Acórdão nº 00369/20.0BELRA de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução02 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO E., S.A., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 15.07.2020, promanada no âmbito da presente Ação de Contencioso Pré-Contratual por si intentada contra o CENTRO HOSPITALAR DE (...), E.P.E, igualmente identificado nos autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu dos pedidos.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1.° Entendeu o Tribunal recorrido que a decisão de exclusão da autora não é desconforme com o Código dos Contratos Públicos, porquanto considerou que a proposta apresentada não padeceu de lapsus calami.

  1. Por outro lado, o Tribunal recorrido entendeu que a contrainteressada P., LDA não apresentou um plano de trabalhos em língua estrangeira.

  2. Salvo o devido respeito, a ora recorrente discorda de tal decisão.

  3. A recorrida avocou regras (erradas) de interpretação jurídica, esquecendo que aqui são aplicáveis as regras de interpretação e integração previstas no artigo 236.° do Código Civil, referindo que a declaração supra citada do ponto 5.3. tem um caráter geral e que o ponto 5.2. tem um caráter especial.

  4. Bem vista a proposta, só se pode concluir precisamente em sentido inverso: o de que o ponto 5.3 tem um caráter especial face ao 5.2.

  5. Basta verificar que o ponto 5.2. diz respeito à «Coordenação e Acompanhamento do Projeto», estando o erro de escrita no título relativo à reunião sobre infraestruturas e cadastros; enquanto o ponto 5.3 diz precisamente respeito aos «Elementos a Fornecer ao Cliente após Estudo Prévio», referindo-se no mesmo que o referido estudo geológico/geotécnico, ensaios e respetivo relatório é, consequentemente, fornecido ao cliente - sendo que este «cliente» é a própria entidade administrativa.

  6. Nos termos do artigo 236.° do Código Civil, a declaração vale no sentido que o declaratório normal, colocado na posição da recorrida, possa deduzir do comportamento da recorrente.

  7. Isto é, se no meio de uma parte da proposta a recorrente referiu que o relatório era apresentado pela recorrida e, numa parte específica da proposta, referiu expressamente que o relatório era fornecido por si ao CENTRO HOSPITALAR DE (...), E.P.E., então tem de se concluir que houve um lapso de escrita.

  8. A recorrente disse algo numa parte genérica e o seu contrário, numa parte específica da sua declaração - há, assim, um lapso ostensivo, nos termos e para os efeitos do artigo 246.° do Código Civil; lapso este que foi retificado no exercício do direito de audição.

  9. ° Ainda que o CENTRO HOSPITALAR DE (...), E.P.E. tivesse dúvidas sobre o sentido da declaração, deveria, alternativamente: solicitar o suprimento da irregularidade em causa, nos termos do artigo 72.°, número 3 do Código dos Contratos Públicos; ou proceder oficiosamente à retificação do erro de escrita, atenda a manifesta evidência, ao abrigo do artigo 72.°, número 3 do Código dos Contratos Públicos.

  10. ° A declaração foi séria, com o propósito de ser cumprida, firme, sem cláusulas restritivas ou excecionais, e concreta, sem conteúdo indeterminado.

  11. ° Se o erro manifesto de escrita não tornou a declaração ou proposta menos séria, menos firme e menos concreta, então não há qualquer motivo que possa levar à exclusão da mesma, atendo o princípio da imparcialidade, da proporcionalidade e da legalidade.

  12. ° Por manifesto lapso, a recorrente previu a contagem do prazo de 15 dias para apresentação do estudo prévio com início a 20 de março.

  13. ° Porém, o que é relevante é que efetivamente o prazo de 15 dias imposto no caderno de encargos foi respeitado.

  14. ° Aliás, um entendimento em sentido inverso tem como consequência uma sanção de exclusão que é in casu manifestamente desproporcionada.

  15. ° Até porque o programa do procedimento não previu expressamente sal sanção de exclusão.

  16. ° Por outro lado, só a relevância daquele lapso de escrita, corrigindo-se o início do prazo, do dia 20 de março para o dia da data da assinatura, respeita e cumpre o princípio do aproveitamento dos atos jurídicos.

  17. ° É que o que é verdadeiramente relevante - o conteúdo e o objeto do contrato - não deixam de ser respeitados, apesar daquele lapso de escrita.

  18. ° Nestes termos, é a decisão de exclusão manifestamente ilegal, o que se invoca para os devidos efeitos.

  19. ° A contrainteressada P., LDA devia ter sido excluída do procedimento concursal na medida em que a sua proposta apresentou irregularidades formais insanáveis, nos termos e para os efeitos do artigo 146.°, número 2 do Código dos Contratos Públicos.

  20. ° Analisada a proposta apresentada pela P., LDA verifica-se que a mesma colocou os seus planos de trabalhos em idioma estrangeiro - e não só quatro palavras, como é expresso na douta sentença.

  21. ° De facto, a duração das respetivas tarefas, assim como as respetivas calendarizações, e as próprias tarefas estão em idioma que não o português, violando frontalmente o artigo 58.°, número 1 do Código dos Contratos Públicos.

  22. ° Estando-se aqui perante uma irregularidade formal por desrespeito das exigências relativas ao idioma, a proposta da P., LDA. deveria ter sido excluída.

  23. ° A contrainteressada E-., S.A. não indicou o caminho crítico no seu plano de trabalhos, estando a isso obrigada.

  24. ° Analisado o plano de trabalhos, verifica-se que a palavra caminho crítico não surge no respetivo planeamento.

  25. ° Estando-se aqui perante uma irregularidade formal por desrespeito das exigências relativas ao idioma, a proposta da E-., S.A. deveria ter sido excluída, o que se requer, nos termos do artigo 146.°, número 2 do Código dos Contratos Públicos (…)”.

*Notificados que foram para o efeito, o Recorrido CENTRO HOSPITALAR DE (...), E.P.E, e a Contrainteressada P. Lda., apresentaram contra-alegações, ambas defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu o parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acordão, incorreu em erro[s] de julgamento de direito.

Assim sendo, estas serão as questões a apreciar e decidir.

* *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…) 1.

Foi promovido um concurso pelo CENTRO HOSPITALAR DE (...) E.P.E. para a “CONCESSÃO DA EXPLORAÇÃO DOS ESTACIONAMENTOS DO HOSPITAL DE (...)”.

- Cfr. p. 1335 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

  1. Consta do “Programa de Concurso” referente ao procedimento referido em 1., entre o mais, o seguinte: " (...) 7 - DOCUMENTOS QUE CONSTITUEM A PROPOSTA 7.1- Nos termos do disposto no artigo 57º. e no nº. 4 do artigo 60º. do CCP, a proposta terá que ser constituída pelos seguintes documentos, redigidos em língua portuguesa, sem emendas ou rasuras:

    1. Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o Anexo I do presente Programa do Concurso; b) Documento onde conste a proposta do valor da renda mensal a pagar ao CHL, E.P.E., expressa em euros, em algarismos e por extenso com um máximo de 2 casas decimais, com exclusão do IVA, que será revista anualmente de acordo com o número 2 da Cláusula 23ª da Parte I do Caderno de Encargos; c) Documento onde conste os tarifários a aplicar, expressa em euros, em algarismos e por extenso com um máximo de 2 casas decimais, incluindo o IVA, conforme descrição constante no número 1 da Cláusula 24ª da Parte I do Caderno de Encargos; d) Documento com a designação “Proposta de Concessão” apto a verificar as condições expressas no Anexo II do Programa de Concurso; 7.2 - Quaisquer outros documentos que o concorrente considere indispensáveis para os efeitos do disposto na parte final da alínea b) do nº. 1 do artigo 57º do CCP.

      (…) 12 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO 12.1- A adjudicação será feita à proposta economicamente mais vantajosa, aplicando-se o Regulamento de Avaliação das Propostas incluído no Anexo III do presente Programa de Concurso, considerando os seguintes critérios:

    2. Tarifário (70%) - avaliação do valor proposto para a tarifa a praticar; b) Programa de Trabalhos da Concessão (15%) - em que se avaliará: a metodologia de operação proposta quanto à programação dos trabalhos para executar as alterações necessárias à implementação da concessão, nomeadamente a execução das obras para implantação da concessão e a elaboração dos respetivos projetos, incluindo o Silo de Estacionamento, instalação de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT