Acórdão nº 02046/04.0BELSB 0808/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional do acórdão proferido na acção administrativa especial com n.º 2046/04.0BELSB pelo Tribunal Central Administrativo Sul (onde o processo teve o n.º 709/05) 1. RELATÓRIO 1.1 O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (adiante também denominado Entidade demandada ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Sul, julgando procedente o pedido impugnatório formulado em acção administrativa pela sociedade acima identificada (adiante também denominada Autora ou Recorrida), anulou o acto impugnado, de indeferimento do pedido de dedução de prejuízos fiscais apurados por uma sociedade incorporada, por preterição do direito de audiência prévia (bem assim como condenou a Entidade demandada a retomar o procedimento expurgado dessa ilegalidade), apresentando para o efeito alegações que contém as seguintes conclusões: «

  1. O acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 60.º da LGT e al. a) do n.º 1 do art. 103.º do CPA aos factos.

  2. Antes de mais, a natureza urgente do procedimento então previsto no art. 69.º do CIRC é de considerar como circunstância que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima do procedimento de audição dos interessados, justifica a preterição da formalidade da audição prévia, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º do CPA [aplicável por força da alínea c) do artigo 2.º da LGT].

  3. No caso sub judice, atenta a proximidade do prazo para o deferimento tácito já não era possível cumprir a formalidade da audição da ora recorrida sem que se comprometesse a utilidade da decisão.

  4. Conforme se deliberou no Ac. do STA de 22/10/12, Proc. 708/12, sendo certo que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correcta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objectivas de urgência legal.

  5. Donde, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o sujeito passivo apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, revela o carácter urgente do procedimento tributário, o que legitimaria, in casu, face a um eventual esgotamento do prazo para o terminus do procedimento, a dispensa da formalidade da audição prévia.

    Ainda que assim não se entenda, sem conceder: F) Contrariamente ao ora deliberado, no caso em concreto, a preterição do direito de audição prévia não teria a mínima probabilidade de influenciar a favor do contribuinte a decisão tomada impondo-se, assim, o aproveitamento do acto e, consequentemente, determinar que o acto permaneça na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.

  6. No caso dos autos, como decorre do acórdão recorrido, o que motivou o douto Tribunal a quo foi a circunstância de poder haver matéria sobre a qual a sociedade incorporante se podia pronunciar, uma vez que a entidade demandada havia dito, na fundamentação do acto de indeferimento que: “caso a sociedade incorporada tiver participações em sociedades não residentes e fora da União Europeia e se as tiver adquirido a entidades com as quais existam relações especiais, estará aberta a hipótese de obtenção de vantagens fiscais com a operação de fusão”.

  7. Todavia, verifica-se que tal circunstância sobre a qual, no entender do acórdão recorrido era reclamada a intervenção da Autora, era precisamente em desfavor da mesma Autora.

  8. Ou seja, ainda que a mesma viesse a pronunciar-se sobre tal questão, a decisão a tomar pela AT seria sempre a mesma, em virtude da aplicação da al. a) do n.º 7 do então art. 67.º do CIRC, conjugado com a al. g) do n.º 1 do art. 33.º do EBF.

  9. Assim, contrariamente ao deliberado no Acórdão recorrido, a decisão a tomar pela AT, ainda que a então A. se pronunciasse dizendo que não se verificava a hipotética situação configurada pela mesma AT, nunca deixaria de ser aquela que foi tomada, como, aliás, se alcança do teor da fundamentação que sustenta o acto impugnado, cfr. informação n.º 522/04, da DSIRC, transcrita no ponto B) da matéria de facto dada como provada.

  10. Efectivamente, como resulta daquela fundamentação, fosse qual fosse a pronúncia da então A., a aplicação do então n.º 7, al. a) do art. 67.º do CIRC, sempre se imporia à AT.

  11. Ainda que a pronúncia da então A. se desse, a decisão da AT não seria diferente da que foi tomada, uma vez que existiria sempre a possibilidade de a mesma A. poder, efectivamente, beneficiar da isenção de IRC a que tem direito.

  12. E foi precisamente essa consideração de se estar perante uma sociedade que pode gozar de uma isenção de IRC, presente ou futura, que determinou a decisão de indeferimento.

