Acórdão nº 1942/18.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório Fábrica da Igreja Paroquial de X, com sede na Rua …, freguesia de X, concelho ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M. O., J. O. e J. A.
, todos residentes no Lugar de ..., freguesia de X, concelho ..., pedindo que:
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Se declare que a autora é legítima proprietária do prédio rústico, composto de terreno de cultura arvense de regadio, sito no lugar de ..., freguesia de X, concelho ..., descrito na C.R. Predial ... sob o nº .../X e inscrito na matriz sob o art. ...º; b) Os réus sejam condenados a restituir à autora, livre de pessoas e bens, o supra referido prédio, devendo os réus retirar todas as plantações realizadas no mesmo.
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Os réus sejam condenados a abster-se de praticar qualquer acto que ofenda ou perturbe o direito de propriedade da autora sobre o prédio em causa.
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Os réus sejam condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento do vertido em b) e c).
Para tanto alega, em síntese, que é legítima dona e proprietária do prédio que identifica e que adquiriu por doação do anterior proprietário, antecessor dos réus. De qualquer modo, há mais de 20 anos que, por si e pelos seus antecessores, exerce actos de posse de forma púbica, pacífica, sem oposição de ninguém e na convicção de que exerce um direito próprio pelo que sempre teria adquirido o direito de propriedade sobre o referido prédio por usucapião.
Os réus vêm ocupando o prédio da autora, sem o seu consentimento e autorização, efectuando nele uma plantação de ervas aromáticas. Os réus, com a sua conduta, não permitem que a vontade do doador – utilização do prédio em apreço em benefício da freguesia – seja cumprida.
A autora por diversas vezes solicitou a restituição do prédio, mas até à data os réus não deram cumprimento a tais interpelações, mantendo todas as plantações realizadas. Assim sendo, violam o direito de propriedade da autora, sendo que a autora não está na disposição de permitir que os réus continuem a ocupar o prédio.
*Os réus contestaram dizendo o seguinte: Aceitam que, por escritura de justificação e doação, o seu tio avô doou à autora o prédio em questão, tal como aceitam que têm ocupado o referido prédio com uma plantação de ervas aromáticas. A parcela de terreno doada por A. F. à autora fazia parte de um terreno maior de que era proprietário e que o doador tinha adquirido por escritura de habilitação, partilha, doação e partilha em vida dos seus pais, com 25.000 m2, prédio este inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial, sendo que o mesmo sempre foi por si agricultado como um todo único.
Para fazer a doação do terreno à autora havia dois impedimentos legais: a área a doar integrava a RAN e a REN pelo que violava a lei do fraccionamento da propriedade rústica e não podia constar das confrontações que a parcela a doar confrontava com uma propriedade rústica do doador pelo que viola a lei do emparcelamento da propriedade rústica.
Assim, para contornar tais impedimentos, o doador, com conhecimento da autora, participou às Finanças a existência do prédio com 1020 m2, omisso na matriz, a confrontar a norte com caminho vicinal, do sul e nascente com M. C. (sua mulher) e do poente com a igreja, criando novo artigo rústico – ...
/X - e declarou ainda que terreno doado não estava descrito no registo predial, o que não correspondia à verdade. Assim, as declarações prestadas na escritura de justificação e doação – participação à matriz, declaração que não estava descrito no registo, que lhe foi doada verbalmente e a confrontação com a sua mulher - são falsas e tiveram por objectivo defraudar a lei pelo que a participação matricial e a escritura são nulas por violação de normas de interesse e ordem pública, de natureza imperativa e conhecimento oficioso.
Acresce que o doador sempre disse às pessoas que lhe são próximas que não queria morrer sem ver a obra feita e que a autora tinha o prazo máximo para a fazer até 3 anos depois da sua morte.
Por outro lado, a parcela sempre se manteve na posse do doador e depois da sua morte, na posse dos seus herdeiros, os aqui réus, que sempre a cultivaram como um todo único, o que se ficou a dever ao facto de ter sido acordado com a autora que a posse da parcela só seria transferida para a autora se e quando fosse aprovado o projecto e iniciada a construção da obra, o que sempre deveria acontecer no prazo de 3 anos após o seu falecimento. Porém, decorridos 14 anos, não há ainda projecto aprovado na Câmara Municipal uma vez que a obra não é autorizada porque o prédio se encontra em zona de RAN e REN.
O primeiro réu, no âmbito da revisão do PDM, solicitou à Câmara Municipal que o terreno doado fosse incluído em zona de construção, o que não obteve o provimento do Município, do que deram conhecimento à autora.
