Acórdão nº 0906/14.0BELRA 0231/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1- A A…………, S.A. e a Fazenda Pública recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo, inconformadas com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 8 de Novembro de 2016, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento parcial do pedido de revisão do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, referente ao ano de 2004, no valor de 2.478.885,55€.

1.1 – A A…………, S.A., apresenta, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: «[…] I. Constituiu objeto do presente recurso a decisão vertida na douta sentença recorrida, respeitante ao indeferimento da impugnação da correção de €2.478.885,55, correspondente ao custo de diversas cedências efetuadas a título gratuito a vários Municípios, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 44.º do RJUE, de parcelas de terreno de equipamentos e espaços verdes públicos e de infraestruturas não contempladas no n.º 4 do artigo 43.º do mesmo diploma; II. Ultrapassada a questão da não gratuitidade de tais cedências, tese que a ora recorrente aceita, subsiste a questão de saber de que modo os correspondentes custos devem ser reconhecidos, para determinação do lucro tributável: se por via de amortizações; ou se por via do seu reconhecimento total no exercício em que são efetuadas; III. Defende a Inspeção Tributária, tese que a, aliás, douta sentença recorrida também sufraga, que o devem ser por via das amortizações, pelo que, para o efeito, tais custos serão considerados no custo de construção do restante imobilizado resultante da mesma operação urbanística; IV. Já a ora recorrente defende o reconhecimento total dos custos relativos a tais cedências no exercício em que as mesmas são efetuadas; V. Sendo ignorados na sentença recorrida os fundamentos invocados pela recorrente na p.i. dos autos, em favor do seu entendimento, que é oposto ao entendimento sufragado na douta sentença recorrida, natural e predominantemente de natureza jurídica, o que não podem, de todo, ser considerados uma impertinência ou uma insuficiência, muito menos um vício; VI. A douta sentença recorrida, que num primeiro momento parece aceitar a tese da ora recorrente e chega mesmo a qualificar os seus argumentos de “pertinentes”, num segundo momento, e sem fundamentação própria sustentável, sem apoio jurisprudencial ou doutrinário, mas apenas com os fundamentos que a Autoridade Tributária expendeu no seu Relatório de Inspeção, adere à tese desta; VII. Reconhecendo, embora, a ora recorrente que o Mm.° Juiz a quo não tem de pronunciar-se sobre todos os argumentos invocados pelas partes, não pode, in casu, deixar de manifestar a sua surpresa e perplexidade por nem sequer um deles ter sido objeto de escrutínio expresso, quando os fundamentos invocados pela Inspeção Tributária foram praticamente todos acolhidos sem qualquer juízo crítico; VIII. Ora, desde logo, um bem ou um direito de natureza patrimonial não pode estar reconhecido, por ser contrário à natureza das coisas, nomeadamente tendo natureza real, em simultâneo e com o mesmo conteúdo, em dois patrimónios distintos e pertencentes a pessoas jurídicas diferentes; IX. A cedência efetuada aos municípios automaticamente, como foi o caso, por força do disposto nos correspondentes alvarás de urbanização e nos termos do n.º 1 do artigo 44.º do RJUE configura, e é, de facto, uma transmissão plena de direitos reais sobre bens imóveis, não sujeita a condição e, consequentemente, definitiva; X. Não se confundem com os referidos na conclusão anterior, porque não estão na mesma condição jurídica de terem sido objeto de transmissão, os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada a que se refere o n.º 4 do artigo 43.º do RJUE, que não são objeto de cedência aos Municípios, e que constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos, valendo, quanto a esses, o reconhecimento do custo por via da sua amortização anual segundo as tabelas que lhes sejam aplicáveis; XI. No caso de que aqui se trata, a cedência verificou-se, a transmissão da propriedade plena ocorreu, e não é consentâneo com a substância deste ato reconhecer o respetivo custo, como se pretende, segundo o método da amortização, por imputação do seu custo ao edificado restante.

