Acórdão nº 1531/19.4T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução12 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Local Cível de Pombal - Juiz 2, a “Herança indivisa aberta por óbito de T...” instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra “Transportes ..., Lda.” e “Companhia de Seguros A..., S.A.”, alegando que T..., já falecido, era motorista de pesados ao serviço internacional, por conta da 1.ª ré e beneficiava de um seguro de vida, que a 1.ª ré tinha contratado com a 2ª ré, titulado pela apólice n.º ...; no dia 4 de junho de 2016, cerca das 17h00m, T... conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, com destino a sua casa quando faleceu vitima de ataque cardíaco; nos termos do referido seguro de grupo, figura como beneficiário, em caso de morte ou de invalidez, o tomador do seguro, no caso, a 1.ª ré; esse seguro de vida é uma regalia que a 1.ª ré concede aos seus trabalhadores, conferindo-lhes a legítima expetativa de dele beneficiarem e por isso, o valor do seguro de vida deve integrar o acervo hereditário do falecido T...; contudo, esse valor foi pago pela 2.ª ré à 1.ª ré; nas condições particulares da apólice, não consta a indicação de qualquer beneficiário, pelo que, não havendo beneficiário designado, serão beneficiários, em caso de morte, os herdeiros legais da pessoa segura; por isso, são os herdeiros legais de T... os beneficiários do seu seguro de vida e não a 1.ª ré; T... não foi informado do conteúdo e das cláusulas do seguro firmado entre as rés, pelo que as rés não cumpriram os deveres de informação a que estavam obrigadas, sendo que a 1.ª ré atua em abuso de direito ao ter criado no falecido T... a convicção de que, no âmbito do contrato de trabalho, era o mesmo beneficiário de um seguro de vida; Assim, pede a autora que, na procedência da ação, se condenem as rés a reconhecerem que são os herdeiros legais, a viúva, L..., e os seus filhos, I... e C..., os únicos beneficiários do seguro de vida titulado pela apólice n.º ...; a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de 37.500,00 EUR devida a título de indemnização relativa à vida do falecido T...; a pagarem, solidariamente, à autora os juros vencidos e vincendos, contados sobre a mencionada quantia, à taxa legal de 4%, desde a data da morte de T... até efetivo e integral pagamento.

A primeira ré contestou, alegando que celebrou com a 2.ª ré o “contrato de seguro grupo” o qual tem por objeto, além do mais, a cobertura principal do risco de morte dos empregados da 1.ª ré; nos termos das condições particulares da referida apólice, e foi identificada como beneficiária do seguro em caso de morte de T..., razão pela qual a 1.ª ré reclamou da 2.ª ré, que lhe pagou, o pagamento do referido capital.

A segunda ré contestou, dizendo, tal como a 1.ª ré, que as pessoas seguras pelo contrato em questão são os empregados desta última; que o falecido T... fazia parte da lista de pessoas seguras; que a 1.ª ré, enquanto tomadora do seguro, é a sua beneficiária e não os herdeiros legais da pessoa segura, porquanto se trata de um seguro de grupo não contributivo; que, após participação da 1.ª ré da morte de T..., a 2.ª ré realizou o pagamento do capital seguro ao tomador do seguro. Mais disse que o dever de informar cabia ao tomador do seguro (a 1.ª ré), não existindo fundamento legal para excluir qualquer cláusula da apólice por incumprimento do dever se informação ao segurado.

O tribunal em primeira instância, por considerar que os autos permitiam que se conhecesse de imediato do mérito da causa, apreciou e decidiu julgar a acção improcedente a absolver as rés do pedido.

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a Autora concluindo que: ...

