Acórdão nº 872/18.2SILSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ARTUR VARGUES |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 872/18.2SILSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 1, em Processo Especial Abreviado, foi o arguido A. condenado, por sentença de 14/01/2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de, 6,50 euros, o que perfaz o montante global de 455,00 euros.
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O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. O objecto primordial do presente recurso é a impugnação não só da matéria de direito com também da medida concreta da pena aplicada na condenação do Recorrente.
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Da prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º n.º 1 e 2 do Decreto - Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, 3. Neste sentido, o Recorrente não concorda com a douta decisão, não apenas por razões de forma, mas sobretudo por razões de fundo que se prendem com a avaliação da prova, e a falta dela, atendida nos presentes autos, a qual, sempre salvaguardando o devido respeito e consideração merecidos aos Meritíssimos Juízes a quo, foi incorrectamente avaliada, como se procurará demonstrar.
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Assim, através do presente recurso, o Recorrente não apenas pretende impugnar a douto Sentença proferida na parte referente a este ponto concreto da sua condenação, o que suscita outras questões, não apreciadas ou tidas em consideração que motivam a sua discordância relativamente à decisão recorrida, na parte em que esta lhe é desfavorável e que infra se expenderão.
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A decisão em crise não considerou factos que, na óptica do Recorrente e de acordo com a tese ora propugnada, se reputam primaciais para o enquadramento jurídico sustentado na decisão recorrida, do que resultou uma visão incorrecta da realidade, em desfavor do Recorrente.
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Efectivamente, o presente processo teve a sua origem nos factos ocorridos no dia 14 de Setembro de 2018 pelas 21h 40 minutos.
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De acordo com os órgãos de polícia criminal que o autuaram, o arguido conduzia um automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 24- TC-87 sem licença de condução ou qualquer outro documento que legalmente o habilitasse a conduzir esse veículo.
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No entanto, o arguido tinha esse título de condução de origem brasileira, sendo que o mesmo estava caducado podendo ser renovado novamente nos trinta dias subsequentes ao dia em que a mesma caducou, segundo a legislação daquele país.
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Assim, o título de condução do arguido estava caducado mas não cancelado razão pela qual os factos integram a prática de uma contra-ordenação e não de ilícito penal.
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Ainda se encontrava a decorrer o prazo para a renovação, tanto mais que as entidades brasileiras competentes para a emissão de títulos de condução não só não cancelaram a carta por não ter sido renovada no tempo certo, como aceitaram a sua revalidação em data posterior.
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Ora, o arguido nunca devia ter respondido por um processo crime mas apenas por um processo de contra-ordenação, dado que ainda estava no prazo legal para conduzir em Portugal com título estrangeiro.
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Em virtude dessa infracção, foi o mesmo presente ao tribunal onde lhe foi proposta a aplicação da suspensão provisória do processo na condição de entregar à APCL - Associação Portuguesa Contra a Leucemia a quantia de 200,00 € (duzentos euros) no prazo de 90 dias.
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Valor este que o arguido, aqui recorrente efectivamente pagou.
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A quando da sua apresentação perante o tribunal o mesmo não foi assistido por advogado, o que desde já lamenta não ter acontecido, uma vez que não ficou ciente de que teria que vir ao processo fazer prova de tal pagamento.
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O arguido, aqui recorrente, visitava o nosso país pela primeira vez, tendo dado entrada no aeroporto de Lisboa no dia 13 de Junho de 2018.
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Ora, até à data da prática dos factos haviam decorrido apenas três meses, não sendo o tempo suficiente para ter contacto com o ordenamento jurídico português nomeadamente do seu funcionamento.
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Não quer isto dizer que desconhecia que conduzir sem habilitação legal não era crime, o que quer dizer é que o sistema penal brasileiro trata este crime de forma diferente sem recurso a tribunal, daí o arguido pensar tratar-se da mesma forma.
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No sistema penal brasileiro, no que diz respeito aos condutores que conduzem sem habilitação legal, refere no seu Código de Trânsito no “Art. 162. Dirigir veículo: I - sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (três vezes) e apreensão do veículo; 19. Daí que, todo este processo de multa e apresentação em tribunal era desconhecido para o recorrente.
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Acontece porém que, não obstante tais factos, o arguido após ter liquidado o valor à Associação a que foi obrigado, pensou que o processo estaria extinto não sendo necessário efectuar mais nada.
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Daí que desde essa altura tenha feito a sua vida normal, tendo inclusivamente mudado a sua residência para a ... - 2005-111 Almoster STR.