XII. Não há qualquer bom senso, lógica ou fundamento na pretensão da Inspeção Tributária, acolhida na douta sentença recorrida, nem a lei, nem as normas de contabilidade que tratam da matéria, apontam no sentido que ela preconiza e a doutrina, designadamente a estrangeira, que se pronuncia sobre o assunto, sufragam tal tese; XIII. A “tradição” de procedimentos da Autoridade Tributária, mal explicados e mal fundamentados, não é, nunca foi e muito menos “pode” ser, razão legal para que tais procedimentos, quando desconforme com a realidade económica e jurídica, com a natureza das coisas e manifestamente ilegais, como é o caso, subsistam na ordem jurídica; XIV. Não pode, pois, deixar de prevalecer a tese da ora recorrente, com todas as consequências legais, designadamente a consideração integral e imediata do valor dos bens cedidos gratuitamente nos termos do RJEU, como custo indispensável à formação do rendimento, sob pena de violação do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC; XV. Legalmente, a ora recorrente, com a transmissão dos bens em causa, deixou de ter qualquer título jurídico válido que legitime a sua propriedade ou, sequer, a sua posse, pelo que a pretensão de, por via artificiosa, manter o respetivo valor a sobrevalorizar o seu imobilizado, neste caso por 50 anos (!), viola a princípio da substância sobre a forma; XVI. Qualquer entendimento que, nestes casos, defenda que, mesmo assim, o custo de tais bens, deve continuar a onerar o custo dos restantes, como se em algo lhes aproveitassem, para só poder ser reconhecido por via das amortizações, não pode ser julgado apropriado e, consequentemente, procedente, por violação das normas de normalização contabilística e as próprias normas fiscais; XVII. Os bens transmitidos para o município, na ótica da transmitente e do imobilizado restante, esgotaram toda a sua utilidade com a correspondente doação gratuita, raiando o absurdo pretender-se que o respetivo custo deve continuar, por via das amortizações, a onerar os seus resultados durante, dependendo da natureza dos empreendimentos, 20 ou 50 anos; XVIII. São as próprias regras da normalização contabilística que impõem o desreconhecimento dos valores por que se encontrem registados relativamente a ativos fixos de que não se esperem futuros benefícios económicos, como manifestamente é aqui o caso; XIX. De acordo com o regime legal em vigor à data dos factos, devidamente interpretado tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborado e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como o determinam as disposições contidas do Art. 9-º do C.Civil (ex vi Art.s 2º e 11º da LGT); XX. Que o julgador está obrigado a respeitar e a observar em função do caso concreto, teria de proceder a impugnação da aqui recorrente também na parte que constitui o objeto deste recurso.

XXI. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, para além de regras específicas da normalização contabilística, o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, bem como o Art. 9º do Código Civil, pelo que deve ser revogada; Nestes termos, e nos mais de direito que V. Ex.as, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, colmatarão, com o reconhecido rigor de doutos conhecedores do Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a douta sentença recorrida, na parte em que o é no âmbito do presente recurso, ser revogada com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.».

1.2. - O Representante da Fazenda Pública apresentou alegações que concluiu da seguinte forma: A. A questão que nos ocupa aferir no processo judicial supra mencionado, refere-se à fundamentação da correção efetuada pelos SIT, junto da Direção de Finanças de Santarém, no que toca à requalificação do contrato de aquisição de ativos e passivos celebrado pela recorrida com a B............ – Supermercados, S.A e a C………… S.A A sentença sob escrutínio entendeu não estar suficientemente fundamentada a correção em análise, sendo que, com o assim decidido, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto considera haver excesso de pronúncia e ter errado no seu julgamento quanto ao direito.

Assim, B. Foi iniciado procedimento inspetivo mediante a ordem de serviço n.º OI200801017 de 14.07.2008, para o exercício de 2004, sendo uma das correções resultante da requalificação do negócio contabilizado pela recorrida A............, em 31.12.2004, a título de "Compra de Imóvel Castro Verde", com o valor de €11.283,66.

C. Resulta da petição inicial de impugnação que a aqui recorrida invoca não a falta/insuficiência da fundamentação formal, mas antes discorda da fundamentação utilizada pela IT quanto à correção aqui em análise.

Vejamos: D. Na sua petição inicial a impugnante alega, quanto à correção que ora nos ocupa, os pontos 60° a 64° para os quais se remete, tornando-se evidente que, apreendendo a fundamentação da AT, com ela não se conformou, invocando um vício substancial e não formal.

E. Assim, alega que escapam à Inspeção Tributária os elementos básicos caraterizadores do trespasse e que, no negócio celebrado, se não verificam para posteriormente expor a sua conspeção do que consiste o trespasse, por referência a parecer proferido no âmbito de um processo registral e a acórdão da Relação de Coimbra, concluindo que, na sua perspetiva, do contrato por si celebrado com a B............ não resultam os elementos essenciais do trespasse.

F. Ao contrário do versado na sentença...

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