Acórdão nº 2023/19.7T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório X Automóveis, Unipessoal, Lda intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra I. M., peticionando a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 6.476,16€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de propositura da ação e até integral e efetivo pagamento.

Para tanto, e em síntese, alegou que, em 6/7/2013, comprou ao réu o veículo com a matrícula EI, sendo que, ao proceder ao registo do aludido veículo, constatou que sobre o mesmo incidia uma penhora no valor de 2.500,00€, o que o réu deliberadamente lhe ocultou, tendo a autora procedido ao pagamento do montante da penhora.

Que incorreu ainda em despesas administrativas e sofreu graves incómodos, entendendo por isso ter direito a reaver aquelas despesas e a ser compensado a título de danos não patrimoniais por valor não inferior a 2.000,00€.

*Citado, o réu deduziu contestação, pugnando pela total improcedência da acção.

Invocou a sua ilegitimidade processual, aduzindo que, à data do registo da penhora, o veículo era da titularidade de um terceiro, que será o responsável pelo pagamento da penhora, cuja existência o réu desconhecia.

Terminou pedindo a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, no montante de 3.000,00€.

No final da contestação indicou os meios de prova, nos termos do disposto no art. 572º, al. d) do Cód. de Processo Civil, nomeadamente prova testemunhal, tendo arrolado quatro testemunhas, todas a notificar.

*Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual se conheceu da arguida exceção de ilegitimidade passiva, que foi julgada improcedente e se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo-se procedido à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova e fixado o valor da causa.

* *Após marcação da audiência de julgamento (para o dia 04-03-2020), foi expedida carta registada a notificar as testemunhas arroladas (Ref.ªs 166863538 e 166863542).

*As notificações referentes às testemunhas O. S. e N. A. vieram devolvidas com a menção: “Não atendeu/Objeto não reclamado” (Ref.ªs 9707877 e 9700586).

*Desse facto (impossibilidade de notificação de testemunhas) foi dado conhecimento ao mandatário do réu, mediante notificação expedida pela plataforma Citius em 7/02/2020 (Ref.ª 167153077).

*Em 26/02/2020, o Dr. A. B. e a Dra. P. B., mandatários do réu, juntaram aos autos um substabelecimento sem reserva outorgado a favor da Dr.ª V. M., datado do dia 24-02-2020 (Ref.ª 34972998).

*Em 02-03-2020, o réu formulou o seguinte requerimento (Ref.ª 35028723): «(…) 3.º Consultado o presente processo na plataforma informática Citius no pretérito dia 28-02-2020, constatou a Signatária que não foram notificadas as testemunhas, O. S. e N. A., pelo motivo: “Não Atendeu/Objeto não reclamado” (sic).

  1. Como se sabe, o motivo em apreço decorre do não levantamento das notificações pelas referidas pessoas, apesar de remetidas por este Tribunal (sibi imputet).

  2. Todavia, tais pessoas, arroladas pelo aqui R. como testemunhas e assim aceites pelo Tribunal, são essenciais, se não mesmo imprescindíveis, para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa, já que têm conhecimento direto dos factos essenciais alegados pela defesa (objeto do processo).

  3. Daí que, deverá ordenar-se a notificação das mesmas, nos moldes anteriores (mesma morada e pela mesma via), já que tudo indica que há inércia destes no levantamento do aviso de registo, o que se REQUER A V. EX.ª.

  4. Caso tal situação não resulte da notificação das mesmas, desde já se REQUER A V. EX.ª que, com os dados pessoais já constante dos autos, se proceda à consulta da base de dados à disposição deste Juízo, de modo a apurar outra morada, sendo de seguida ordenada a sua notificação para comparecerem em Tribunal e prestarem o seu depoimento enquanto testemunhas, cumprimento assim o seu dever cívico!».

*Sobre tal requerimento foi proferido despacho, ditado para a ata, na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no dia 04-03-2020 (ref.ª 167551369), com o seguinte teor: “O requerimento é intempestivo.

O ofício foi dado conhecimento ao Réu no dia 07-02-2020, pelo que a partir da notificação desta devolução, tinha o Réu N. A., I. M., peço desculpa, o prazo de 10 dias para requerer diligências com vista a requerer nova notificação. Nada tendo requerido passa a ser uma testemunha a apresentar e como tal não é testemunha faltosa. Não está, não se ouve”.

*Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o réu, o qual, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «A. O Tribunal a quo indeferiu, por o considerar intempestivo, o supra referenciado requerimento do Recorrente, com a referência n.º 35028723, no qual solicitava que as duas identificadas testemunhas, por si arroladas, que já haviam sido aceites e que não estavam notificadas para a audiência de julgamento, pelo motivo “Não atendeu/Objeto não reclamado”, fossem notificadas nos moldes requeridos, uma vez que eram essenciais, se não mesmo imprescindíveis, para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa, já que têm conhecimento direto dos factos alegados pela defesa.

  1. O despacho acima transcrito (despacho de indeferimento do requerimento com a referência n.º 35028723, ditado para ata na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no dia 04-03-2020), o Tribunal a quo esqueceu, por completo, os princípios enformadores que aqui imperam, mormente o da verdade material e o da boa decisão da causa, ambos ínsitos ou decorrentes do princípio da oficiosidade ou do inquisitório, plasmado no artigo 411.º do Código de Processo Civil, o que havia sido invocado no supra aludido requerimento.

  2. Paradoxalmente, o Tribunal a quo utilizou o referido princípio do inquisitório para inquirir certas testemunhas, N. F., exequente no processo executivo n.º 2938/08.8T8BRG e a Ilustre Agente de Execução P. M., nunca arroladas pelas partes (vide ata de audiência de julgamento do dia 04-03-2020).

  3. Temos, por isso, dois pesos e duas medidas, em claro prejuízo do Recorrente, e com notória violação dos seus direitos de defesa, por tratamento não igualitário, em violação do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Civil.

  4. Sendo que, o princípio da igualdade consiste no facto de as partes serem colocadas em perfeita paridade de condições, podendo, assim, ter idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida.

  5. Em abono disso, o Juiz deve ser mais dispositivo no decurso do processo civil, sendo que, caso as testemunhas do Recorrente não sejam ouvidas, fica este “despido” da prova testemunhal por si arrolada, restando-lhe, sobremaneira, o depoimento de parte e a demais prova que seja produzida em audiência ou carreada para os autos, o que equivale a um “desvio” à igualdade substancial das partes.

  6. Daí decorrendo uma interpretação daquele normativo em clara violação do consignado no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, logo, uma manifestamente inconstitucional, conforme se alegou expressamente para os devidos efeitos.

  7. Impõe-se, por isso, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que, ao abrigo dos princípios supra citados, albergados na “ratio” do mencionado artigo 411º do Código de Processo Civil, conforme alegado pelo Recorrente naquele seu requerimento, determine oficiosamente a inquirição das duas referidas testemunhas (O. S. e N. A.), procedendo às diligências necessárias para apuramento do seu paradeiro, mormente as requeridas, no sentido de as mesmas serem devidamente notificadas.

Normas jurídicas violadas: artigos 4.º e 411.º, ambos do Código de Processo Civil e artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE NOS MOLDES SUPRA EXPOSTOS, COM AS INERENTES CONSEQUÊNCIAS.

DECIDINDO-SE EM CONFORMIDADE, SERÁ ENTÃO FEITA A COSTUMADA JUSTIÇA».

*Não foram apresentadas contra-alegações.

*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

Assim, no caso, a questão a decidir que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da igualdade das partes, o Tribunal “a quo” devia ter deferido a requerida notificação das duas testemunhas para prestarem depoimento em audiência de julgamento.

*III.

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