Acórdão nº 544/19.0BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório C...., Lda, não se conformando com a sentença do TAF de Loulé, de 03.07.2020, que indeferiu o pedido de decretamento de providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento outorgado entre si e o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP (doravante IFAP), no âmbito do PRODER/ACÇÃO 1.1.1 - Modernização e Capacitação das Empresas, referente à operação n.° 0200000…..

, com a consequente obrigação de devolução das ajudas auferidas, no valor de € 184.609,59, no prazo de 30 (trinta) dias, veio interpor recurso da mesma.

Em sede de alegações de recurso, a Recorrente conclui da seguinte forma: «(…) A. O indeferimento da produção desse depoimento de A.... privou a Requerente de demonstrar a invalidade da decisão da Entidade Requerida de considerar inelegíveis os pagamentos que lhe foram feitos pela Requerente feitos e influi deste modo na decisão da causa.

B. O indeferimento da produção de depoimento da testemunha João Faustino impediu a Requerente de produzir prova sobre a existência de lapso involuntário na menção da capacidade real da charca e das condições em que tal lapso se pode ter produzido.

C. A não produção da prova por depoimento das testemunhas M.... e A.... impediu a Requerente de fazer prova das circunstâncias em que foram pagas as facturas da A...., Lda por cheques sobre contas das que estavam determinadas para fazer os pagamentos relativos ao contrato de financiamento com o IFAPI.P.

D. A não produção da prova testemunhal oferecida no requerimento inicial, constitui nulidade, nos termos do art. 195 CPC, pelo que não só a decisão de não permitir a produção de prova testemunhal é nula, como implica a nulidade da decisão da providência cautelar, que daquela depende absolutamente.

E. Não pode por isso ser considerada válida e adquirida para o acervo probatório a matéria constante da alínea EE) da matéria de facto considerada provada, a qual deve ser dada por não escrita, por a fundamentação não corresponder à realidade processual.

F. Pela mesma razão, impugnam-se todas as fundamentações da matéria de facto dada por provada ou por não provada cuja fundamentação é o facto de não ter sido objecto de impugnação especificada pela Requerente.

G. Deve ser expressa a presunção judicial de que M….. e A.... constituem a mesma realidade jurídica, sendo que o Senhor A...., é a pessoa física, comerciante, com a identificação civil e tributária e o domicílio constantes das facturas n.os CC300004, CC300110 e CC300111 existentes e reproduzidas na sentença recorrida e que a expressão M.....é uma expressão de fantasia, provavelmente uma marca, com ou sem registo, ou o nome dc estabelecimento comercial associado ao comerciante em nome individual A.....

H. Só mediante a prova de que é uma entidade dotada de personalidade jurídica e capacidade de gozo e exercício dc direitos pode o cliente de um banco ser titular de uma conta bancária. Não existe nos autos prova ou indício de que M..... corresponda a uma pessoa jurídica. A presunção judicial de que M.....e A.... são duas pessoas jurídicas distintas tem que inferir-se de factos concretos linguisticamente enunciáveis que estejam provados nos autos. Esses, factos não existem. Deve por isso considerar-se como provado nos autos que a expressão M..... constante das facturas CC300004, CC300110 e CC300111 não corresponde a nenhuma pessoa jurídica diferente de A.... que é o verdadeiro e único titular das mesmas facturas e das contas em foram creditados os valores de pagamento dessas facturas.

I. Não pode, por não ser logicamente admissível, deixar de se considerar provado que já antes da assinatura do contrato de financiamento, em 28.07.2014, a Entidade Requerida tinha conhecimento oficial e funcional de que a notação da capacidade da charca, de 90.000m3 estava errada e tinha agido coerentemente com esse conhecimento do erro, ao rectificar, com redução cirúrgica, o valor da ajuda proposto pela Requerente, para um valor consistente com a capacidade real de 9.000m3.

J. O art. 32.10 da Constituição da República garante aos arguidos em natureza sancionatória os direitos de audiência e defesa, pelo que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, administrativa ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido sobre os factos e o direito relativo à matéria sancionatória e possa defender-se das imputações que lhe são feitas. A defesa pressupõe a acusação, isto c, o enunciado dos factos que constituem pressuposto da aplicação da sanção e da norma jurídica que prevê a imposição da sanção consequente da sua violação. O direito de defesa é uma exigência fundamental do Estado de Direito material.

K. Trata-se por isso de uma norma que integra o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, directamente aplicável e vinculativa de todas as entidades públicas, como dispõe o art. 18.1 da Constituição.

L. O acto administrativo impugnado e aqui objecto da providencia cautelar, que impõe a aplicação sanções pecuniárias à Requerente, sem que esta tenha sido previamente ouvida, em condições de poder defender-se dessas imputações, é nulo, nos termos do art 161.2.d) CPA, porque ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, a saber, o direito de defesa da arguida.

M. Não foi dado cumprimento à diligencia de audiência de interessado, nem é possível concluir que se encontravam reunidas as condições para dispensar essa audiência nos termos do art 134.1.c) CPA, uma vez que a comunicação à Requerente de 11.06.2018 não satisfaz às condições de informação da Requerente sobre as questões que importam à decisão objecto de impugnação nos autos principais e discutida na providência cautelar, nem sobre as provas produzidas.

N. Muito pelo contrário, evidencia-se nos autos que à Requerente foram por essa decisão impostas sanções pecuniárias administrativas de montante consideravelmente elevado, sem que lhe fosse facultado o exercício do direito de audição c defesa, o que constitui uma violação flagrante da garantia fundamental inscrita no artigo 32.º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa e invalida todo o acto administrativo objecto da presente providência.

O. A sentença recorrida faz errada aplicação do direito quando julga violado o art. 36 do Código do IVA c com esse fundamento confirma a decisão de ineligibilidade dos valores das facturas n."s 232/A e 233/A, emitidas por J......, os quais, ao contrário do decidido, devem ser julgados elegíveis, por cumprirem todos os requisitos exigidos por aquela disposição legal e pelas normas aplicáveis do direito comunitário, sendo certo que, neste campo, a norma do artigo 58.1 do Regulamento (EU) n.° 1306/2013, citada na sentença recorrida tem por destinatários não os cidadãos da União mas os próprios Estados Membros, não constituindo fundamento atendível da decisão.

P. Contrariamente ao entendimento expresso na sentença recorrida, o poder de corrigir e de reconhecer os erros manifestos constantes dos pedidos de ajuda, tal como expresso no art. 4..° do Regulamento de Execução (EU) n.° 890/2014, é um poder/dever, que não pode deixar de ser exercido sem violação do princípio base da legalidade e da boa administração a que está sujeita toda a actividade administrativa e cada um dos seus órgãos e serviços.

Q. A sentença faz errada aplicação o direito quando considera que a faculdade de o órgão gestor corrigir os erros manifestos não é um poder/dever a que o órgão está legalmente adstrito e quando considera que o exercício dessa competência está condicionado ao requerimento do beneficiário.

R. Em nenhuma das disposições legais e regulamentares que permitem a correcção dos erros manifestos essa correcção está sujeita à condição de ser requerida pelo beneficiário.

S. O dever de corrigir os erros manifestos tem o seu fundamento nos...

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