Acórdão nº 3710/18.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1. A… e F…, instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra … Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia total de 516.160,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data do acidente e até efectivo e integral pagamento, sendo: 15.000,00 € a título de indemnização pelo sofrimento da vítima desde a data do acidente até à data da sua morte; 100.000,00 € a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima; 35.000,00 € a A…, a título de indemnização pelo sofrimento da perda do seu marido; 45.000,00 € a F… a título de indemnização pelo sofrimento da perda do seu pai; e 321.580,00 € a título de lucros cessantes resultantes do que a vítima iria auferir até à idade da reforma e depois desta.

Em fundamento da sua pretensão alegaram, em síntese, que, no dia 27 de Novembro de 2015, ocorreu um acidente de viação na sequência do qual faleceu V…, marido e pai, respectivamente, dos 1.ª e 2.º Autores, que foi embatido pelo veículo automóvel de matrícula …GZ, segurado na Ré, sendo o condutor deste último responsável pela ocorrência do sinistro por, para além de conduzir sob a influência do álcool, não ter adequado a velocidade a que seguia de forma a não embater na vítima que se encontrava a trabalhar na via, então devidamente sinalizada.

  1. A R. contestou, aceitando a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente aqui em causa, por via do invocado caso julgado relativamente aos factos da sentença penal condenatória do condutor do veículo, defendendo, no entanto, que são excessivos os danos e os montantes peticionados, e impugnando parte dos danos invocados.

    Mais formulou pedido de intervenção principal provocada das Seguradoras …, SA, para que venha aos autos deduzir o respetivo pedido de reembolso das quantias que tenha pago aos Autores relativas ao acidente de viação dos autos, que foi simultaneamente um sinistro de trabalho; e solicitou a intervenção acessória provocada de M…, com fundamento no facto deste, enquanto interveniente no acidente de viação em causa nos autos, ser responsável pelo mesmo e conduzir sob a influência do álcool.

  2. Admitidas as requeridas intervenção principal e acessória, Seguradoras …, SA, apresentou articulado pedindo a condenação da Ré … Companhia de Seguros SA, no pagamento da quantia de 42.104,58 €, relativa a indemnização pelo acidente de trabalho sofrido por V… do qual resultou o seu falecimento, acrescida de juros vencidos desde a data dos pagamentos efetuados até integral pagamento, e M… deduziu contestação cujo desentranhamento foi determinado.

  3. O Instituto de Segurança Social, IP, deduziu pedido de reembolso contra a Ré pedindo o pagamento das prestações por morte de V…, pagas à Autora na qualidade de viúva, e ao Autor, filho menor, entre Dezembro de 2015 e Janeiro de 2019, no valor total de 7.168,18 €, acrescido das prestações pagas na pendência da acção e de juros de mora desde a notificação, até integral pagamento.

  4. A Ré … Companhia de Seguros, SA, deduziu contestação ao articulado da Seguradoras …, SA, impugnando os valores invocados como pagos aos herdeiros do sinistrado, bem como o teor dos documentos juntos, e apresentou contestação ao pedido de reembolso do Instituto de Segurança Social, IP, aduzindo desconhecer a factualidade alegada e impugnando a certidão de pagamentos apresentada, invocando que os eventuais valores pagos devem ser deduzidos ao montante indemnizatório a fixar.

  5. Na audiência prévia foi proferido despacho saneador que fixou o valor da acção, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, tendo sido considerada assente a factualidade relativa à dinâmica do acidente de viação e à condução sob o efeito do álcool, bem como o teor dos artigos 6.º a 35.º da contestação da Ré … Companhia de Seguros SA (fls. 360).

  6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decide-se: a) Condenar a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar aos autores a quantia total de 310.000,00 nos seguintes termos: i. Aos Autores A… e F… em conjunto, na qualidade de herdeiros de V…, o valor total de € 85.000,00, sendo € 80.000,00 pela perda do direito à vida e € 5.000,00 pelo sofrimento da própria vítima; ii. à Autora A… a quantia de € 45.000,00, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento causado pela morte de V… e € 80.000,00 por danos patrimoniais; iii. ao Autor F… a quantia de € 45.000,00, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento provocado pela morte de V… e € 55.000,00 por danos patrimoniais, sendo todas as quantias de i. a iii. acrescidas de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis; 2) Condenar a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar ao Instituto de Segurança Social, IP- Centro Distrital de Faro a quantia de € 7.168,18, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido de reembolso à Ré até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis; 3) Condenar a Ré … Companhia de Seguros SA a pagar à Seguradoras …, SA a quantia de € 42.104,58, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido de reembolso à Ré até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis; 4) Absolver a Ré do demais peticionado».

