Acórdão nº 50/20.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) apresentou recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 15.05.2020, que anulou a decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (CD_FPF), de aplicação de pena disciplinar de multa ao S...

- Futebol Sad.

, no âmbito do processo disciplinar n.º 70-2018/19, no valor de 9.560.00 (nove mil quinhentos e sessenta euros), pela prática da infracção disciplinar “lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros”, prevista e punida no art. 112.°, n°s 1 e 4, do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RD_LPFP).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso concluindo nos seguintes termos: «(…) 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 18 de maio de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o n.º 35/2019.

  1. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a sanção de multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 70-2018/2019, que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 112.º n.ºs 1 e 4, do RD da LPFP.

  2. Em causa nos presentes autos estão declarações proferidas pela Recorrida no seu Twitter oficial com o seguinte teor: "Um campeonato desvirtuado Mais uma jornada, mais uma demonstração da falência da arbitragem em Portugal, da incoerência dos seus critérios e da sua clara interferência na classificação em prol do "status quo" vigente.

    Este domingo, contra o S..., assistimos a mais um rol de decisões inacreditáveis em prejuízo do S....

    Desde logo, um penálti por assinalar por jogo perigoso com contacto sobre P…… (17'.).

    Aos 57', porém, seria indevidamente marcada grande penalidade a favor do S..., apesar de não existir falta de E…..

    Tão instável como o critério técnico foi o critério disciplinar com J…., (61') e F….. (78'79) a escaparam a claras infrações merecedoras do 2.º cartão amarelo.

    Nos momentos de decisão, o S... foi sempre impedido de disputar 3.º lugar, sendo também flagrante a forma como o nosso competidor direto foi constantemente favorecido, jornada após jornada, para que o topo da tabela refletisse a hierárquica crónica." 4. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.

  3. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.

  4. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.

  5. Assim, quando analisado o artigo 112..º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.

  6. Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrida tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.

  7. A Recorrida tem, designadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" {artigo 19.º, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP18); "usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de "zelar porque dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RC da LPFP); de "incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (...) intolerância nas competições" (Regulamento de Prevenção da Violência da Liga Portugal); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP).

  8. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.

  9. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..

  10. Com efeito, para que a Recorrida seja condenado pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.º, n.ºs 1 e 4, ambos do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.

  11. Ao contrário daquilo que entende o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.

  12. Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.

  13. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.

  14. O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das declarações produzidas e difundidas pela Recorrida em órgão de comunicação social de sua propriedade, não têm qualquer relevância disciplinar pois não configuram uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.

  15. E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.

  16. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.

  17. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 112.º do RD da LPFP) é, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.

  18. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.

  19. A Recorrida sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.

  20. Com efeito ao contrário do que entendeu o tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações da Recorrida não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outro(s) competidor(es); 23. Para além de imputar a tais equipas de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.

  21. Neste sentido, o STA já se pronunciou em processo cuja matéria era muito idêntica à dos presentes autos, tendo entendido, de forma clara que imputações destas "atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.".

  22. Assim, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT