Acórdão nº 46/17.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO L..........., LDA inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº 271/2016-T, veio ao abrigo do disposto nos artigos 27.º e 28.º, nº1, alínea d), do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), interpor impugnação dessa decisão, finalizando a sua petição inicial com a formulação das seguintes conclusões: «A.No presente processo vem impugnada a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 271/2016-T; B.Em causa no sobredito processo arbitral esteve a apreciação da legalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios respeitantes a todos os trimestres dos exercícios de 2012 e 2013, no valor total de € 178.697,77 - as Liquidações Contestadas -, que respeitam aos serviços prestados por três terapeutas com formação em fisioterapia e osteopatia, serviços esses prestados na Clínica da Impugnante; C.Tais Liquidações Contestadas foram emitidas pela AT, para o que importa aos presentes autos, com base no entendimento de que tais serviços prestados pelos três terapeutas não estavam abrangidos pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA (que isenta daquele imposto as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas) uma vez que (i) tais Terapeutas prestavam serviços de osteopatia (para os quais não põe naturalmente em causa que estivessem devidamente habilitados) que não se encontram abrangidos pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA; e (ii) embora sem pôr em causa as habilitações e a formação dos Terapeutas enquanto fisioterapeutas, entendeu a AT que estes não possuíam, à data dos factos tributários, de cédulas emitidas para o efeito, o que constituía, no entendimento da AT, impedimento para a aplicação da isenção de IVA; D.Por sua vez, a Impugnante reputou tais Liquidações Contestadas ilegais por violarem, de forma flagrante, o ordenamento jurídico tributário em vigor, designadamente o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, já que ao prestar serviços que são indistintamente de fisioterapia e de osteopatia (por serem estes os conhecimentos de base dos Terapeutas, formados em fisioterapia e com formação adicional e complementar em osteopatia), os referidos serviços deveriam, segundo a melhor interpretação que faz a Impugnante da norma do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA e a mais conforme ao direito comunitário, considerar-se isentos daquele imposto, argumento com base no qual apresentou o pedido de pronúncia arbitral na origem dos autos arbitrais aqui em crise; E.Sucede que, em virtude de alteração legislativa introduzida no decurso dos autos arbitrais em apreço (em concreto, após a apresentação de alegações finais por parte da Impugnante) pela Lei º1/2017, veio o legislador esclarecer, com natureza interpretativa, que "Aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas ",i.e., o regime de isenção de IVA previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA; F.Tal alteração legislativa foi oportunamente comunicada pela Impugnante aos autos, tendo a Impugnante peticionado a anulação de todas as Liquidações Contestadas com fundamento (superveniente) na alteração legislativa introduzida pela Lei 1/2017 à qual foi atribuído caráter interpretativo (cf. n.ºs 29 a 33 e 84 a 95 das alegações finais e requerimento apresentado pela Impugnante no dia 18 de janeiro de 2017); G.Diversamente, a AT optou por ignorar e não se pronunciar sobre tal alteração legislativa, mantendo integralmente o fundamento legal no qual baseia o seu pedido de manutenção das Liquidações Contestadas na ordem jurídica já invocado no Relatório Final de Inspeção na origem das Liquidações Contestadas e de Reposta apresentada nos autos, i.e., o de que: (i). Os Terapeutas praticam operações de osteopatia que não se encontram abrangidas pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, pois não configuram profissões paramédicas; e (ii). As operações de fisioterapia praticadas pelos Terapeutas não se encontram abrangidas pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA já que os Terapeutas não dispunham de cédula profissional à data dos factos, em violação do Decreto 261/93.

