Acórdão nº 475/18.1T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 475/18.1T8PTG.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório (…), (…) e (…) (Autores) intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (...), (…), (…), (…), (…) e (…), na qualidade de herdeiros de (…) (Réus), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência: - Declarar-se que os Autores são os únicos proprietárias e legítimos possuidores do prédio rústico sito e denominado "(…)", da atual união de freguesias da Sé e S. Lourenço, concelho de Portalegre, com a área de 6.66 hectares, encontrando-se inscrito na matriz respetiva sob o artigo (…), secção C, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o nº (…), a folhas 179 do livro B-15; - Ser judicialmente declarado e reconhecido que os Autores adquiriram por usucapião, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno com cerca de 1 hectare de área, de configuração retangular, que confina a Sul com o prédio dos Réus, a Norte com a azinhaga (…) e que se encontra englobada no prédio rústico destas supra identificado; e - Seremos Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre a dita parcela de terreno prédio, abstendo-se da prática de qualquer ato que contenda com tal direito de propriedade.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que os Autores são proprietárias do prédio rústico sito e denominado “(…)”, o qual adquiriram por sucessão de (…), respetivamente marido da primeira Autora e pai da segunda, mantendo o referido prédio, ao longo dos anos, a configuração geométrica e as estremas com que hoje se apresenta, as quais terão sido definidas pelos primitivos proprietários (…) e mulher, sendo que, pelo menos, desde 27 de maio de 1980, que os sogros e avós das duas Autoras e, posteriormente, o marido e pai destas, até ao falecimento deste, e atualmente as próprias, usaram e usam, à vista de todos e sem oposição de ninguém, o referido prédio, com a área e delimitações que ainda hoje estão fisicamente evidenciadas no mesmo, pelos marcos nele apostos, pela rede ovelheira e pelo muro em pedra em todo o seu perímetro, do qual faz parte uma parcela de terreno com aproximadamente 1 hectare de área, de configuração retangular, que confina a Sul com o prédio dos Réus e a Norte com a (…), sendo percetível para qualquer pessoa onde começa e onde acaba o prédio dos Autores, já que está perfeitamente delimitado dos prédios vizinhos, comportando-se os Autores como únicos proprietários e legítimos possuidores, com a convicção de não perturbarem terceiros, assim agindo pacificamente há mais de 37 anos e, antes deles, os anteriores possuidores.

Mais alegaram que os Réus são proprietários do prédio misto denominado “(…)”, o qual adquiriram por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de (…) e (…), sendo os Réus (…) e (…) herdeiros da (…), filho daqueles, sendo que ambos os prédios (das Autoras e dos Réus) tiveram origem num mesmo prédio.

Alegaram igualmente que, no passado dia 29-03-2018, os Réus (…) e (…), acompanhados de um indivíduo cuja identificação ignoram, trespassaram a rede ovelheira e muro de pedra que divide, delimita, pelo lado norte do seu prédio, o prédio dos Autores e, sem autorização, entraram no prédio rústico destes, dizendo que iam tomar posse de uma parcela de terreno deste prédio, com cerca de 1 hectare, alegando que a mesma não pertencia aos Autores, tendo estes sido obrigados a chamar a PSP ao local para registar a ocorrência.

Alegaram, por fim, que as duas Autoras, únicas e universais herdeiras de (…) e, os seus sogros e avós, na qualidade de antepossuidores do dito prédio, exerceram e exercem até à atualidade atos de posse pública, pacífica e por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre a aludida parcela de terreno, assim, se outro título não tivesse, as duas Autoras sempre teriam adquirido, nos termos do art. 1287.º do Código Civil, por usucapião, o direito de propriedade sobre a referida parcela de terreno com a área de 1 hectare, de configuração retangular, que confina com o prédio dos Réus pelo lado Sul, e a Norte com a (…), usucapião que expressamente invocam.

…Os Réus (…), (…), (…), (…), (…) e (…) contestaram, por impugnação, alegando, em síntese, que os Autores com esta ação apenas pretendem usurpar uma parte indefinida da propriedade rústica dos Réus, sendo que os Réus não põem em causa que o prédio (…), conforme está descrito na Conservatória e descrito na matriz, é propriedade dos Autores, o que não reconhecem é a tentativa de apropriação ilegítima, seja a que título for, nomeadamente por usucapião, da parcela de terreno com cerca de 1 hectare de área que pertence ao prédio (…), sendo os Réus quem paga o IMI de tal parcela de terreno, negando ainda a existência de marcos a separar os prédios (…) e (…).

Concluíram, por fim, que a presente ação deve improceder por não provada, sendo os Réus absolvidos dos pedidos.

…Realizada a audiência prévia, não foi possível a conciliação das partes. Os Autores foram notificados para, em 10 dias, aperfeiçoarem a petição inicial de forma a concretizarem a delimitação da parcela de terreno que se reportam como tendo 1 hectare.