  7. Inconformada, a Ré apelou, finalizando a respectiva minuta recursória com as seguintes conclusões: «1) Andou mal o Tribunal a quo, porquanto, sendo a idade de reforma 66 anos (Portaria n.º 50/2019, de 8 de fevereiro) e tendo a vítima à data do óbito 33 anos, considerou, para efeitos de cálculo dos lucros de cessantes, 35 anos ao invés de 33 anos, o que, atenta a idade da A., sendo plausível que a mesma venha a refazer a sua vida afetiva e familiar, e ponderado conjuntamente com os fatores levados em conta pelo Tribunal a quo, designadamente que o falecido V… teria despesas/gastos consigo e o facto de a indemnização ser paga de uma só vez (justificando-se um desconto no valor achado), necessário será concluir que a quantia arbitrada à A. €: 80.000,00 e ao A. de €: 55.000,00 não se afigura como justa e, muito menos, equitativa, devendo ser reduzida em conformidade.

    2) Mal andou igualmente o Tribunal a quo, ao condenar a Ré, ora Recorrente, no pagamento €: 80.000,00 à A. A… e €: 55.000,00 ao A. F… a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) e, simultaneamente, condenar a Ré a pagar à Interveniente Seguradoras …, S.A., a quantia de €: 42.104,58, a título de reembolso da indemnização paga aos AA. no âmbito do processo de acidente de trabalho, sem proceder à dedução de igual quantia na indemnização arbitrada aos AA.

    3) Considerando que o pedido feito pelos AA. nos presentes autos, destina-se a colmatar os lucros cessantes que a vítima iria auferir até à idade da reforma; e que, há, nos presentes autos, intervenção da seguradora de acidente de trabalho e, consequentemente, um efectivo exercício do direito de sub-rogação (inexistindo consequentemente qualquer desvinculação da responsabilidade da Ré), é pacífico na jurisprudência que, em caso de acidente de viação que seja simultaneamente acidente de trabalho, as respectivas indemnizações, não são cumuláveis, mas complementares; 4) E, ainda que a responsabilidade infortunística civil assuma o carácter principal, isso não pode jamais resultar no pagamento por parte do Ré de duas indemnizações pelo mesmo dano: uma aos AA. e outra à Interveniente – veja-se designadamente, o acórdão do STJ de 15/02/2018, Proc. 4084/07.2TBVFX.L1.S1 (in www.dgsi.pt) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2012 (Proc. n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1), in www.dgsi.pt.

    5) Ora, tendo o Tribunal a quo dado como provado (facto provado 20) que “A Seguradoras …, SA, no âmbito do acidente de trabalho de V…, pagou aos Autores a quantia total de € 42.104,58, sendo que, para além do valor referido em 19) ao Autor F… a interveniente pagou a pensão anual e temporária de € 1.732,62 desde o dia seguinte ao da morte do sinistrado, tendo esta pensão sido atualizada para o montante de 1.739,60 a partir de 01-01-2016 até 6 de Junho de 2016, tendo pago o montante de € 1.126,24 a título de pensão anual temporária e, desde o dia 6 de Junho de 2016 até à presente data pagou o montante de € 4.783,90 a título de pensão anual temporária a F… e pagou ainda aos Autores aos referidos beneficiários o montante de € 5.533,68 a título de subsídio de morte (artigos 35º a 39º do articulado das Seguradoras …, SA).”, necessário será concluir que os AA. foram ressarcidos dos danos (lucros cessantes) naquele montante no âmbito do processo laboral.

    6) Em suma, sendo a Ré condenada a pagar à Congénere Seguradoras … (ao abrigo do direito de sub-rogação) o valor por aquela pago no âmbito do acidente de trabalho a título de danos patrimoniais, necessariamente se terá de concluir que com essa condenação e respectivo pagamento à Congénere ficará saldada a responsabilidade da Ré para com os AA. em igual montante quanto aos lucros cessantes, e que, com a condenação da Ré no pagamento à Congénere daquele montante ficará extinto o direito de reembolso daquela Interveniente contra os lesados, os AA..

    7) Inquestionável é que, tratando-se do mesmo dano, o qual não pode ser objecto de dupla indemnização. Sendo a Ré devedora das Seguradoras … não pode ser simultaneamente devedora dos AA. daquele montante (já adiantado pela Congénere), sob pena de levar, no caso concreto, a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido na duplicação ou acumulação material de indemnizações, revertendo aquele montante em benefício dos lesados consumando-se num verdadeiro enriquecimento sem causa.

    8) Mal andou pois, o Tribunal a quo, ao duplicar a quantia indemnizatória por conta dos mesmos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT