Acórdão nº 4725/17.3T9CBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO S.

, assistente nos autos, veio interpor recurso da decisão instrutória de fls. 591/607, na parte em que: - por inadmissibilidade legal da instrução, rejeitou o requerimento para abertura de instrução por si apresentado (a fls. 318/322 – no qual requereu a pronúncia dos arguidos M., A. e C. pela prática do crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382º do CP); - não pronunciou o arguido A. pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, n.º 1, do CP, que lhe havia imputado.

* A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde refere que: DECISÃO RECORRIDA 1.

A decisão de que se recorre é a Decisão instrutória de 29.10.2019, na parte em que decide “rejeitar o […] requerimento de abertura de instrução [apresentado pela Assistente] por inadmissibilidade legal da instrução”, assim como na parte em que decide não pronunciar o Arguido A.

[…] pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º n.º 1, do Código Penal”.

FUNDAMENTOS DE RECURSO 2.

São fundamentos de recurso os seguintes: a.

A violação do caso julgado formado pelo Despacho proferido nos presentes autos a 5.06.2019, na parte em que decidiu julgar legalmente admissíveis o requerimento (de abertura) e a instrução requerida pela Assistente Recorrente; b.

Erro na subsunção dos factos ao direito, na parte em que decide não pronunciar o Arguido A. pelo crime de difamação por que se encontrava acusado, apesar de reunidos indícios suficientes da prática do crime.

DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO FORMAL 3.

A 05.06.2019 foi, pelo Tribunal a quo, proferido Despacho nos termos do artigo 287.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, tendo o mesmo Tribunal expressamente julgado tempestivo e legalmente admissível o requerimento apresentado e a instrução requerida pela Assistente Recorrente.

  1. Deste despacho não foi interposto qualquer recurso ou impugnada a respetiva validade ou eficácia, pelo que o mesmo se considera legalmente transitado em julgado.

  2. Por via da Decisão recorrida – primeiro segmento –, foi violado o caso julgado formado pela decisão de 05.06.2019.

  3. Depois de receber o requerimento de abertura de instrução, julgá-lo legalmente admissível e declarar aberta a instrução, o juiz de instrução está impedido de decidir, posteriormente, em sede de decisão instrutória, reverter a sua anterior decisão e declarar a inadmissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução já julgado legalmente admissível por decisão anterior, transitada em julgado, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito democrático.

  4. A Decisão recorrida violou o disposto nos artigos 620.º, n.º 1 e 625.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP.

  5. Por já ter decidido julgar legalmente admissível a instrução requerida pela Assistente Recorrente, cabia apenas ao Tribunal a quo decidir sobre a reunião, ou não, de indícios suficientes dos factos e crime imputados pela Assistente no requerimento de abertura de instrução que apresentou.

  6. Tal questão deve ser apreciada em primeiro lugar pelo Tribunal a quo, assim se preservando o duplo grau de jurisdição que, quanto a essa questão, é expressa e legalmente previsto.

  7. O mesmo é imposto, como se conclui, em face do caso julgado formado pela decisão que julgou legalmente admissível a instrução requerida pela Assistente Recorrente.

  8. Nestes termos, em obediência ao disposto nos artigos 620.º, n.º 1 e 625.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, revogar a Decisão instrutória recorrida, na parte em que decide “rejeitar o […] requerimento de abertura de instrução [apresentado pela Assistente] por inadmissibilidade legal da instrução”, determinando ao Tribunal a quo que, nos termos dos artigos 307.º e 308.º do Código de Processo Penal, profira decisão instrutória que, apreciando os indícios reunidos contra os Arguidos contra quem foi apresentado requerimento de abertura de instrução, imputando-se-lhes um crime de abuso de poder, decida pela sua pronúncia, ou não, em face do julgamento que realizar.

    DA SUFICIÊNCIA DE INDÍCIOS DO CRIME DE DIFAMAÇÃO IMPUTADO AO ARGUIDO A.

  9. Os mesmos fundamentos que conduziram o Tribunal a quo a pronunciar o Arguido M., impunham, igualmente, a pronúncia do Arguido A..

  10. Por via das expressões concretamente empregues pelo Arguido A. e pelo facto de o mesmo as concretizar numa lógica sequencial de mensagens de correio eletrónico, que se sucedem umas às outras, aquele renova a intenção criminosa do Arguido M..

  11. O Arguido A. não só concorda como reforça as considerações ofensivas da iniciativa do Arguido M., merecendo, por isso, o mesmo juízo de censurabilidade criminal que se firmou quanto àquele.

