Acórdão nº 53/20.5BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | CATARINA VASCONCELOS |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório: A Federação Portuguesa de Futebol, nos termos dos art.ºs 8º, n.ºs 1, 2 e 5 da LTAD, interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 27 de março de 2020 que anulou a decisão proferida pela Secção Profissional do seu Conselho de Disciplina, em 5 de novembro de 2019, no âmbito do processo disciplinar nº 23-1/20, nos termos do qual o S….., SAD havia sido condenado numa sanção de multa no valor de €40.800,00 pela prática de uma infração disciplinar p.p pelo artigo 112º, nºs 1, 3 e 4 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
Formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 27 de março de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º …..
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Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular as sanções de suspensão e multa aplicadas pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.
9 …..
, que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 112.
9, n.
9 1, todos do RD da LPFP.
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O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
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Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
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A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
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Assim, quando analisado o artigo 112.
9 do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
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Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrida tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
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A Recorrida tem, designadamente, o dever de "usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo" (artigo 35.
9, n.
9 1 alínea h) do RD da LPFP); de "zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)" (artigo 35.
9, n.
9 1 alínea h) do RD da LPFP).
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Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
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Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc.
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Com efeito, para que o Recorrido seja condenado pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.º, n.º 1, ambos do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
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Ao contrário daquilo que entende o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
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Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
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Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
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O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das declarações produzidas e difundidas pela Recorrida em órgão de comunicação social de sua propriedade, não têm qualquer relevância disciplinar pois não configuram uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
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E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
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Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.
9 e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.
9 n.
9 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
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A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 112.
9 do RD da LPFP) é, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
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Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
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A Recorrida sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
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Com efeito ao contrário do que entendeu o tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações da Recorrida não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outro competidor; 22. Para além de imputar a tais equipas de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
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Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica da Recorrida à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
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Não se nega que expressões como a usada pela Recorrida são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular.
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Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros são intencionais. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.
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O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão.
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O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
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Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo do artigo 112.º, nº 1, ambos do Regulamento Disciplinar da LPFP.” A Recorrida contra-alegou e pediu a ampliação do objeto do recurso, nos termos previstos no art.º 636º do CPC.
Concluiu do seguinte modo: 1. Não assiste qualquer razão à Recorrente no Recurso por si interposto.
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A Recorrida agiu ao abrigo e dentro das margens do exercício da liberdade de expressão.
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A Recorrente confunde conceitos jurídicos com vista a legitimar um interesse superior que lhe permita punir a seu bel prazer.
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A conduta punitiva da Recorrente corresponde a uma verdadeira censura do pensamento.
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Foi a imprensa quem primeiro chamou à colação os factos em causa nos Autos, sendo legítimo à Recorrida que sobre eles tenha uma opinião e, bem assim, que a exprima.
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A Recorrente pretende criar um estado de polícia, em que controla tudo e todos e apenas se admitem opiniões concordantes, nomeadamente, sobre as suas próprias condutas.
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Os Árbitros e a própria Recorrente não são imunes ao...
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