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Morada esta que o tribunal de que se recorre teve conhecimento em 02 de Dezembro de 2019 após uma consulta à base de dados on-line da Segurança Social.
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Dia em que, de acordo com o processo, foi enviada notificação por via postal simples, da data de audiência de julgamento, mas noutra morada diferente.
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No próprio dia de julgamento, e uma vez que o arguido não estava presente, e às 10h42 foi efectuada nova consulta on-line à base de dados da segurança social relativa ao arguido e onde, mais uma vez constava a morada, actual do arguido.
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Mesmo sabendo que o arguido não estava na morada indicada aquando da suspensão do processo, e sabendo que o arguido tinha uma nova morada, o tribunal decidiu fazer o julgamento na ausência do arguido.
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Julgamento esse que não tinha de ser realizado pois o arguido cumpriu com todas as injunções que lhe foram impostas.
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Tendo sido realizado o julgamento na sua ausência, foi o mesmo condenado numa pena que, salvo o devido respeito por melhor opinião é excessiva quer em relação ao número de dias quer mesmo à taxa diária que foi aplicada tendo em conta que nunca cometeu qualquer crime.
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Após proferir sentença foi por esse tribunal ordenado a notificação da mesma ao arguido através do posto territorial da PSP de Santarém.
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E, pasme-se, no ofício enviado, consta a pessoa a identificar bem como os seus elementos de identificação e a sua morada, a saber a Rua do …2005-111 Almoster Str.
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A morada em que o arguido reside desde Outubro de 2019, pelo que, tendo o tribunal ad quo conhecimento desta nova morada que consta em todos os documentos e bases de dados relativas ao arguido desde Segurança Social, Autoridade Tributária e até mesmo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sempre podia/devia ter notificado novamente o mesmo ao invés de efectuar o julgamento na sua ausência.
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Caso o arguido tivesse comparecido teria provado que o processo não deveria ter prosseguido pois o mesmo para além de ter pago a injunção que foi obrigado também já tem a sua habilitação legal devidamente actualizada.
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Entende o arguido que deve ser relevado o facto de não ter comunicado a sua morada ao processo já que no seu entendimento e conhecimento o processo já se teria extinguido.
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Deve ainda ser atendido o facto do arguido, à data dos factos, ser recém chegado a Portugal e não conhecer o nosso ordenamento jurídico e ainda ao facto de no seu país de origem ser o "assunto” ser tratado de forma diferente.
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Esteve mal, salvo devido respeito por melhor opinião, o Tribunal ad quo que, tendo conhecimento de que o arguido tinha nova morada, não fez diligências de notificação para essa morada para que o mesmo estivesse presente na audiência de julgamento.
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Também esteve mal ao condenar o arguido em multa por ter faltado pois, na verdade ao ter conhecimento da mudança da morada teve conhecimento que a notificação não lhe tinha sido entregue.
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Entende o arguido que tal julgamento deve ser anulado dando-se como provado o cumprimento das injunções e absolvendo o arguido do pagamento quer da multa pela falta de comparência quer da multa penal a que foi condenado.
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O Exmos. Juiz do tribunal a quo fundamentou a sua decisão no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência comum.
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Do cotejo da prova produzida, permite ao Tribunal a quo julgar a prova livremente.
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Prova esta que condenando o arguido na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz montante global de € 455,00 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros), e a que correspondem 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária caso a pena de multa não seja paga voluntária ou coercivamente.
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Medida da pena e consequente condenação que, para além de manifestamente injusta, atenta a já referida prova que não foi produzida nos autos por o arguido não estar devidamente notificado, bem como os fatos, que erradamente, foram considerados como provados, ou seja, o incumprimento da suspensão.
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Isto porque, para a obtenção da verdade material, foi o Recorrente condenado, salvo o devido respeito, e melhor opinião em contrário, de forma injusta face aos factos que se teriam provado na audiência de julgamento.
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Assim, dúvidas não restam que a decisão quanto à matéria de facto proferida na sentença recorrida deve ser alterada.
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Porquanto deve ser substituída por douto Acórdão proferido por Vossas Excelências, decidindo-se pela absolvição do arguido ou caso assim não se entenda seja ordenando novo julgamento a fim de se provar tudo quanto se expôs.
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Porquanto, ser substituída por douto Acórdão proferido por Vossas Excelências, no mínimo, decidindo-se pela absolvição do Recorrente.
Termos em que, Nos melhores de...
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