Acórdão nº 1676/14.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA VASCONCELOS
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I – Relatório: O Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 9º e seguintes da Lei nº37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), na redação introduzida pela Lei nº 25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº322-A/2001, de 14 de Dezembro (na redação dada pelo Decreto-Lei nº194/2003, de 23 de Agosto), pela Lei Orgânica nº1/2004, de 15 de Janeiro e pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de Abril, e artigos 56º e seguintes do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL nº237-A/2006, de 14 de Dezembro), intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra M….., casado, residente em ….., Dubai, Emirados Árabes Unidos, peticionando que se ordene o arquivamento do processo conducente ao registo de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo Réu, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, por falta de prova de ligação efetiva à comunidade nacional (art.9º, alínea a) da Lei da Nacionalidade e artigos 56º e segs. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).

Por sentença de 4 de novembro de 2019 foi a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Réu julgada procedente e, em consequência, foi ordenado o arquivamento do processo conducente a esse registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

O R., inconformado, recorreu de tal decisão, formulando as seguintes conclusões: I.O Facto nº 12 deve ser eliminado da matéria assente, pois, além de ter sido especificadamente impugnado, nenhuma prova foi produzida sobre o mesmo.

  1. A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente requerida a 12/07/2018, na sequência da entrada em vigor da alteração à lei da nacionalidade introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2018 de 05/07, que proibiu a oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa sempre que o casal tenha filhos portugueses, o que é o caso do recorrente.

  2. O Tribunal a quo considerou no âmbito da sua fundamentação de facto (pág. 7) que o R.

    não contestou a presente ação, o que comprovadamente não corresponde à verdade, mas demonstra bem como o Tribunal a quo desconsiderou toda a defesa apresentada pelo ora recorrente, omitindo também aqui pronunciar-se sobre as exceções alegadas na referida contestação. A sentença recorrida é, pois, igualmente nula por omissão de pronuncia sobre a matéria alegada pelo recorrente na contestação.

  3. Não há qualquer fundamento, nem de facto nem de direito, que justifique a solução jurídica adotada na douta sentença recorrida.

  4. Um dos objetivos da reforma da Lei da Nacionalidade de 2006 foi a alteração do procedimento de oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artº 9 da referida lei, que passou a caber ao Ministério Público, aproximando-se, desse modo, ao disposto na Convenção Europeia sobre a Nacionalidade.

  5. Neste sentido tem alinhado a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Sul e do Supremo Tribunal Administrativo que resolveu definitivamente a questão por acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2016, que a sentença ora em crise expressamente ofende.

  6. As posições sustentadas pelo recorrido na sua p.i. e pelo Tribunal a quo na sentença recorrida ignoram por completo os pressupostos da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, nomeadamente no que diz respeito ao ónus da prova da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional e ofendem o supra citado acórdão uniformizador do Supremo Tribunal Administrativo.

  7. A interpretação e conclusões sufragadas pelo Tribunal a quo não se coadunam minimamente com o espírito da lei ou a vontade do legislador.

  8. Da leitura da p.i. e da vista aos documentos que a acompanham, verifica-se que não foram apresentados ao recorrido quaisquer factos que pudessem servir de fundamento à ação, mas meras suposições do Conservador dos Registos Centrais sobre a declaração do ora recorrente.

  9. Da leitura da sentença recorrida mostra o Tribunal a quo pretender – ainda que indiretamente – que continuem a aplicar-se os dispositivos revogados, como se a profunda reforma legislativa da Lei da Nacionalidade não tivesse existido ou como se os novos normativos se tivessem como não escritos, exigindo-se do recorrente – embora tenha construído um verdadeiro flic-flac lógico argumentativo de forma a tentar justificar a sua decisão com a alegada prova produzida pelo recorrido – a produção de prova da ligação à comunidade nacional nos precisos termos em que a mesma era exigida pela lei anterior.

