Acórdão nº 366/16.0PASNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 366/16.0PASNT.L1.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Em primeira instância, a arguida AA, identificada nos autos, e julgada em tribunal coletivo, no Juízo Central Criminal de ..., da Comarca de ..., no âmbito do processo n.º 366/16.0PASNT, foi condenada, por acórdão de 16.12.2019, nos seguintes termos: «(...) 2) Condena a arguida AA, pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelos artigos 217. °, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; 3) Condena a referida arguida, pela prática de doze crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.º 1, e 218.°, n.°s 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos aludidos crimes; 4) Condena a referida arguida, pela prática de três crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217. °, n.º 1, 218.°, n.°s 1 e 2, alínea b), e 72.º, n.° 2, al. c), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um dos aludidos crimes; 5) Condena a referida arguida, pela prática de cinco crimes de falsificação de documentos simples, p. e p. pelos artigos 256.°, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão por cada um dos aludidos crimes; 6) Procede ao cúmulo jurídico das penas ora aplicadas à referida arguida e condena-a na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) de prisão; 7) Absolve a arguida do demais imputado na acusação pública; 8) Ordena a recolha de amostras de ADN à arguida e a ulterior introdução dos resultantes perfis de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, com finalidades de investigação criminal, nos termos dos artigos 8.°, n.° 2, e 18.°, n.° 3, da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro; (...) B) Julgar os pedidos de indemnização civil totalmente procedentes e, consequentemente: 10) Condena a demandada AA a pagar ao demandante BB a importância global de € 2 000,00 (dois mil euros), a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento; 11) Condena a demandada AA a pagar ao demandante CC a importância global de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais».

2.

Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo nos seguintes termos: «1. A Arguida prestou declarações, confessando os factos; 2. Não se podendo retirar de que o momento escolhido pela Arguida para prestar as suas declarações visava retirar algum aproveitamento por eventual deficiência na prova produzida pela acusação uma vez que havia confessado os factos logo em sede de primeiro interrogatório judicial; 3. Em todo o caso, logo nas primeiras sessões do julgamento, a Arguida deixou claro de que iria prestar declarações e reconhecer os factos que lhe eram imputados (à semelhança do ocorrido no primeiro interrogatório judicial); 4. Tanto assim é que o acórdão recorrido reconheceu, que foi em resultado das suas declarações, que foram considerados provados os factos atinentes à ofendida DD (que não chegou a ser inquirida); 5. A Arguida demonstrou arrependimento profundo pela sua conduta e danos causados aos ofendidos; 6. A prova globalmente produzida não revelou outra realidade significativa da declarada pela Arguida no julgamento; 7. Esta conclusão não é infirmada pelas declarações da Arguida de que, nalgumas das situações, os alojamentos/arrendamentos não se concretizaram por circunstâncias alheias à sua vontade e desejo nomeadamente por alguns inquilinos ainda não terem saído; 8. De resto, todos os ofendidos reconheceram que o alojamento que lhes estava destinado, estava ocupado aquando da visita inicial; 9. Considerando as características do imóvel (permitindo cerca de 20 alojamentos independentes) é perfeitamente razoável pensar-se que, nalgumas das situações, efectivamente os alojamentos não estivessem desocupados ( todos os ofendidos referiram que o alojamento estava ocupado); 10. O próprio acórdão recorrido admite essa conclusão quando afirma “(...) realidade que sabia não corresponder à realidade nalgumas das vezes que negociou arrendamentos.”. (sublinhado nosso) (vide, ponto 1, pág 3); 11. Em todo o caso, mesmo que assim não fosse entendido, as declarações da Arguida não deixaram de ser relevantes porquanto reconheceu ter recebido as verbas dos ofendidos e que não as devolveu integralmente; 12. Não pode a circunstância da Arguida passar por constrangimentos financeiros desde 2014/2015 que pode levar o Tribunal recorrido a firmar a convicção de que a Arguida nunca teve qualquer intenção em concretizar os arrendamentos; 13. Acórdão recorrido faz uma incorrecta avaliação da intervenção da Arguida no processo executivo nº 88/1998, à ordem do qual o referido imóvel foi penhorado uma vez que as penhoras não eram impeditivas de continuar a receber rendas e usufruir do prédio e apenas estaria impedida de receber rendas caso estas tivessem sido objecto de penhora. O que não aconteceu; 14. Para tanto, basta atentar, que à data da adjudicação do imóvel ao credor hipotecário – 16.4.2018 – a Recorrente foi notificada de que “pode sempre a executada proceder à liquidação nos termos do art. 847º do CPC”( vide fls. 1413), ou seja, a Arguida foi informada de que poderia promover a liquidação da dívida, pagando todos os créditos reconhecidos e assim “anular” a adjudicação do imóvel; 15.Existindo essa possibilidade, é precipitado concluir-se, que a Recorrente devido àquelas penhoras estava impedida de arrendar o imóvel e receber rendas (recorde-se que o referido imóvel não chegou a ser apreendido para a massa insolvente).

