Acórdão nº 5634/19.7T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Data24 Setembro 2020

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO O Ministério Público instaurou o presente procedimento de entrega do menor I…, filho de A… e de N…, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Convenção de Haia de 1980 (Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças) e artigos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de novembro.

Alegou, em síntese, que a criança de nacionalidade luxemburguesa, deslocou-se a Portugal na companhia da sua mãe, a qual solicitou ao pai que autorizasse a saída do menor do Luxemburgo para território nacional, tendo em vista o gozo de um período de férias. Contudo, a mãe do menor não regressou com o menor ao Grão-Ducado do Luxemburgo, tendo, ao invés, estabelecido residência em Portugal, na localidade da Quinta do Conde, concelho de Setúbal, sem o consentimento do progenitor, razão pela qual este último formulou pedido de regresso do menor junto da Autoridade Central do Luxemburgo.

Citada, a requerida apresentou oposição, requerendo que o Tribunal recusasse o regresso do menor ao Luxemburgo, alegando, em resumo, que se encontra separada do pai do I… desde julho de 2017, e que desde essa data a criança se encontra a residir consigo, não exercendo o progenitor de facto as responsabilidades parentais referentes ao filho de ambos. Nesse seguimento referiu que desde a separação e até à presente data, o pai não contribuiu para o sustento da criança, não a visita, denotando uma atitude de absoluto alheamento da vida do I….

Termina dizendo que a criança se encontra atualmente bem integrada em Portugal, a nível escolar, social e familiar, residindo com a progenitora, a avó materna e o companheiro desta última, referindo que mantém uma relação de maior proximidade afetiva com a família materna do que com a família paterna.

A requerida arrolou testemunhas e juntou prova documental.

Notificado o progenitor da oposição deduzida, o mesmo arrolou testemunhas.

Foram tomadas declarações a ambos os progenitores, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas e à audição da criança e, a final, foi proferida que julgou a retenção em território nacional da criança I…ilícita e, consequentemente, ordenou o seu regresso ao Luxemburgo.

Inconformados com o assim decidido, apelaram o Ministério Público e a requerida progenitora, pugnando pela revogação da sentença, entendendo não estar verificada uma situação de retenção ilícita do I….

O Ministério Público finalizou as alegações com as seguintes conclusões: «1. O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de Direito uma vez que a matéria de facto provada merece a nossa plena concordância.

  1. A matéria de facto provada conduz à conclusão de que, até à deslocação da criança I… para Portugal, em Julho de 2019, desde a separação dos progenitores verificada em Julho de 2017, o progenitor (que solicita o regresso da criança legitimado pela atribuição legal de um direito de custódia) conviveu com o filho por ocasião de festas familiares (de aniversário e Natal), ocasião em que o transporte foi assegurado pela madrinha da criança ou pela própria progenitora.

  2. A matéria de facto provada conduz à conclusão de que até à deslocação da criança I… para Portugal, em Julho de 2019, desde a separação dos progenitores verificada em Julho de 2017 o progenitor não prestou qualquer cuidado ao seu filho nem esteve de qualquer outro modo presente na vida deste, nem sequer através da repartição dos encargos com a sua educação, saúde, vestuário ou despesas inerentes à satisfação das necessidades básicas.

  3. Assim, a factualidade dada por provada impõe que se conclua que o progenitor tinha o direito de custódia da criança mas se demitiu do seu efetivo exercício; não se ausentou, em termos absolutos, da vida do filho mas também não esteve presente na prestação “dos cuidados à criança nos aspetos mais significativos da sua vida (acompanhamento escolar, saúde, alimentação, …”); não exerceu efetivamente o direito de custódia que a Lei Luxemburguesa lhe atribui.

  4. É pressuposto de uma decisão de regresso que se considere que houve, por parte da progenitora, uma violação do direito de custódia atribuído ao progenitor, tendo presente os termos do art. 3º, al. a) da Convenção e da al. a) do nº 11 do art. 2º do Regulamento – o que não se discutimos ter existido.

