Acórdão nº 648/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

O Ministério da Administração Interna vem, no âmbito da presente acção de impugnação do despacho da Senhora Directora do SEF, datado de 30/01/2020, que considerou que o pedido de protecção internacional apresentado por O..., ora Recorrido, é inadmissível e determinou a sua transferência para Itália, interpor recurso da sentença proferida no TAC de Lisboa que condenou o Recorrente: “a) a reconstituir o procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional [art.º 36.º e ss. da Lei do Asilo] apresentado por O..., procedendo à sua instrução cabal ¯ e subsequente audiência prévia do interessado ¯ para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do art.º 3.º/2 do Regulamento Dublin III relativamente à prefigurada transferência para Itália; e b) a apreciar as informações coligidas e decidir de acordo com os critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia ─ em diálogo com o TEDH ─, uma vez que está em causa aplicação de direito da União, sendo imposta a observância do sentido e âmbito dos direitos fundamentais em causa garantidos pela CEDH.”.

Formulou as seguintes conclusões: 1. “Resulta evidente que o Tribunal recorrido na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2. O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia a Itália (cf. art.

9 252, n.

9 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.

9 379, n9 1 da Lei n.

9 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 3. De harmonia com o art.

º 25º nº 2 do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.

º 37º, nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.

º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 15/01/2020, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, aceite tacitamente.

  1. Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional Adjunta, nos termos dos artºs 19º-A, n9 1, a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 5. "Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factuaiidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei n9 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.s, n.- 2, lhe impunha a atuação levada a efeito " (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. n9 08319/11); 6. Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

  2. Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).

  3. Estamos perante um procedimento em que o Estado Membro responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no artigo 23º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18º, do mesmo Regulamento.

  4. Estatui a alínea a) do n° 1 do art.

    5 19°-A da Lei 27/2008, de 30 de junho que "O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".

  5. Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional", o capítulo IV estabelece no art.s 36° que "quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capitulo”.

  6. Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do n° 1 do art.s 37°, "a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um "procedimento especial ", de acordo com o previsto no Regulamento (EU) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho”; 12. Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.s 40 o Direito à informação e, no art.s 5º a realização de uma Entrevista pessoal "A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...). A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.

    º 4°.

  7. No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.s 5.º do Regulamento 604/2013 (Regulamento Dublin) ex vi art.s 36.

    º, n.s 1 da Lei 27/2008, foi realizada entrevista pessoal ao requerente (cf. pág. 20 a 29 do PA) que deu origem ao respetivo Relatório; 14. A Entidade Demandada, ora Recorrente, observou as exigências previstas no artigo 5º do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o requerente, ora Autor e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de relatório/formulário, do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente; 15. Por outro lado, no âmbito desta entrevista, o requerente foi informado da aplicação do referido Regulamento quanto aos critérios de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional que formulou, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de pronuncia quanto à eventual decisão de retoma a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos suscetíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália; 16. No âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36.

    º a 40.

    º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe a Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido; 17. Não é aplicável o disposto no art.

    9 17º nº 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza "especial" do procedimento plasmado no art.

    º 36º e ss. da referida Lei, tal como se comprova no n° 7 do art.

    9 37°, que estipula que: "em caso de resposta negativo do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1 observar-se-á o disposto no capítulo III".

  8. A tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferente, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin).

    In casu, a Itália aceitou a retoma a cargo, o que afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III (e de todas as suas normas), à situação vertente.

  9. "1 — A matéria relativa à audição do interessado relativamente às decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção Internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, proferidas na sequência de uma decisão de aceitação de retoma a cargo por parte de um outro Estado-Membro, encontra-se regulada no art.

    9 5o, do Regulamento (UE) n.

    9 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013. II — Nesse art.

    9 5", do Regulamento (UE) n.s 604/2013, não se encontra prevista a obrigação da autoridade nacional, e antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, informar o interessado de que pretende considerar inadmissível o seu pedido e transferi-lo para outro Estado-Membro e comunicar-lhe os argumentos com que pretende fundamentar tais decisões."- cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/10/2018, proc. 1177/18.4BELSB.

  10. Aliás, também o STA, no acórdão de 11/01/2019, proferido no proc.

    9 n9 538/18.3, argumentou, entre o mais, que "(...) também não procede a crítica à alegada preterição do direito de audição por as instâncias terem julgado acertadamente quando afirmaram que o procedimento ora em causa era especial - «determinação do Estado responsável» (arts. 369 e ss. da Lei n.

    9 27/208, de 30/6) - e nele se não prever uma audiência do requerente antes da decisão final («vide» o art.

    s379, n.

    9 2, do referido diploma).

  11. Explicitando, o estado português só estaria...

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