Acórdão nº 578/18.2T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório C. N.

, intentou a presente acção declarativa comum contra A. C.

, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização não inferior a 30.000,01 €.

Alegou, em síntese, ter o R. escrito um livro, com o título “A. C. - Histórias ...

”, constituído por um conjunto de histórias verídicas sobre a freguesia de ..., concelho de …. Uma dessas histórias, em verso, refere-se ao homicídio do tio da A. pelo pai desta, ocorrido há mais de 33 anos. Por força desse crime, o pai da A., falecido antes da publicação do livro, foi condenado a 19 anos de prisão. Tal facto constituiu um evento traumatizante que obrigou a A. a acompanhamento psiquiátrico, tendo vindo a apresentar melhorias. Contudo, por força da publicação do dito livro, a A. viu-se obrigada a recorrer de novo às consultas de psiquiatria, não tendo conseguido restabelecer o seu estado emocional, físico e mental.

O R. contestou, por impugnação, invocando ter tido a autorização prévia da mãe da A. à publicação do texto sobre o pai desta. Mais invocou a licitude da sua conduta, à luz dos princípios constitucionais da liberdade de expressão e de criação cultural.

Foi proferido despacho saneador.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações do seguinte modo: I. Não pode a recorrente conformar-se com decisão recorrida, quer pelo facto da sentença considerar que não existe qualquer ofensa à honra, bom nome do pai da recorrente e, consequentemente, não se justificar uma compressão à liberdade de expressão, quer por considerar não assistir qualquer direito indemnizatório à A pelo ressarcimento de qualquer dano em nome próprio.

Da ofensa à honra e ao bom nome II. No caso sub judice, veio a ora recorrente alegar uma ofensa à honra e ao bom nome do falecido, ofensa aos seus direitos de personalidade.

  1. E, neste caso, a forma como o Réu relatou o crime constitui uma ofensa ao bom nome e à honra do falecido pai da A. Esta forma de relato do acontecimento influenciou a imagem que os familiares tinham do falecido, principalmente aqueles que não conheciam a história.

  2. Apesar do texto se referir a um acontecimento real, o mesmo está ludibriado de forma a criar medo e terror no leitor.

  3. Mais, o tom de tristeza que o autor do texto descreve no final do poema não pode atenuar a forma como o relatou o crime e a imagem que fez transparecer do “M.”. De facto, com a escrita do texto recordou-se a memória dos intervenientes e do acontecimento: os filhos do “M.” recordaram o acontecimento traumático das suas vidas, que o seu pai matou o tio, relembraram o tempo de prisão do pai; os netos do “M.”, que não sabiam a história, ficaram com uma imagem deturpada do avô.

  4. Como tal, existe no texto, um ataque à pessoa ou ao carácter do pai da A., pela forma como é escrito, que acabou por consubstanciar num ataque à sua família, que não pretendiam recordar o episódio ou que nem o conheciam.

  5. Pelo que, sempre teria o tribunal a quo que concluir pela ofensa à honra, reputação ou bom nome do pai da recorrente.

  6. A forma como o Réu descreve o acontecimento ultrapassa, em larga medida, o direito à informação. Pois, os factos não foram relatados, no livro, de forma adequada e moderada, isto é, extrapolando o necessário à divulgação do homicídio.

  7. Nem se vislumbra qualquer intenção pedagógica na divulgação deste texto e desta forma, pois o pai da A. foi condenado a uma pena de prisão, que cumpriu, o processo crime foi arquivado, não existem qualquer necessidade de prevenção geral ou especial adicional, ou intuito pedagógico da divulgação, depois de 33 anos da data deste crime.

  8. Nem se compreende como considera o tribunal a quo que o relato de um homicídio entre pessoas da mesma família pode ser do interesse público em termos culturais para a história da freguesia de .... Há apenas um aproveitamento deste acontecimento para fins lucrativos (venda do livro).

  9. Pelo que, confirmando-se a existência de uma ofensa à honra e ao bom nome, esta deve ser subordinada ao princípio geral consignado art.º 483, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativamente à culpabilidade.

  10. O que está em causa é a responsabilidade civil do Réu por, através de escrito publicado, ter ofendido direitos de personalidade do falecido. O ato ilícito é a afirmação dos factos capazes de prejudicar o prestígio e o bom nome do autor, pois conhecia a natureza melindrosa dos acontecimentos escritos XIII. Ora, o texto escrito abalou a honra e o prestígio do falecido perante os familiares que não conheciam esta história e o bom nome em que ele era tido no meio social em que viveu.

  11. Concluindo, atendendo à matéria de facto provada, tem forçosamente de se concluir pela ofensa à honra, reputação ou bom nome do pai da recorrente, justificando-se a atribuição de uma indemnização para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela recorrente pela ofensa à honra do seu pai.

    Colisão dos direitos XV. Sucede porém que, devem ser conciliados, na medida do possível, os direitos de informação e livre expressão e criação, por um lado, e à honra e ao bom nome e reputação, por outro.

  12. No confronto desses direitos, o da honra e o da informação/criação, um deles terá de prevalecer, não obstante serem de hierarquia semelhante no enquadramento da colisão de direitos prevista no art.º 335 do CC.

  13. A colisão desses direitos deve, em princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de personalidade. Só assim não será quando, em concreto, concorram circunstâncias suscetíveis de, à luz de bem entendido interesse público, justificar a adequação da solução oposta, sendo sempre ilícito o excesso e exigindo-se o respeito por um princípio, não apenas de verdade, necessidade e adequação, mas também de proporcionalidade ou razoabilidade.

  14. Porém, atendendo ao já expendido, o texto publicado constitui uma ofensa à honra e bom nome do pai da recorrente, não existindo, como já visto, qualquer utilidade pública na sua divulgação, muito menos na forma como foi divulgada. Pelo que, deve ser aplicada, in casu, uma restrição à liberdade de expressão e criação artística e cultural do R.

    Da Legitimidade XIX. Considerando que no texto publicado pelo Réu existe uma ofensa à honra e bom nome do falecido pai da A. e da sua família, e que tal ofensa justifica uma restrição à liberdade de expressão e de criação do Réu, sempre se diga que, a recorrente, filha do ofendido, tem legitimidade para peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais. Vejamos, XX. Da conjugação dos art.º 71º, nº 1 e 70º, nº 2, do CC decorre que pode ser pedida ao lesante, indemnização por danos não patrimoniais por ofensa a pessoa falecida, radicando a legitimidade no cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

  15. A recorrente tem, por isso, legitimidade para peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais, por ofensa à memória do seu pai.

  16. Nestes termos, atendendo aos fundamentos invocados, a sentença recorrida acarreta uma violação da lei substantiva, do previsto no art.º 71.º e também no art.º 484.º do CC, um erro de julgamento na interpretação e subsunção dos factos ao direito aplicável, o que conduz a uma inexacta qualificação jurídica dos factos dados como provados, pois deve considerar-se que há, in casu, uma ofensa à honra e bom nome do falecido pai da A., o que implica uma restrição à liberdade de expressão e de criação do Réu e, consequentemente, tem a A. direito a ser ressarcida pelos danos não patrimoniais que resultam desta ofensa.

    Termos em que, e nos melhores de direito que VV. Exas. doutamente suprirão, deverá ser procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare procedente a pretensão da A.

    A parte contrária apresentou contra-alegações que concluíu do seguinte modo: 1ª – A douta sentença impugnada não violou qualquer norma jurídica.

    1. - As normas jurídicas invocadas na douta sentença, sem erro na sua determinação, mostram-se corretamente aplicadas e interpretadas.

    2. – A douta sentença em mérito deve manter-se inalterada por não se verificar qualquer fundamento que pudesse determinar a sua alteração ou anulação.

      4º - Nenhuma das conclusões formuladas na apelação merece provimento.

    3. – Deverá, consequentemente, manter-se o julgado e a apelação declarada totalmente improcedente.

      II – Objeto do recurso Considerando que: . o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se o escrito do R. constitui uma ofensa à honra do falecido pai da A. ; . se assim se entender, se no confronto com o direito de liberdade de expressão, deve o direito de personalidade prevalecer; . em caso afirmativo, se assiste à A., enquanto filha do falecido retratado no escrito do R., direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da ofensa à honra e ao bom nome do seu pai.

      III – Fundamentação Na primeira instância...

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