A ré seguradora contra-alegou defendendo a confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação A matéria provada que serve a decisão é aquela que consta do relatório, nomeadamente que: “ - no dia 4 de junho de 2016 faleceu, no estado de casado em segundas núpcias com L..., T...; - T... deixou como seus herdeiros a viúva e os filhos, I... e C...; - T... era motorista de pesados ao serviço internacional, por conta da 1.ª ré; - T... figurava como a pessoa segura de um seguro de vida, que a 1.ª ré tinha contratado com a 2ª ré, titulado pela apólice n.º ...; - no dia 4 de junho de 2016, cerca das 17h00m, T... conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, com destino a sua casa, sita na Rua ..., quando caiu inanimado; - através da autópsia que lhe foi efetuada, apurou-se que o falecimento ocorreu na sequência de um ataque cardíaco; - nos termos do referido seguro de grupo, figura como beneficiário, em caso de morte ou de invalidez, o tomador do seguro, no caso, a 1.ª ré; - esse valor, que ascende a 37.500,00 EUR, foi pago pela 2.ª ré à 1.ª ré; - em 18 de julho de 2016 L... intentou processo de inventário no Cartório Notarial de Pombal, a cargo de ..., ao qual foi atribuído o n.º ..., para partilha dos bens deixados por óbito de T...; - a senhora notária decidiu remeter os interessados para os meios comuns, no que respeita à questão da integração, ou não, do seguro de vida no acervo hereditário de T..., com a consequente suspensão dos autos de inventário” … … Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso é o de apreciar se se a cláusula que prevê que, em caso de morte da pessoa segura, é o tomador do seguro o beneficiário do mesmo, deve considerar-se excluída do contrato de seguro firmado entre as rés protestando também a apelante que a sentença é nula por violação do art. 615 nº1 al. c) do CPC.

Iniciando o conhecimento do objeto do recurso pela alegação da nulidade da sentença, diremos, desde já, que não vemos razões para julgar procedente essa nulidade consistente na existência de oposição entre a fundamentação e a decisão. Ainda que sinalizada por epigrafe esta nulidade, nem nas alegações nem nas conclusões do recurso se indica, em concreto, quais os fundamentos da subsunção jurídica face á decisão em que se registaria tal a oposição. Em verdade, para se verificar essa nulidade, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença não se precipitando numa errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento mas, diversamente, à contradição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, importa a certificação de a sentença apresentar uma construção viciosa por os fundamentos referidos pelo Juiz conduzirem necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ora, a decisão recorrida não está ferida de qualquer contradição sendo de todo coerentes os argumentos fundadores e a decisão acolhida, para além do que, a Apelante não sinalizou em concreto onde residiria a oposição limitando-se a, de forma avulsa, afirmar que era nula por esse motivo.

Assim improcedem quanto à alegação de nulidade da sentença as conclusões de recurso.

Quanto ao objecto substantivo do recurso, a autora sustenta que, por nem o falecido T... nem a sua viúva terem sido informados do conteúdo e das cláusulas do seguro firmado entre as rés, estas não cumpriram o dever de informação a que estavam obrigadas, importando a violação desse dever de comunicação a exclusão da cláusula segundo a qual é o tomador do seguro, ou seja, a 1.ª ré, em caso de morte da pessoa segura, o beneficiário do mesmo.

Analisando a questão suscitada, numa primeira observação normativa poder-se-ia dizer que não seria necessário que os deveres de comunicação e informação estivessem especificamente previstos (no regime das cláusulas contratuais gerais) uma vez que, como defende alguma jurisprudência[1], esses deveres decorrem directamente do princípio da boa fé que, no caso do direito português, encontram consagração positiva expressa principalmente no artigo 227º do Código Civil [2] que trata da boa fé na formação dos contratos. No entanto, em face da necessidade de aclaração e alargamento da protecção pretendida, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais, que são o conjunto das proposições pré-elaboradas apresentadas pelas seguradoras e que os proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar. E traduzindo estas cláusulas uma posição de prevalência negocial, como forma de proteger a parte contratual mais fraca, a validade daquelas está condicionada à sua comunicação e informação previstas nos artigos 5.º e 6.º do referido Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, comunicação que se dirige essencialmente à forma e à possibilidade de ter acesso ao contrato enquanto a informação precavê a percepção do conteúdo. Isto é, quando o legislador estabelece deveres relativos à comunicação do contrato, a sua preocupação essencial é a de que sejam criadas condições para que, sem exagerado esforço, um aderente “normal” possa conhecer as suas cláusulas. A reforçar esta ideia, o artigo 8º alínea b) estabelece que se consideram excluídas dos contratos singulares “As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”, considerando a lei, deste modo, que o utilizador das cláusulas não respeitou o dever de informar quando uma cláusula integral e atempadamente comunicada, de um modo adequado, tem um conteúdo que não seja normalmente perceptível por...

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