  10. A oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por cônjuge de cidadão português não pode emergir de simples extrapolações das certidões de registo ou de outros dados do processo, devendo assentar em factos que permitam a conclusão da inexistência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, o que não se verificou no caso concreto XII. Do que se trata não é de verificar a existência de tal ligação efetiva, declarada pelo requerente, mas de infirmar essa declaração, com a apresentação de factos que a ponham em crise e de provar que a ligação efetiva à comunidade nacional é inexistente.

  11. Nada nos autos permite concluir que o recorrente não tem uma ligação efetiva – e muito forte – à comunidade portuguesa.

  12. A sentença recorrida, procede a uma autêntica inversão de valores, com manifesta violação da lei, ao afirmar que os factos que derivam de certidões e do impresso apresentado aquando do pedido de aquisição da nacionalidade não evidenciam um sentimento de pertença à comunidade portuguesa. Não evidenciam isso nem o contrário.

  13. Os factos dados como provados são factos que resultam apenas do conteúdo dos documentos registrais, dos quais não podem extrair nenhumas outras conclusões para além daquelas que os registos permitem.

  14. Nada alegou e provou o Ministério Público que possa pôr em causa a declaração séria feita pelo recorrente, em que se afirma, usando o referido impresso, que tem uma ligação efetiva à comunidade nacional.

  15. No caso vertente, tem especial relevância a norma do art. 67º da Constituição, que estabelece que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

  16. A aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, tanto pelo casamento ou união de facto, como por adoção ou ainda no que se refere aos filhos menores dos que adquiram a nacionalidade portuguesa, tem como justificação essencial o princípio da unidade familiar.

  17. A proteção do referido princípio da unidade familiar foi expressamente reforçada pela reforma da lei da nacionalidade introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2018 de 5/7 que proibiu a oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa.

  18. O recorrente e a sua mulher são casados desde 27/01/1991 e têm dois filhos portugueses, conforme foi julgado provado nos autos (vide art. 11º da petição inicial e fls. 26 e 27 da certidão do processo de aquisição de nacionalidade número …..

    , junta pelo recorrido com a petição inicial).

  19. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 3º nº 1 e 9º nº 1 al. a) da Lei da Nacionalidade e 56º nº 2 al. a) e 57º nº 1, nº 3 e nº 8 do Regulamento da Nacionalidade.

  20. A entrada em vigor da norma supra citada veio tornar clara a inviabilidade da presente lide, reforçando o princípio constitucionalmente protegido da unidade familiar.

  21. Após a entrada em vigor da Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05/07, deixa de ser possível ao Ministério Público opor-se à aquisição da nacionalidade com fundamento no disposto no art. 9º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 37/81, de 03/10, quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa.

  22. Assim, desde essa data, o fundamento utilizado pelo recorrido para sustentar a oposição deixou de poder sustentar o pedido formulado no âmbito dos presentes autos.

  23. Logo, também por esta razão a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 3º nº 1 e 9º nº 1 al. a) e nº 2 da Lei da Nacionalidade Portuguesa na sua redação atual, 56º nº 2 al. a) 46/ 46 e 57º nº 1, nº 3 e nº 8 do Regulamento da Nacionalidade e 611º nº 1 do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA.

  24. Pelo exposto, e porque não há qualquer fundamento, nem de facto nem de direito, que justifique a solução jurídica adotada na douta sentença recorrida, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade do recorrente.

    O A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

    O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

    II – Objeto do recurso: Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir as seguintes questões: a) nulidade decorrente de omissões de pronúncia: - relativamente ao requerimento de extinção da instância por inutilidade superveniente; - relativamente às questões suscitadas na contestação, designadamente a exceção decorrente da ineptidão da petição inicial; b) erro de julgamento: -matéria de facto: inexistência de prova quanto à factualidade vertida em 12.

    - matéria de direito: violação dos arts. 3º nº 1 e 9º nº 1 al. a) da Lei da Nacionalidade e 56º nº 2 al. a) e 57º nº 1, nº 3 e nº 8 do Regulamento da Nacionalidade e 611º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

    III – Fundamentação De Facto: Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade: 1. O Réu é natural de Bombaim, Índia, onde nasceu em 17.09.1963 (cfr. extracto do registo de nascimento a fls.8-9...

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