Acórdão nº 01852/07.9BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão 1. RELATÓRIO 1.1.

“A……… — COMUNICAÇÕES INTERACTIVAS, S.A.”, intentou a presente acção administrativa especial contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, pedindo a anulação do Despacho n.º 98/2007 – XVII, de 2 de Fevereiro, proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao abrigo de delegação de competências, que indeferiu o pedido que havia formulado ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n. 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC - na redacção em vigor até à republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho) e a sua condenação a admitir B……….

II — Comunicações Interactivas, S.A.” (doravante "B………"), “C……… — Informática e Comunicação, S.A.

” (doravante "C……….

"), “D……….— Música Interactiva, S.A.

” (doravante "D……….”), “E……….. — Serviços de Telecomunicações e Transferência de Informações, S.A.” (doravante "E………") e F……..— Plataforma de Comércio Electrónico, S.A. (doravante "F……”.

).

1.2.

Julgada integralmente procedente a acção, com a consequente anulação do despacho impugnado e condenação da Ré a praticar acto que defira a pretensão, sem prejuízo de um plano específico para essa dedução, nos termos do n.º 4 do artigo 69.º do citado diploma legal, veio o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais interpor o presente recurso jurisdicional, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões: «

  1. Ao ter deliberado anular o despacho nº 98/2007-XVII, de 02.02.2007, do SEAF e condenado o mesmo à prática do acto decisório de deferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, por verificação dos pressupostos legais contidos no art. 69º do CIRC, sem prejuízo da fixação de um plano específico de dedução desses prejuízos, o, aliás, douto Acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 69º do CIRC, na redacção à data aplicável aos factos, bem como, dos art.s 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA, motivo pelo qual não se pode manter.

    Quanto ao segmento decisório de saber se é sindicável pelo Tribunal o juízo da Administração Fiscal quanto à existência de razões económicas válidas: B) O Acórdão ora recorrido considerou, contrariamente ao que a entidade demandada havia invocado, que a questão de saber se a operação de fusão foi efectuada por razões económicas válidas podia ser sindicada pelo Tribunal remetendo nesta questão para o já deliberado no Acórdão do STA de 27.11.2013, proferido no processo nº 01159/09.

  2. Ora, embora o Acórdão ora recorrido tenha remetido para a jurisprudência constante do Acórdão de 27.11.13, também é certo que o mesmo STA também já entendeu, cfr., entre outros, Acórdão da 2ª Sec., do STA, de 12/07/06, proc. nº 1003/05, que “ saber se houve “razões económicas válidas” ou se a fusão “ se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva” é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie” e que, “este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal” D) Assim, contrariamente ao entendido pelo Acórdão recorrido, também parte da jurisprudência vem entendendo que, o saber se a operação de fusão realizada foi efectuada por razões económicas válidas envolve juízos de valor inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT, uma vez que estamos no campo da chamada discricionariedade técnica.

  3. Deste modo, não só o juízo emitido pela AT, de considerar que a operação não foi efectuada por razões económicas válidas, não é, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, sindicável pelo Tribunal, como também, porque o acto que a A. pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, cfr. art. 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA.

  4. Donde, devendo os conceitos de “razões económicas válidas” e o de “ se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva”, definir-se como indeterminados e cujo preenchimento cabe à Administração, a valoração que foi feita no despacho impugnado no que concerne à ausência de “razões económicas válidas” necessárias ao deferimento do pedido de dedução de prejuízos, releva de considerações de interesse público, pelo que, o juízo a esse respeito formulado escapa à fiscalização dos tribunais, só podendo os mesmos controlar o acto administrativo por existência de erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.

  5. Ora, lido o Acórdão ora recorrido, constata-se que o mesmo entendeu apreciar da bondade do acto impugnado, da validade substancial tecendo considerações sobre o contexto jurídico-económico em que a operação decorreu, mais, dando apenas relevo a um Estudo Demonstrativo das Vantagens Económicas da Fusão, considerações estas que foram muito para além da indagação sobre a existência do erro grosseiro ou da desadequação ao fim legal.

  6. Termos pelos quais, quanto ao 1º segmento decisório do Acórdão ora recorrido há que concluir que o mesmo não só fez uma errada interpretação do nº 2 do então art. 69º do CIRC, como também, extravasou dos poderes que a lei processual lhe confere nos artigos 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA, tendo-se substituído, sem que para tanto detivesse competências, à AT, na apreciação e valoração do que são razões económicas válidas.

