Acórdão nº 15/20.2BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO W.........., Lda, (W....) intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal acção de contencioso pré-contratual contra a Vice-Presidência do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, indicando como contra-interessadas D.........., Lda (D..........) e P.........., S.A (P..........).
A A. peticionava, a título principal para que: “i) O procedimento ser anulado com fundamento no vício supra invocado constante no Caderno de Encargos quanto à exigência de a base de dados a ser fornecida pelo adjudicatário estar certificada por uma norma inexistente; Subsidiariamente, ii) O procedimento ser anulado pelo vício constante no Modelo do Avaliação, tornando este ilegal; ou b - a título subsidiário, i) A proposta da Contra interessada D.......... deve ser excluída com base nos fundamentos supra invocados; ou ii)- A proposta da Autora não deve ser excluída do procedimento com base no fundamento supra mencionado”.
Por Acórdão do TAF do Funchal a acção foi julgada procedente e anulou-se a decisão de adjudicação da proposta apresentada pela D.........., contida no despacho do Vice-Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira, datado de 05/12/2019 e proferido no âmbito do concurso público para a “Aquisição de serviços de acesso a base de dados e conteúdos jurídicos para vários organismos do Governo Regional”.
A D.......... interpôs recurso desta decisão do TAF do Funchal. Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1 - A decisão vigente não resiste, nem por um segundo, ao confronto com uma inversão das posições relativas das partes, no caso, de a recorrente lhe ver adjudicada a proposta realizada pelo procurador com os poderes constantes da procuração aqui apreciada, e, após, vir usar a interpretação sufragada na decisão recorrida para se furtar à sua vinculação, isto é, alegando a insuficiência de poderes do procurador para a vincular, o que a acontecer em juízo, a colocaria em meritória candidata à condenação como litigante de má-fé. O raciocínio exposto evidencia a inadequação da decisão vigente.
1.1 - Mostra-se violado o n.° 4, do art. 57.°, do Código dos Contratos Públicos, o qual não impõe e nem sequer permite a total falta de senso comum, quiçá mesmo a acefalia como forma de interpretação e a redundância como forma de expressão escrita, frontalmente contra o que dispõe o n.° 3, do art. 9.°, do Código Civil, que resultaria da manutenção da interpretação por ora vigente, sendo a correcta, ditada pelas regras da hermenêutica e das normas de bom senso, sobretudo quando, como é o caso, o resultado que a norma pretende evitar há muito se encontra esconjurado, a de que a procuração vincula eficaz e plenamente a recorrente, em todas as fases da negociação do contrato final, subscritas pelo procurador.
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- Não é, salvo o devido respeito e melhor opinião, aceitável a cisão, que reputamos de absolutamente artificial, anómala, face à dinâmica do contrato, e, naturalmente, ao que da procuração emitida pela recorrente se alcança, atrevemo-nos a dizer com clareza, feita entre os poderes ali concedidos para a fase "de negociação pré-adjudicatória do procedimento e (...) preparatória da própria proposta em si mesma" e os poderes para vincular legalmente a sociedade mandante num procedimento pré-contratual", quando expressamente se lhe segue, no mesmíssimo documento, logo abaixo, aliás, com alguma assumida dose de redundância, a conferência de poderes ao mandatário para outorgar os contratos emergentes da tais negociações, "sejam a celebrar por instrumento público ou não e quer se tratem entidades públicas, quer privadas, independentemente do valor do contrato e do seu tempo de duração;".
3 - Bem ao invés, o que decorre da procuração mencionada na anterior conclusão, é, precisamente como dizíamos na contestação oportunamente apresentada, ter o gerente da recorrente concedido ao mandatário, em conjunto, num todo coerente em que as diversas fases se integram e se complementam, poderes para negociar e enviar propostas contratuais, o que naturalmente inclui, além de os de enviar expressos, os de receber e responder às propostas que resultem dessas negociações e para outorgar o contrato que materialize o resultado das mesmas, devendo, pois e por isso, tais poderes serem interpretados conjuntamente, e, sobretudo, logica e sequencialmente, de acordo com os poderes precedentes e subsequentes, em ordem ao fim visado que é, afigura-se-nos indiscutível, a concretização do contrato a celebrar entre a mandante e a entidade que recebe os serviços por aquela prestados, nas condições acertadas.
3.1 - Mostram-se violadas as regras da hermenêutica negocial que decorrem dos art./s 236.° a 238.° do C.Civil, as quais impunham a interpretação da procuração como sustentado no corpo desta conclusão, decorrendo de tal interpretação, de acordo com o princípio da eficácia da declaração negocial, emergente do disposto no art. 224.°, do C.Civil, em conjugação com os "efeitos da representação", consignados no art. 258.°, do mesmo diploma legal, ser a procuração emitida pela recorrente plenamente válida e eficaz, não só para praticar todos os actos aqui postos em causa, como para neles obrigar plena e inquestionavelmente a mandante, produzindo, pois e por isso, todos os efeitos a que se destinava.
4 - A decisão vigente assenta em argumentos de mera forma, pretendendo fazer da forma, nos dias de hoje, um fim em si, repudiando a ordem jurídica no seu todo, mormente as pertinentes regras da hermenêutica da declaração negociai, onde indiscutivelmente se integra o mandato.
4.1 - A interpretação do n.° 4 do art. 57.°, com as consequências prescritas nas al./s d) e), do n.° 2, do art. 146.° do Código dos Contratos Públicos, levada a cabo na decisão vigente, é inconstitucional, por trair o princípio da confiança dos cidadãos no funcionamento das instituições e das regras estabelecidas na ordem jurídica, transformando o processo, obrigatoriamente equitativo, em iníquo, violando, por isso, os artigos 1.°, 2.°, 20.°, n.° 4, 202.°, n.° 1, 204.° - que impede o tribunal de sancionar tal interpretação - da Constituição da República Portuguesa e n.° 1, do art. 6.°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ex vi do art. 8.° daquele diploma fundamental”.
A Recorrido W.... nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A) Na posição de um declaratário normal, não era possível apreender do texto da procuração que foram conferidos poderes para assinar propostas de contratos e vincular a sociedade mandante; B) Mesmo através de uma interpretação extensiva através das regras previstas no Código Civil não é possível depreender que o mandatário detinha poderes para vincular a sociedade mandante.
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Caso fosse essa a vontade da Recorrente constaria essa mesma menção expressa na procuração.
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A procuração outorgada pela Recorrente não confere poderes ao Sr. L.... para vincular a sociedade, nomeadamente, assinar propostas em procedimentos de contratação pública; E) Pelo que a proposta da Recorrente viola o disposto no n.°4 do artigo 57.° do CCP, o que deve acarretar a exclusão da mesma nos termos do disposto na alínea e) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP; F) Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na conjugação do n.4 do artigo 57.° com a cominação prevista nas alíneas d) e e) do n.2 do artigo 146." do CCP, mas sim a proteção da ordem jurídica e comprometimento dos concorrentes com o conteúdo das suas propostas.
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Não existe qualquer violação do princípio da confiança na decisão tomada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, mas sim uma decisão tomada com base na legislação concretamente aplicável que a Recorrente conhece ou não pode desconhecer.
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A Recorrida não atua de Má-Fé nos presentes autos, mas apenas recorreu aos tribunais para fazer valer os seus legítimos direitos e interesses” O DMMP não apresentou pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm: A) Em 17/09/2019, por despacho do Vice-Presidente do Governo Regional da...
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