Idêntica solução acabou, mais tarde, por ser plasmada no âmbito do Processo Civil, embora de forma experimental, no artigo 16.º do RPCE, o qual dispõe que “…quando tenham sido trazidos ao procedimento cautelar os elementos necessários à resolução definitiva do caso, o tribunal pode, ouvidas as partes, antecipar o juízo sobre a causa principal…”.

    O revisto artigo 121.º do CPTA manteve a sua ideia central, limando imprecisões motivadoras de dificuldades interpretativas que se pretenderam resolver.

    Nos termos do n.º l deste artigo 121.º citado, a antecipação da decisão sobre o mérito da causa depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos. A revisão de 2015 alterou, no entanto, o preceito, no sentido de flexibilizar o seu conteúdo, tornando menos exigentes os requisitos de que depende a convolação do processo, o que, a nosso ver, resulta desde logo da inversão da própria ordem pela qual eles são apresentados.

    Em todo o caso, a revisão de 2015 não liberalizou a utilização do instituto, rejeitando a solução de fazer depender a convolação apenas, como alguns preconizavam, do requisito de terem sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito:

    1. Em primeiro lugar, é necessário que o tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito. Ou seja, é necessário que estejam reunidas as condições processuais que permitam a convolação, juízo que exigirá a audição das partes, b) Na redação anterior à revisão de 2015, devia haver manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, com a qual não se compadecesse a simples adoção de uma providência cautelar. Foi quanto a este ponto que a revisão de 2015 flexibilizou, de modo evidente, os requisitos de que depende a convolação, passando apenas a exigir que a simplicidade do caso ou a urgência na sua resolução definitiva a...

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