16. Sendo assim, salvo o devido respeito, precipitada a conclusão do Tribunal recorrido de que “ O bem imóvel dos autos – incluindo as rendas geradas pelos eventuais arrendamentos existentes – encontra-se penhorado desde 7 de Julho de 2010 e a arguida actua como se os credores não existissem e não merecessem a satisfação dos seus direitos de crédito que vieram a ser judicialmente reconhecidos” (sic.).; 17. Tanto mais que a Recorrente se encontrava em negociações com vista à venda do prédio que a concluírem-se com sucesso, levaria a que pudesse liquidar todas os créditos incidentes sobre o imóvel (fls. 1412); 18. Efectivamente o bom senso deveria levar a que a Recorrente deixasse de receber cauções ou celebrar novos contratos a partir da adjudicação do imóvel e, principalmente, após o registo da propriedade a favor do credor hipotecário em 17 de Outubro de 2018; 19. Ora, após o registo da propriedade a favor do credor hipotecário, a Recorrente não celebrou mais nenhum contrato e após a adjudicação havia celebrado cinco contratos (fls. 1418); 20. De facto, seguindo o bom senso, a Recorrente não deveria ter celebrado novos contratos, contudo não poderá ser desconsiderada a sua situação à data dos factos e reconhecida pelo Tribunal: 370. À data dos factos e tendo herdado pela morte dos pais o imóvel (prédio com várias fracções) em ..., junto do Palácio, onde se deu o homicídio da progenitora, decide passar a alugar várias fracções por períodos curtos ou prolongados a diversas pessoas.

371. Embora neste período complicado da sua vida, não vivesse, por motivos económicos com os filhos, ao nível dos afectos é vista como uma mãe atenciosa e diligente para com os filhos referindo sempre como principal preocupação no seu quotidiano o acompanhamento do processo educativo destes.

372. A sua grande preocupação centrava-se na relação e educação dos filhos tentando proporcionar-lhe uma vida sem sobressaltos.

21. Acresce que não se poderá olvidar que todos os contratos celebrados e todas as quantias recebidas foram declaradas à Administração Tributária, vinculando assim a Recorrente a diversas obrigações perante os ofendidos, nomeadamente, concretizando os arrendamentos ou devolvendo as verbas recebidas e daí, de resto, ter sido absolvida pela prática do crime de falsificação de documentos.

22. Pelo que se o seu propósito fosse à partida receber apenas as cauções e rendas, seria obviamente mais fácil, não ter assinado os contratos ou emitido os recibos através da plataforma da Autoridade Tributária.

23. Ao registar os contratos assim como o recebimento daquelas verbas a Recorrente bem sabia de que não se podia “descartar” das correlativas obrigações de proporcionar o alojamento e/ou devolver as verbas recebidas; 24. Ao ter respeitado esta formalidade, a intenção primeira da Recorrente seria cumprir o ajustado com os ofendidos; 25. Contudo se for considerada a responsabilidade da Recorrente, como progenitora de dois filhos e a pressão para lhes garantir um mínimo de bem-estar para compensar os efeitos de uma família desestruturada, a sua conduta seria vista com um olhar mais benigno e desculpável; 26. A Recorrente não demonstrou total indiferença pela situação das vítimas porque se assim fosse, seria mais lógico e compreensível que a Recorrente se “desligasse” dos ofendidos nomeadamente, não atendendo telefonemas, não respondendo a mensagens escritas, etc.; 27. Como está profusamente documentado nos autos (vide, autos de inquérito de fls), a Arguida “deu sempre a cara” e nalguns casos, conseguiu devolver as quantias recebidas embora não integralmente como certamente desejaria (recorde-se que, entretanto, em 15 de Novembro de 2018, foi detida preventivamente); 28. O Tribunal recorrido não valorou a sua confissão e arrependimento nem a pressão e responsabilidade que tina sob os seus ombros, como progenitora e garante do sustento de dois filhos porque, se o tivesse feito, a sua conduta seria merecedora da atenuação especial da pena prevista no art. 72º, nº 2, alíneas b) e c) do CP. no que respeita à prática de todos os crimes em que foi condenada ( burla simples, burla qualificada e falsificação de documentos); 29. Apesar do imóvel ser a...

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