Acórdão nº 1443/17.6T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução12 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

No processo comum com intervenção do tribunal coletivo que, com o nº 1443/17.6T9BRG, corre termos pelo juízo central criminal de Braga, foi decidido: 1-Condenar o arguido M. J., pela prática de 1 crime de abuso sexual de menor dependente, previsto e punido no art.º 172.º nº 1 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGSRP, visando a plena consciencialização da gravidade e desvalor da sua conduta e a importância dos bens jurídicos com ela postos em causa, bem como a prevenção da reincidência, com o acompanhamento técnico que se mostre necessário, incluindo a frequência de programas de reabilitação para agentes deste tipo de ilícitos- art.º 54.º nº 4 do CP.

2-Condenar o arguido M. J. a pagar à ofendida L. S., representada pelos seus pais, M. S. e A. C., a quantia de 8.000,00€ acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido até integral pagamento.

Condena-se ainda o arguido nas custas do processo (…).

*Inconformado com a decisão recorreu o ministério público para este tribunal, concluindo o recurso do seguinte modo: A.

  1. Discordando-se vivamente da medida da pena concreta aplicada, afigura-se-nos que o quantum de tal pena se apresenta não só desajustado e desproporcional por benevolente em demasia, como descurando os fins e limites das penas no quadro do binómio culpa-ilicitude dos factos, e o acautelar dos princípios da prevenção geral e especial.

  2. Numa moldura penal abstracta que tem como limite mínimo 1 ano e como limite máximo 8 anos de prisão, a pena concreta de 3 anos de prisão, de forma alguma se apresenta como correcta, legal, ajustada e adequada, sendo demasiado leve, em função da gravidade dos factos praticados, não dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e especial.

  3. O sentimento geral da sociedade de confiança e de expectativa de que não haja crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual só será alcançado com uma reacção punitiva séria e efectiva que não redunde num sentimento geral de impunidade “de facto”.

  4. Os factos praticados são reveladores de um grau de ilicitude acentuado, atento o local da sua prática e o seu prolongar no tempo, sendo os concretos actos sexuais perpetrados pelo arguido, além de diversificados, bem intensos e vincados, revelando-se o arguido obstinado e persistente na satisfação dos seus instintos libidinosos, como perpassa claramente dos factos apurados nos autos.

  5. O arguido – não obstante tenha confessado tardiamente os factos, sendo uma confissão de pouco relevo face à evidência da prova –, não manifestou um concreto e sincero arrependimento, relevando ao invés uma atitude de minimização e atribuição externa de responsabilidade, parcialmente legitimadora, a seu ver, da sua conduta.

  6. Face à evidência duma culpa intensa do arguido, manifestada nos factos, e atentas as elevadas exigências de prevenção que em concreto se fazem sentir, impõe-se a aplicação de uma pena de prisão jamais inferior a 4 anos e 6 meses de prisão.

  7. Tendo violado o disposto nos artigos 40.º e 71.º do C.P., deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, determinar-se a revogação do acórdão na parte em que condena o arguido M. J. pela prática de um crime de abuso sexual de menor dependente na pena de 3 anos de prisão, devendo ser substituído por outro que aplique ao arguido uma pena não inferior a 4 anos e 6 meses de prisão.

    B.

  8. A suspensão da execução da pena de prisão determinada pelo Tribunal a quo apresenta-se desajustada por demasiado branda e benevolente, não dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e especial, inexistindo fundamento para fazer um juízo de prognose favorável.

  9. A gravidade do ilícito global perpetrado, a inclinação criminosa revelada nos factos de forma manifesta atento o seu prolongar no tempo, a manifesta falta de interiorização do desvalor da sua conduta e das consequências da mesma, revelada pela postura assumida pelo arguido, com um seu desresponsabilizar pela “incapacidade de colocar limites” num contexto de “clima afectivo” que foi por si criado, impedem necessária e inelutavelmente a formulação de um juízo de prognose favorável ao arguido.

  10. O Tribunal a quo jamais poderia ter determinado a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, sendo o cumprimento efectivo da pena reclamado e justificado plenamente pelas elevadas exigências de prevenção que em concreto se fazem sentir e pela manifesta ausência de um qualquer juízo efectivo de probabilidade de o arguido não vir a cometer novos ilícitos.

  11. A opção pela suspensão da execução da pena de prisão com a formulação de um juízo prognose favorável ao arguido no caso em si não só não tem uma base concreta real, fidedigna e fiável que a sustente como até vai contra os fins das penas, o grau da culpa e da ilicitude dos factos, os princípios da prevenção geral e especial e, em particular, a própria confiança e segurança da comunidade, cada vez mais perturbada e massacrada por uma criminalidade, em crescendo, atentatória da liberdade e da autodeterminação sexual, estupefacta e apalermada perante tanta benevolência do aparelho judicial.