  7. Pelo que, o Acórdão recorrido, neste segmento, não se pode manter devendo ser, desde logo, revogado e ser mantido o acto impugnado.

    Quanto ao segmento decisório de saber se, no caso em concreto, a fusão foi realizada por razões económicas válidas: J) O acto de fusão tem de envolver não só o interesse económico das entidades envolvidas na fusão, mas também deve revestir-se de interesse público e não pode ter como objectivo a diminuição da carga tributária, por parte da sociedade incorporante.

  8. Ora, na análise da operação de fusão por incorporação em que a então A., ora recorrida, é parte e, na apreciação do interesse económico da mesma, a AT considerou que o contributo fornecido pelas sociedades incorporadas, que tinham um passivo superior ao activo e que apenas tinham prejuízos fiscais para transmitir, não podia deixar de sobrecarregar a incorporante no seu objectivo de reorganização e de viragem de resultados futuros.

  9. Donde, tendo a AT eleito como critério para avaliação de uma empresa, o do património líquido, para estabelecimento de um limite de dedução de prejuízos fiscais nas situações de fusão de empresas, não podia, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” ficar alheado da realidade espelhada no balanço, à qual deveria ter dado o devido relevo, devendo concluir que a fusão não era realizada por razões económicas válidas, mas por simples razões fiscais.

  10. Pelo que, face ao invocado, ainda que a ora recorrida pretenda que a eliminação de estruturas é razão económica válida, assume toda a legitimidade e adequação ao fim legal a posição da AT que concluiu, com base nos motivos atrás referidos, que não ficou demonstrado que a operação em causa tivesse efeitos positivos na estrutura da ora recorrida, pelo contrário, os resultados positivos ao longo do período projectado decorrem exclusivamente, ou quase exclusivamente, da contribuição da incorporante. Ou seja não existe, nas palavras do Ac. do STA, de 5/07/06, interesse sacrificado - perda da receita fiscal -, proporcional ao interesse salvaguardado - ganhos macro-económicos obtidos com a fusão.

  11. O acórdão recorrido analisou menos bem os factos e aplicou e interpretou também deficientemente o artigo 69º do CIRC, tendo apenas considerado anular o acto com base num juízo que até nem se verifica, que a AT não infirmou a motivação produzida pela A. De facto, pergunta-se, tinha a AT que contestar, ponto por ponto, o estudo apresentado pela A.? Tinha que pedir documentos ou esclarecimentos? É evidente que não.

  12. Se a AT entende que a motivação apresentada pela então A. é insuficiente, por ser inerente a todas as operações de fusão, para demonstrar a existência de razões económicas válidas, bastava-lhe, como o fez, salientar o que também é evidente, que o facto de as incorporadas só legarem um património negativo para a incorporante não vai ter efeitos positivos futuros na estrutura produtiva da mesma.

  13. Contrariamente ao que se afirma no Acórdão recorrido, esta consideração não representa uma “regra geral de exclusão automática da possibilidade de transmissibilidade de prejuízos fiscais quer tenha ou não havido propósito de evasão ou fraude fiscais”. Na verdade do que se trata é de determinar, tendo em conta a existência de um evidente benefício fiscal com a transmissão dos prejuízos fiscais, se se justifica a perda de receita fiscal inerente à concessão de tal benefício.

  14. Há, pois, que ponderar os interesses em confronto e o benefício só será de atribuir caso os interesses sacrificados forem proporcionais aos salvaguardados.

  15. Salvo o devido respeito também não deveria o Acórdão recorrido ter anulado o acto sem cuidar de ponderar se, pese embora o facto de haver só património negativo, as incorporadas iriam contribuir para a melhoria da estrutura produtiva da incorporante. Se a AT considerou que não existia e que, pelo contrário, a incorporante ficava sobrecarregada no seu objectivo de reorganização e de viragem de resultados futuros, então, salvo o devido respeito, não poderia o Tribunal “a quo” abdicar de analisar devidamente o Estudo Demonstrativo das Vantagens Económicas da Operação e, com base nele, afastar a conclusão da AT .

  16. Como já se disse, para a AT é evidente que tendo analisado tal Estudo...

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