  5. Mas é igualmente pressuposto daquela decisão que tal violação seja considerada ilícita, sendo pressuposto desta ilicitude que o direito de custódia violado estivesse a ser exercido de forma efetiva, conforme estabelece a al. b) do mesmo preceito e o art. 12º da Convenção, bem como o art. 2º, nº 11, al. b) do Regulamento.

  6. In casu, impõe-se concluir que a intervenção do progenitor na vida do seu filho não é suficiente para se ter por preenchido o conceito de exercício efetivo do direito de custódia e, consequentemente, um de dois caminhos resta: ou considerar lícita a retenção da criança em Portugal ou, considerando-a ilícita, recusar a entrega da criança, numa interpretação da al. a) do art. 13º da Convenção menos restritiva do que a exposta na douta sentença recorrida.

  7. O primado de todas as Leis que regem em matéria de Direitos da Criança é o da defesa do seu Superior interesse.

  8. A interpretação restritiva do disposto na al. a) do art. 13º leva a decisões em que tal interesse cede; leva ao extremo de se ter por admissível a prolação de decisão de recusa da entrega nas situações em que o retentor não é o habitual guardião mas já não naquelas em que o retentor é quem sempre prestou e presta cuidados à criança de forma exclusiva; conduzindo a decisões, como a ora recorrida, de determinação do regresso de uma criança ao país onde o progenitor não guardião reside mas não “está lá” para assegurar as suas necessidades, com a possibilidade até da criança se ver afastada da progenitora, com quem sempre viveu e sempre dela cuidou (hipótese que sempre será de se colocar considerando o atual contexto mundial e as dificuldades que esta poderá encontrar na tentativa de regresso).

  9. Ainda que se concorde com a interpretação restritiva da Mmª Juíza recorrida, no caso dos autos não há, porém, que lançar mão do disposto nos arts. 12º e 13º, al. a) da Convenção porquanto, perante a factualidade provada, impõe-se formular conclusão oposta à vertida na douta sentença recorrida – isto é, impõe-se concluir pelo não exercício efetivo do direito de custódia pelo progenitor requerente do regresso da criança e, consequentemente, concluir ab initio pela licitude da retenção, falhando consequentemente os pressupostos de aplicação dos arts. 12º e 13º da Convenção.

  10. Ao decidir como decidiu a Mmª Juíza violou o preceituado nos arts. 3º, al. b), 12º, 13º, al. a) da Convenção e 2º, nº 11, al. b) do Regulamento porquanto a aplicação dos arts. 12º e 13º da Convenção só é admissível quando a violação do direito de custódia ocorra perante um exercício efetivo desse direito, tal qual o pressupõem o art. 3º, al. b) da Convenção e o art. 2º, nº 11, al. b) do Regulamento, o que, in casu, não se verificou.

  11. E não se tendo verificado uma situação de retenção ilícita são inaplicáveis as normas internacionais supra citadas, não sendo de determinar o regresso imediato da criança ao Luxemburgo.» Por sua vez, a progenitora/requerida rematou a respetiva alegação com as conclusões que se transcrevem: «1. O presente recurso tem em vista a reapreciação da prova gravada pelo veneranda Relação de Évora, porquanto não nos parece que tenha sido feita prova dos factos dados como provados nos pontos 10 e 19 nos precisos termos ali vertidos; 2. Com efeito, a Recorrente não veio para Portugal com o deliberado, antecipado e predeterminado propósito de, ab initio, fixar aí a sua residência permanente e definitiva, com o seu filho; 3. A Recorrente em momento algum se manifestou disponível, caso fosse (como foi) ordenado o regresso da criança ao seu país de origem, para voltar para o Luxemburgo, onde, agora, não possui nem casa, nem trabalho e em cujo país teria de recomeçar tudo do zero, sendo obrigada a ali permanecer contra a sua vontade e apenas para que o progenitor continuasse a não se interessar pelo filho de ambos, a não o visitar, não o ir buscar, etc.!...

  12. Da factualidade provada, terá de se concluir que o progenitor não tinha o direito de custódia e de guarda do menor, ainda que partilhado conjuntamente com a sua ex-companheira, até porque a noção de guarda ou de custódia não reside apenas no direito de fixar residência da criança, mas também (e sobretudo) na prestação de cuidados pessoais à criança inerentes à...

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