  12. Tendo violado o disposto no art. 50.º do C.P., deverá conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, determinar-se a revogação do acórdão na parte em que suspende a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, determinando-se a condenação em pena efectiva de prisão – nunca inferior a 4 anos e 6 meses de prisão –, só se assim se evitando o instalar na comunidade de um sentimento geral de impunidade “de facto”.

    Vossas Excelências no entanto, melhor ajuizando, farão como sempre a devida justiça.

    *Também o assistente pai da menor e em representação desta, inconformado, interpôs recurso que concluiu do seguinte modo (transcrição): 1º - Vem o recurso interposto do Douto Acórdão de fls. 627 a 638, proferido pelo Tribunal Coletivo em 20 de Novembro de 2019 que condenou o arguido M. J. na pena de prisão de 3 anos suspensa na sua execução, e no pagamento de uma indemnização à ofendida no valor de €8.000,00.

    1. - O Assistente não concorda nem se conforma com o Douto Acórdão proferido, pois, o qual deve ser revogado.

    2. - Os factos dados como provados impunham condenar o arguido numa pena de prisão EFECTIVA nunca inferior a 5 anos, bem como a atribuição de uma indemnização à ofendida L. S. nunca inferior a cinquenta mil euros.

    3. - Atendendo aos factos dados como provados, a aplicação de uma pena de prisão de 3 anos ao arguido, suspensa na sua execução em igual período, determina que o Douto Acórdão agora recorrido viole os artigos 40º e 71º do Código Penal.

    4. - A finalidade das penas constituí em primeiro lugar, a protecção de bens jurídicos, protecção essa que é alcançada por punir a conduta do agente que praticou o crime e violou o bem jurídico em causa, e ao mesmo tempo passar a mensagem à sociedade que a prática do crime é punida, servindo quer como elemento dissuasor da prática de crimes futuros, bem como um elemento gerador de confiança e segurança da comunidade.

    5. - Tendo em conta o bem jurídico violado em causa nos presentes autos, e a gravidade da culpa do arguido, dúvidas não podem restar que a aplicação de uma pena de prisão de 3 anos, SUSPENSA, é no mínimo benevolente.

    6. - A culpa do arguido é GRAVISSIMA, pois como resulta da matéria de facto dado como provada, o arguido era professor de educação física, Director de turma e professor de xadrez da ofendida, que à data dos factos tinha 14 anos de idade. (factos provados nº 4, 5 e 6).

    7. - E aproveitando-se dessa posição, bem como da fragilidade da menor (factos provados nºs 33, 34, 36) o arguido traçou um plano com vista a satisfazer os seus desejos sexuais.

    8. - A nossa sociedade não pode confiar na justiça, e sentir-se segura, se não tiver a certeza que este tipo de crimes praticados pelos professores sobre os alunos é exemplarmente punido.

    9. - Os actos sexuais praticados pelo o arguido são gravíssimos, conforme ficou provado nos factos nºs 20, 21 e 22 supra descritos.

    10. - E que o arguido só não penetrou a menor porque esta recusou num primeiro momento, (facto provado nº 24) e porque o comportamento do arguido foi posteriormente descoberto. (factos provados nºs 29 e 30).

    11. - A que acresce que este comportamento do arguido para com a menor teve a duração de 3 meses, com grande parte dos factos a ser praticados nas instalações da escola (factos provados nº 11, 12, 13, 15, 17 e 27).

    12. - Não obstante a confissão dos factos, a verdade é que o arguido desvalorizou o seu comportamento, tentando passar ao longo do julgamento que a culpada desse comportamento era da menor, com 14 anos na altura dos factos. (facto provado nº 65).

    13. - Esta sentença Não está à altura do bem jurídico violado, não cumpre minimamente as suas funções de prevenção geral e especial, e principalmente não pune o comportamento do arguido.

    14. - E nem sequer se fale da irrisória quantia atribuída a título de indemnização, pois o Douto Tribunal a quo, nem sequer condicionou a suspensão da pena ao pagamento da indemnização à menor.

    15. - Assim, o arguido pode nem sequer pagar, nem ter por onde pagar, a indemnização resultante da condenação. Resultando assim a sua condenação num VAZIO de consequências.

    16. - A Douta Sentença agora recorrida tem que obrigatoriamente ser substituída por uma que condene o arguido em pena de prisão não inferior a 5 anos.

    17. - Pena essa cuja execução NÃO PODE SER SUSPENSA.

    18. - Atendendo ao tipo de crime, à culpa supra demonstrada do arguido, ao dolo, bem como a relação de professor-aluno que existe nos presentes autos, a suspensão da execução da pena transmite um SINAL...

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