Acórdão nº 625/19.0T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução27 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 10.01.2019, ML intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra S - Futebol, SAD, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia: a) de €680.400,00, a título de responsabilidade contratual por incumprimento da sua prestação; b) de €10.960,96, a título de juros de mora vencidos calculados à taxa legal supletiva desde 16/08/2018 até à presente data (10/01/2019); c) o que vier a ser apurado a título de juros de mora vincendos calculados à taxa legal supletiva desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: Por contrato de trabalho desportivo assinado em Lisboa, aos 03.01.2012, entre a R. e o jogador ZL, este obrigou-se a prestar a sua atividade profissional de futebolista em representação e sob a autoridade e direção daquela.

O A. representou o seu filho, ZL, nas negociações e conclusão do referido contrato de trabalho desportivo.

Na mesma data e local, foi assinado aditamento ao referido contrato de trabalho desportivo entre o A. e a R, no qual esta se comprometeu a pagar àquele uma comissão no valor equivalente a 10% do vencimento anual do jogador ZL, calculada por referência aos vencimentos acordados entre a R. e o jogador, prevendo-se, ainda, o pagamento pela R. ao A. da quantia de €100.000,00, pela assinatura do contrato de trabalho desportivo, quantia que foi paga pela R. em 27.1.2012.

Em 31.08.2016 o jogador e a R. chegaram a acordo e fizeram extinguir o contrato de trabalho desportivo, ficando a R. obrigada perante o A. ao pagamento da quantia de €680.400,00, referente às comissões devidas.

Em 16.8.2018, o A. interpelou a R. para proceder ao pagamento da referida quantia, o que esta não fez até à data.

Citada, contestou a R., por exceção e impugnação, bem como pugnou pela condenação do A. como litigante de má-fé, e terminou pedindo que: 1- Seja declarado inexistente o contrato que (alegadamente) se encontra na base da comissão peticionada, por preterição dos requisitos legais para o exercício de atividade regulada, e a ré absolvida do pedido; Sem prescindir, 2- Seja o mesmo (alegado) contrato declarado nulo por violação de norma legal imperativa, e a R. absolvida do pedido; Sem prescindir, 3- Seja a R. absolvida do pedido, por falta de alegação de quaisquer atos/despesas concretamente realizados pelo A. âmbito de qualquer prestação de serviços; Sem prescindir, 4- Seja a R. absolvida do pedido, por se encontrar prescrita a obrigação alegada; Ainda sem prescindir, 5- Seja a R. absolvida do pedido, dando-se por não provados os factos constitutivos da pretensão do A.; Em todo o caso, 6- Seja o A. condenado no pagamento de multa e indemnização à R. em quantia não inferior a €10.000,00 por litigância de má fé.

Deduziu, ainda, reconvenção, pedindo que o A./reconvindo seja condenado na restituição, à R./reconvinte, do montante de €100.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde citação até efetivo e integral pagamento.

A fundamentar o pedido reconvencional, alegou, em síntese, não estar obrigada a pagar qualquer quantia ao A., por o contrato ser inexistente (uma vez que o A. não comprovou estar registado como empresário desportivo nas respetivas federação desportiva e liga), só poderem os empresários desportivos ser remuneradas pela parte que representam, ter o contrato invocado (e respetiva adenda) sido revogado, tacitamente, pelo contrato celebrado entre a R. e o jogador em 2.7.2012, e revogados, expressamente, este e o anterior, pelo contrato celebrado entre a R. e o jogador em 8.1.2014.

Sendo o contrato inexistente (ou mesmo nulo), devem ser repetidas as prestações realizadas nesse âmbito, estando o A. obrigado a restituir à R. a quantia de €100.000,00 que lhe foi paga.

O A.

replicou, pugnando pela improcedência das exceções invocadas, do pedido reconvencional deduzido, e da condenação como litigante de má fé, e reduziu o pedido para o montante de €419.400,00 (atento o teor do contrato de 8.1.2014 cuja existência disse desconhecer).

Realizou-se audiência prévia, na qual o tribunal facultou às partes a discussão de facto e de direito da causa, nos termos do art. 591º, nº 1, al. b), do CPC, por ponderar proceder ao conhecimento imediato do mérito da causa.

Em 15.04.2020, foi proferida sentença que julgou: 1 - A ação improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido formulado pelo A.; 2 – O pedido reconvencional procedente e, em consequência, condenou o A. a pagar à R. a quantia de €100.000,00 (cem mil Euros), acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, à taxa de juros estabelecida nos termos do artigo 559º do CC; 3 - Improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.

Não se conformando com a decisão, apelou o A.

, formulando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1) Por todo o exposto, entende o Recorrente que a sentença recorrida merece a censura do Venerando Tribunal ad quem, devendo a mesma ser revogada e condenando o Recorrido conforme inicialmente peticionado.

2) Mais devendo o pedido reconvencional ser julgado improcedente, absolvendo-se o Recorrente do mesmo.

3) O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito.

4) O Douto Tribunal A Quo omitiu a aplicação da norma contida no artigo 334º do Código Civil que é de conhecimento oficioso.

5) Com efeito, a Recorrida S – Futebol, SAD e o Recorrente ML, assinaram juntamente com o jogador ZL, o contrato de trabalho desportivo e respetiva adenda que declararam e aceitaram como fazendo parte integrante daquele, em 03/01/2012.

6) Por aquele contrato, redigido e apresentado pela Recorrida, esta conferiu licitude ao negócio e criou uma expectativa fundada na boa-fé do Recorrente de que o negócio estava sujeito às regras desportivas internacionais da FIFA, porquanto acordaram designar como competente para dirimir todos os conflitos emergentes deste contrato, com expressa renúncia de qualquer outro, o foro da Câmara de Resolução de Disputas da FIFA e o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne.

7) Além do mais, o contrato faz uma expressa e particular distinção entre a qualidade em que intervém o Recorrente, que é a de pai e legal representante do jogador, por oposição à qualidade em que interveio o intermediário que representou os interesses da Recorrida que vem referido como Agente licenciado com o nº x.

8) Aliado ao texto que, reitere-se, especificadamente redigiu e apresentou, a Recorrida aceitou pagar e pagou ao Recorrente a quantia de € 100 000 (cem mil Euros) pela intervenção deste na conclusão do negócio e obrigou-se a pagar a este uma comissão equivalente a 10% dos salários anuais do jogador.

9) Perante o texto do contrato com expressa referência ao direito internacional desportivo aplicável, o pagamento do prémio de assinatura de € 100 000 e a obrigação de pagamento de uma comissão, a Recorrida revelou ter total conhecimento de que estava a criar um cenário de confiança para com o Recorrente, convencendo-o da licitude do negócio e assim determinando a sua vontade negocial, propiciando o desfecho final do negócio.

10) Esta postura fez todo o sentido ao Recorrente na medida em que a Recorrida como sócia da Associação de Futebol de Lisboa que, por sua vez, é associada e fundadora da Federação Portuguesa de Futebol que, por sua vez, é membro da UEFA e da FIFA, tomou conhecimento e nunca se opôs à publicação da tradução do Regulamento de Agentes da FIFA de 2008, aceitou a sua aplicabilidade e respetivos efeitos.

11) Sendo aliás, prática comum à época que muitos jogadores eram efetivamente representados por familiares e não por agentes ou empresários desportivos.

12) A conduta não era, pois, contrária aos bons costumes, nem excedia os limites da boa-fé e o direito conferido ao Recorrente mostrava-se legítimo e devido.

13) Com a douta contestação nos presentes autos a Recorrida mostrou uma atuação completamente contrária ao espírito que promoveu na conclusão do negócio, invocando a inaplicabilidade dum regulamento que conhecia, que aceitou e que fez constar no contrato, assim justificando, a omissão do cumprimento das suas obrigações, e forçando o Recorrente a devolver o que devidamente lhe foi pago.

14) Tornando ainda mais clamorosa a injustiça de ver o Recorrente condenado a devolver uma quantia que lícita e devidamente recebeu há oito anos atrás.

15) A Recorrida defraudou a confiança e as legítimas expectativas do Recorrente pelo que estamos perante uma situação de «venire contra factum proprium» que cabe no regime do Abuso de Direito.

16) A Recorrida exerceu ilegitimamente o seu direito contrariando a justa e legítima expectativa do Recorrente violando as regras da boa-fé e a prática dos bons costumes.

17) O Abuso de direito é de conhecimento oficioso andando mal o Doutro Tribunal recorrido ao não punir a conduta da Recorrida, omitindo a aplicação da norma contida no artigo 334º do Código Civil que deveria ter sido aplicada.

18) Por outro lado, o Douto Tribunal interpretou e aplicou incorretamente o disposto no artigo 25º, al. d) do RJFD aprovado pelo Decreto-Lei nº 144/93 de 26 de abril, não tendo conjugado com o disposto nos artigos 3º nº 1, 5º nº 2, 14º e 19º nº 1 da LBAFD aprovada pela Lei nº 5/2007 de 16 de janeiro e com o artigo 2º nº 1, nº 2.1, nº 2.4, nº 2.5, nº 3.1, nº 3.2 e nº 3.3, artigo 7 e artigo 50º nº 27, todos dos Estatutos da FPF.

19) Na verdade, a Meritíssima Juiz a quo aceitou pacificamente que, nos termos do Regulamento de Agentes da FIFA de 2008 (FIFA PAR 2008), o Recorrente era considerado indivíduo isento e, como tal, não sujeito às regras impostas aos agentes e empresários desportivos, designadamente a do licenciamento e registo junto da federação ou associação desportiva nacional.

20) No entanto, entendeu que aquele regulamento desportivo internacional não foi devidamente transposto para o ordenamento legal Português com o que...

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