…Cumprindo o determinado, os Autores juntaram aos autos petição inicial aperfeiçoada, tendo os Réus apresentado, de igual modo, contestação.

…Proferido despacho saneador, foi fixado o valor da ação em € 30.000,01.

…Realizada perícia ao local, o relatório pericial mostra-se datado de 02-04-2019.

…Os Réus invocaram a nulidade da perícia realizada e apresentaram reclamação do relatório pericial.

…Por despacho judicial foi indeferida a invocada nulidade da perícia e deferida a reclamação, sendo notificado o Perito para responder aos esclarecimentos solicitados, aos quais apresentou resposta datada de 30-05-2019.

…Realizado o julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 11-02-2020, com o seguinte teor: Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, julgo a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência: a) Reconheço o direito de propriedade dos Autores referente ao prédio rústico denominado (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…), da União de Freguesias de Sé e São Lourenço e inscrito sob o artigo (…), secção C da mesma União de Freguesias; b) Reconheço o direito de propriedade dos Autores referente à parcela de terreno de configuração rectangular, com área aproximada de 2 hectares, que confronta pelo Norte com (…), pelo Sul com o prédio melhor identificado em 5, propriedade dos Réus, por Nascente com o prédio melhor identificado em 1, propriedade dos Autores e por Poente com (…), composta por um número não concretamente apurado de oliveiras, 7 sobreiros, e por um número não concretamente apurado de azinheiras e carvalhos melhor identificada nos factos 7 e 8 dos factos provados; c) Condeno os Réus a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores e a entregarem a parcela supra identificada livre de pessoas e bens.

Custas da acção a cargo dos Réus.

…Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso, apresentado as seguintes conclusões: 1.

O facto 14 dado como provado é incompleto padece de incompletude, ao omitir que além de apascentarem o seu gado os cessionários da parcela em disputa também ali cortavam o mato, podavam as oliveiras e colhiam azeitona; 2.

Face ao reconhecimento no art. 14º da cedência da exploração da parcela em causa durante 20 anos, pelos cessionários, não poderia a Mmª Juíza dar como provado que os AA. tivessem ali efetuado as mesmas operações que os cessionários durante 30 anos.

  1. Não é física, nem juridicamente, verdade que a “arrecadação” construída pelos AA. se situa na parcela em disputa. Este facto não pode ser dado como provado. Resulta de lapso manifesto.

  2. Não se provou que os AA. tivessem feito uma utilização conjuntada da parcela em causa, a que respeitam os factos 7 e 8 e do prédio identificado como facto 1.

    Por incompatível com o facto 14.

  3. Os AA. ao cederem a exploração da parcela em disputa aos cessionários há 20 anos, perderam a posse desta , nos termos do art. 1267º, nº 1, al. c), do C. Civil.

  4. De igual modo face ao disposto no art. 1264º do C. Civil, os AA. transferiram a posse para o cessionário (…) ao transmitir-lhes essa posse há cerca de 20 anos.

  5. Este, por seu turno transferiu a posse para sua mulher (…) em 2009, que a manteve até 2016.

  6. Que, então a transferiu para seu filho até ao presente.

  7. Face a esta sucessão de transmissões, com as consequentes transferências da posse desta parcela, não pode dar-se como provado que os AA. ou seus antecessores, detiveram a posse nos últimos trinta anos.

  8. Nem sequer nos últimos 15 anos conforme determinado no 2º tema da prova, no Despacho Saneador.

  9. Não se verifica, assim, o requisito prova pacífica e reconhecida por 15 anos por parte dos AA.

  10. Não verificada esta condição/requisito legal para poder operar a usucapião, não poderia a Mmª Juíza declarar essa aquisição de propriedade.

  11. Ao fazê-lo comete um erro de julgamento.

  12. Era seu dever, perante tal factualidade, declarar a ação improcedente por não provada.

  13. Assim, deverá esta Sentença ser anulada.

  14. Legalmente, com a publicação da Lei 89/2019, de 3/9, ficou sanada a dúvida antes existente sobre se o artigo 1376º do C. Civil ao proibir o fracionamento de terrenos aptos para cultura com área inferior à unidade de cultura integrava, ou não, o conceito de “salvo disposição em contrário” constante do artigo 1287º do C. Civil que consagra a noção de usucapião.

  15. In casu, 7,5 ha para terrenos de sequeiro ou mais recentemente 48 ha.

  16. Esta é uma lei interpretativa que fixa o sentido do disposto no artigo 1376º, nº 1.

  17. E no seu artigo 48º, nº 2, consagra expressamente que não pode ser adquirido por usucapião o direito originário de propriedade de terrenos de cultura...

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