Constou na freguesia que a autora pretende construir no local um parque de estacionamento, tendo a autora recentemente pedido a entrega do prédio aos réus. Os réus, face à pressão, ponderaram fazer a entrega, mas fizeram exigências que a autora não aceitou, mas não obstante os réus nomearam um topógrafo que mediu e delimitou a parcela.
Os réus terminam pedindo que a acção seja julgada improcedente e não provada e que se declare oficiosamente: 1 - A nulidade do ato da participação matricial que deu origem à criação do art.
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da matriz rústica de X; 2 – A nulidade da escritura de justificação e doação, por dupla fraude às leis: do fraccionamento e do emparcelamento da propriedade rústica (institutos de natureza imperativa, de interesse e ordem pública).
3 – A nulidade da doação por impossibilidade legal do objecto da cláusula modal ou condição resolutiva do negócio jurídico.
4 – Subsidiariamente, impugnada a justificação notarial por usucapião, irrelevando-se a presunção registral da mesma.
5 – O cancelamento na C.R.P. de … da descrição n.º ...
de X e a sua inscrição a favor da autora e eventuais inscrições posteriores.
6 - A absolvição dos réus do pedido, com as demais consequências legais.
*A autora pronunciou-se quanto aos documentos juntos e invocou a ilegibilidade de alguns. Mais alegou que os réus, depois da propositura da acção, comunicaram à autora que tinham limpo o prédio e que consideravam o mesmo entregue, pelo que reconheceram o direito de propriedade da autora e ao apresentarem a contestação, estão a litigar em abuso do direito.
Termina pedindo que os réus sejam condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a favor da autora, em quantia que deverá ser fixada em montante não inferior a €.5.000,00.
*Os réus, notificados de tal requerimento, vieram juntar os documentos ilegíveis e incompletos e vieram opor-se à junção dos documentos apresentados pela autora pugnando pela extemporaneidade dos mesmos, com o consequente desentranhamento. Responderam ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Os réus vieram juntar mais documentos que foram impugnados pela autora.
*O tribunal proferiu despacho determinando a notificação dos réus para, em 10 dias, esclarecerem se pretendiam, ou não, deduzir reconvenção quanto aos pedidos que formulam na contestação e notificou a autora para esclarecer o valor atribuído à acção.
A autora veio responder que o valor atribuído corresponde ao valor da parcela, com o que os réus concordaram.
Foi ordenada a avaliação do prédio em discussão de forma a apurar-se o valor do mesmo que concluiu que o mesmo tem um valor de mercado de € 7.000,00.
Foi ordenado o registo da acção e foi fixado valor à causa.
Foi proferido despacho saneador, despacho a admitir os meios de prova e a designar data para audiência final.
*Procedeu-se a audiência de julgamento.
No início da audiência de julgamento, a autora pronunciou-se quanto às excepções invocadas pelos réus na contestação defendendo que não existiu qualquer destaque fraudulento, de qualquer forma a violação das regras do fraccionamento implica a anulabilidade do acto (art. 1379º nº 1 do C.C. na redacção anterior à Lei nº 111/15 de 27/08) sendo que tal direito de anulação já se extinguiu por caducidade (citado art. 1379º nº 3). Mais referiu que a cláusula modal ou resolutiva constante da escritura de doação não é legalmente impossível, mas mesmo considerando que o é tal não prejudica a validade da doação (art. 2230º ex vi 967º do C.C.).
Durante a audiência de julgamento a autora requereu que a instância seja julgada extinta por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados em b) e d) da petição inicial. Os réus, pediram prazo para se pronunciar quanto a tal requerimento, mas não disseram nada nos autos.
*Após, foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acção procedente e, em consequência: A. Declara-se a autora Fábrica da Igreja Paroquial de X dona e legítima proprietária do prédio rústico denominado de «...», inscrito na matriz sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00.../2005-01-21 da freguesia de X e aí inscrito a favor da autora pela apresentação n.º 09/2005-01-21.
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Condena-se os réus M. O., J. O. e J. A. a abster-se de praticar qualquer acto que ofenda ou perturbe o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado em A.
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Julga-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto aos pedidos formulados sob as alíneas b) e d) da petição inicial.
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Absolvem-se os réus M. O., J. O. e J. A. do pedido de condenação com litigantes de má fé. (…)”*Não se conformando com esta sentença vieram os réus dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “Questão I – falta de alegação e prova da presunção do artº 7º, CRP: 1ª – No atual quadro do CPC, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as exceções deduzidas...
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