  13. Isto é, ainda que a então A. viesse confirmar que, à data, não usufruía de qualquer isenção de IRC, isso não determinaria, contrariamente ao que foi entendido pelo Acórdão recorrido, que o processo prosseguisse para efeitos de apreciação da pretensão, de fundo, da então A., uma vez que é a própria AT que concede que a mesma não tem usufruído do benefício, conforme comprovou através da consulta ao sistema informático.

  14. Pelo que, a decisão da AT, ainda que a então A. se tivesse pronunciado em sede de direito de audição, seria sempre aquela que foi tomada no sentido de que sempre seria de aplicar ao caso a norma constante da então al. a) do n.º 7 do art. 67.º do CIRC.

  15. E, assim sendo, a decisão da AT, baseou-se numa mera interpretação de uma norma que afastou a ora recorrida do regime especial previsto para as fusões de sociedades nos então artigos 67.º e 69.º do CIRC.

  16. Aplicação essa que configura uma mera questão de direito e que foi contrariada pela então A. na presente acção, dizendo, precisamente, aquilo que diria em sede de direito de audição e que a AT já sabia, que não beneficiava da isenção, cfr. art. 8.º da p.i.

  17. Ou seja, tendo em conta um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas do caso em concreto deveria o Tribunal recorrido, salvo o devido respeito, ter concluído pelo aproveitamento do acto, uma vez que é claro que, ainda que a então A. se pronunciasse em sede de direito de audição, ela apenas viria dizer o que disse e que a AT já sabia, que era o facto de não estar a gozar de isenção de IRC, donde não se suscitam, quaisquer dúvidas em como se verificaria sempre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto.

    Por outro lado: S) A anulação do acto impugnado motivada pelo vício de forma de violação do direito de audição prévia nas circunstâncias factuais em que os presentes autos se circunscrevem, nomeadamente não aplicação do princípio do aproveitamento do acto inválido, é salvo o devido respeito, violadora do Princípio da Proporcionalidade.

  18. Assim, a deliberação do Tribunal a quo, ao não aplicar o princípio do aproveitamento do acto, e determinando a anulação do acto de indeferimento do pedido de transmissão de prejuízos fiscais, face às circunstâncias que rodeiam o caso em concreto, não se mostra adequada, nem necessária e muito menos proporcional em sentido estrito.

    Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser revogado o Acórdão recorrido, que deve ser substituído por Acórdão que julgue a improcedência da acção e mantenha o acto impugnado, com todas as legais e devidas consequências».

    1.2 A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido, com conclusões do seguinte teor: «A. Não merece acolhimento o presente recurso na medida em que o Recorrente se limita a fazer uma interpretação errónea do teor do douto acórdão a quo.

  19. Acresce que o artigo 103.º do CPA, na redacção então em vigor, não tem aplicação ao procedimento tributário em crise nos presentes autos, cuja questão decidenda se encontra plenamente regulada no artigo 60.º da LGT, maxime no n.º 2 desse mesmo artigo.

  20. O presente recurso não traz nada de novo ao que já foi dito pelo Recorrente nos autos a quo.

  21. A falta de audição prévia da Recorrida consubstancia preterição de formalidade essencial, violando o artigo 60.º da LGT e o artigo 266.º da CRP».

    1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

    1.4 Neste Supremo Tribunal, o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Após enunciar o objecto do recurso, resumir a fundamentação de facto e de direito do acórdão recorrido, enunciar a questão a decidir e proceder à sua apreciação, com extensa e pertinente fundamentação doutrinal e jurisprudencial, concluiu nos seguintes termos: «[…] O caso configurado nos autos e relativo à apreciação de pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais de sociedade incorporada, apresentado ao abrigo do disposto no artigo 69.º do CIRC, na redacção em vigor em 2004, não configura uma situação de urgência que justifique ou fundamente a omissão da promoção da audiência do contribuinte por parte da Administração Tributária.

    No caso concreto não é possível fazer um juízo de prognose póstuma em que se conclua que a decisão tomada no despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 14/05/2004, exarado sobre a informação n.º 522/04/09 de 10 de Maio de 2004, era a única concretamente possível, ou que a audiência...

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