H.Após a análise das questões suscitadas pela Impugnante no pedido de pronúncia arbitral na origem da decisão arbitral que ora se impugna, decidiu o Tribunal Arbitral pelo deferimento parcial do pedido apresentado pela Impugnante, então Requerente, determinando a anulação parcial das Liquidações Contestadas, nos seguintes termos: (i). É anulada a liquidação de IVA n.º 2015 014374093, referente ao quarto trimestre de IVA de 2013 (201312T), no valor de € 21.785,12 e correspondentes juros compensatórios, por se entender que os serviços prestados nesse trimestre pelos Terapeutas da Impugnante se encontravam abrangidos pela isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA em virtude da alteração legislativa introduzida na Lei 71/2013 pela Lei n.º 1/2017 - que veio aplicar às TNC o regime de isenção de IVA aplicável às profissões paramédicas, conforme veremos com detalhe infra -, e à qual foi conferida natureza interpretativa; e (ii). São mantidas as demais Liquidações Contestadas no valor total de € 155.354,26 (dos quais € 139.658,95 a título de imposto e € 15.695,31 a título de juros compensatórios), por entender que tais Liquidações Contestadas: • não beneficiam da isenção de IVA prevista no n . º 1 do artigo 9.º do Código do IVA mencionada supra por respeitarem a factos anteriores à Lei 71/2013, alterada pela referida Lei 1/2017 - segmento decisório que a Impugnante reputa nulo, por violação do princípio do contraditório nos termos da al. d) do artigo 28.º do RJAT, nos termos melhor analisados infra; e • não beneficiam da isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA mencionada supra pois muito embora os terapeutas disponham das habilitações académicas como fisioterapeutas, não dispunham de cédula profissional regularmente emitida à data dos factos tributários e, portanto, não podiam beneficiar no exercício da sua atividade paramédica da isenção de IVA por inobservância dos requisitos de que legalmente depende a aplicação de tal isenção; I.Independentemente da bondade e razoabilidade de tal entendimento propugnado pelo Tribunal Arbitral - que, não obstante questionadas pela Impugnante, não merecem nesta sede qualquer apreciação, por não estarmos em presença de uma instância recursiva -, a verdade é que o segmento decisório da decisão arbitral que decide manter as Liquidações Contestadas apesar da alteração da lei, padece de nulidade, já que foi proferida em atropelo e flagrante violação do princípio do contraditório que deverá nortear o processo arbitral nos termos da al. a) do artigo 16.º do RJAT e cuja violação consubstancia fundamento de impugnação da decisão arbitral, nos termos da al. d) do artigo 28.º do RJAT: J.Com efeito, optou o Tribunal Arbitral pela manutenção na ordem jurídica das Liquidações Contestadas com um fundamento - o de que a alteração legislativa promovida pela Lei l /2017 apenas se aplica aos factos tributários ocorridos após a entrada em vigor da Lei 71/2013, i.e., 2 de outubro de 2013, assim limitando o caráter interpretativo conferido pelo legislador a tal alteração legislativa - que não veio invocado por nenhuma das partes como fundamento para os pedidos formulados e que não foi suscitado em momento algum durante os autos arbitrais e não foi, por esse motivo, objeto de pronúncia quer pela Impugnante, quer pela AT; K.Tal fundamento é, por esse motivo, um fundamento de direito novo, sobre o qual o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, sem que tenha contudo chamado as partes a pronunciar-se sobre o mesmo; L.Ora, o princípio do contraditório constitui um princípio processual que deverá nortear o processo arbitral, expressamente elencado na al. a) do artigo 16.º do RJAT, que estabelece que "constituem princípios do processo arbitral o contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo", princípio este de decorrência constitucional, encontrando amparo no princípio constitucional da participação dos administrados nas decisões que lhes digam respeito, já que, nos termos do n.º 5 do artigo 267.º da CRP, "o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito" [sublinhado da Impugnante] (e cf. densificado pela jurisprudência, v.g., acórdão proferido pelo TCA Sul, proferido no processo n.º 08233/14, de 4 de junho de 2015); M.No que diz respeito à participação na decisão em matéria de direito, tem a doutrina avançado que para o cumprimento do princípio do contraditório como decorrência do princípio constitucional da participação das partes nos termos do n.º 5 do artigo 267.º da CRP se impõe que estas se pronunciem sobre os fundamentos que invocam e respondam aos argumentos de direito invocados pela contraparte, designadamente no âmbito das alegações finais; N.Mas tal pronúncia não bastará, em alguns casos, para que se tenha por observado o referido princípio do contraditório já que, inúmeras vezes, surgem no âmbito do processo - e mesmo após as alegações finais - questões de direito novas (v.g., LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios...

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