  12. Ademais, a alusão à decisão de pretender eliminar o endereço de correio eletrónico utilizado pela Recorrente em associação à Faculdade de (...) da Universidade do (...) e de transmitir ao superior hierárquico da Assistente aquilo que o Arguido M. lhe transmitiu, evidencia, igualmente, da parte do Arguido A., uma intenção clara de exponenciar a ofensa das expressões transmitidas por aquele.

  13. Impõe-se submeter a julgamento os Arguidos M. e A., por todos os factos narrados na acusação particular.

  14. Assim, por se terem reunido indícios suficientes da prática, pelo Arguido A., enquanto autor material, do crime imputado na Acusação particular deduzida pela Assistente Recorrente, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, revogar a decisão recorrida, na parte em que não pronuncia o Arguido A. pelo crime de difamação por que foi acusado e, em face do disposto no artigo 308.º, n.º 1, primeira parte, do CPP, deverão proferir decisão que o pronuncie por esse crime, enquanto autor material.

  15. Devendo, igualmente, ser revogada a decisão recorrida na parte em que limita o julgamento de facto aos pontos 1, 2, 4, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 24 e 25 da acusação particular, sendo a mesma substituída por outra que pronuncie os Arguidos por todos os factos deduzidos na Acusação particular.

    * A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos: «- Entende a Recorrente que, face ao caso julgado formal do referido despacho, não poderia a decisão instrutória ter decidido rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente em virtude de o mesmo ser omisso quanto ao prejuízo que a assistente teve ou os benefícios que os arguidos obtiveram e quanto ao elemento subjectivo do crime de abuso de poder imputado àqueles pela assistente.

    - Decorre quer da jurisprudência quer da lei que os despachos meramente tabelares, proferidos no âmbito do processo penal, porque não conhecem concretamente de questão que se vem a debater mais tarde, não têm força de caso julgado.

    - O despacho proferido a 05.06.2019 não tem força de caso julgado quanto às referidas questões, pelo que a decisão instrutória não põe em causa este princípio.

    - O despacho que declara aberta a instrução não se pronuncia nesta fase quanto ao conteúdo do requerimento de abertura de instrução nem sobre o mérito da causa.

    - O caso julgado, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão.

    - O caso julgado formal apenas tem força dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes, pelo mesmo tribunal ou por outro, entretanto chamado a apreciar a causa.

    - Só a decisão que conheça de questões concretas produz o efeito de caso julgado formal e já não aquela que se limita a declarar, genericamente, a fórmula vaga e abstracta «por legais e tempestivos, admito os requerimentos de abertura de instrução apresentados (…)».

    - No caso concreto, o despacho de admissão da abertura de instrução é meramente tabelar, limitando-se a declarar a tempestividade e legalidade do requerimento de abertura de instrução, pressupondo-a em termos genéricos, razão pela qual não deverá ter a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa questão.

    - Nestes termos, o despacho proferido nos autos que considerou genericamente legal e tempestivo o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não obsta a que, posteriormente, em sede de decisão instrutória, o Mmo. Juiz de Instrução rejeite o requerimento de abertura de instrução por ser omisso quanto ao elemento subjectivo do ilícito imputado aos arguidos e quanto a alguns dos elementos objectivos do crime em análise.

    - Por outro lado, ao contrário do que defende a Recorrente, tal como bem entendeu a decisão instrutória ora recorrida, nos e-mail’s subscritos pelo arguido A. inexiste qualquer expressão ofensiva da honra e consideração da assistente.

    - O facto de o arguido A. declarar em tais e-mail’s que ia tentar bloquear o e-mail da assistente, que lhe foi transmitido pelo líder do grupo geotécnico do IPG que este pensa que a mesma não pediu na universidade para assistir às conferências e que entregou uma justificação médica para explicar a sua ausência bem como as expressões “o que, mais uma vez, é de loucos”, “o problema agora é ela achar que não há limites” não atingem o núcleo essencial das qualidades morais da assistente, sendo atípicas.

    - Ao Direito Penal compete apenas uma protecção subsidiária dos bens jurídicos, limitando-se a reacção penal aos casos de flagrante ruptura ou interrupção da convivência social entre os cidadãos, surgindo como uma resposta do ordenamento jurídico de “ultima ratio”, não sendo a resposta penal o único meio de protecção da sociedade, mas apenas o seu último recurso...

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