Acórdão nº 0677/20.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de intimação para prestação de informação com o n.º 677/20.0BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente (adiante também denominado Executado) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgando improcedente a reclamação judicial por ele deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), manteve a decisão administrativa de indeferimento da arguida “nulidade insanável” do processo de execução fiscal – em virtude quer da falta de citação quer da falta de requisitos essenciais da citação, que obstam a que esta se possa ter como validamente efectuada –, apresentando para o efeito alegações que contém as seguintes conclusões: «

  1. O Recorrente viu contra si, ilicitamente, operar uma presunção de citação em reversão, sem que tivesse tido conhecimento do acto, o que lhe coarctou os seus direitos de defesa e o acesso à justiça, ficando impedido de utilizar os meios de defesa que a lei prevê em concreto para esse efeito, nomeadamente de se defender em sede de oposição à execução – nulidade insanável que, não podendo ser suprida, obriga à anulação integral do processo de execução.

  2. A douta Sentença em recurso, julgando improcedente a Reclamação, entende, todavia, não ter ocorrido no PEF 3107200501076566 a falta de citação do Reclamante, nem se verificando a falta de requisitos essenciais do título executivo; não se verifica a nulidade insanável do mesmo, nem o mesmo se encontra, portanto, ferido de inconstitucionalidade. Não se verificando igualmente, a nulidade da citação, a decisão reclamada que decidiu neste sentido, não padece de qualquer nulidade que determine a sua anulação.

    (cf. fls. 17 da sentença recorrid

    1. C) É, porém, patente o equívoco judicial, pelas três ordens de razão em seguida expostas.

  3. Primeiro, labora em erro de metodologia, nos Factos Provados elencados nas alíneas L) e M), apesar de provado ter sido “não conseguida” a entrega da carta com o registo postal R0353485026PT, enviada para a morada do Recorrente, é imputável apenas ao Recorrente, acrescentado que a não recepção dessa notificação não afectou nem prejudicou o seu direito de defesa nem de acesso à justiça, porque resulta provado que o Recorrente desencadeou os meios de defesa que configurou adequados a essa defesa (cf. fls. 15 da sentença).

  4. Com efeito, o Recorrente em sua defesa, na sequência da primeira intervenção que teve no processo, desencadeou, no momento oportuno, os meios de defesa que estavam ao seu alcance, por questões de tempestividade, arguindo a nulidade em sede de reclamação e a ilegalidade em sede de impugnação (cf. alíneas N) e P) dos Factos Provados), todavia, como resulta do processo, nunca veio deduzir oposição à execução fiscal, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, por, sem citação, se encontrar impedido de se defender nesta sede – porquanto, atenta a norma que fixa o prazo de oposição (artigo 203.º do CPPT), os seus termos iniciais e finais há muito se encontravam ultrapassados, ficando excluída essa possibilidade de defesa.

  5. Na sentença recorrida não se faz qualquer referência à efectivação da citação, nem tal facto consta do elenco do probatório, somente que, em concreto das alíneas A), J) e Y), em 13/03/2006 foi emitida a Nota de citação com hora certa, que foi fixada na residência do Recorrente – não se sabendo, todavia, em que dia, por não resultar do processo esse facto! G) Não pode, por conseguinte, o Tribunal dar como não ocorrida, e/ou sanada, a falta de citação, sem que esta seja efectuada nos termos legalmente previstos.

  6. Segundo, perante o expresso regime jurídico da notificação por carta registada sem aviso de recepção, bem como o da perfeição das notificações (artigos 38.º e 39.º do CPPT) e tendo presente que, no caso vertente, foi esta a formalidade utilizada pelo Serviço de Finanças na remessa ao Recorrente do correio mencionado na alínea L), como referido supra e em conformidade com o disposto no artigo 38.º n.º 3 do CPPT, por não ter a referida notificação sido recebida e tendo sido o objecto postal devolvido ao remetente, não há lugar ao funcionamento de qualquer presunção (artigo 39.º n.º 2 do CPPT), pelo que há que concluir: (i) verificada a falta de notificação do Recorrente de tal correspondência (neste sentido, o Acórdão do TCAN de 26-03-2015, Proc. n.º 00640/11.2BEAVR, disponível em www.dgsi.pt) e (ii) que a não recepção da notificação em questão afectou e prejudicou a defesa do Recorrente bem como o seu direito de acesso à justiça.

  7. Raciocínio e conclusão que se aplica à remessa postal mencionada na alínea B) do probatório, referente à expedição da notificação para o exercício de direito de audição prévia, devolvida ao remetente – havendo que concluir que não foi o Recorrente eficazmente notificado para exercer o direito de audição, nos termos do artigo 23.º n.º 4 da LGT e artigo 38.º n.º 3 do CPPT, pelo que, ocorre a invalidade do despacho de reversão proferido, por preterição de formalidade essencial, determinante da sua anulação.

  8. O mesmo se diga quanto às remessas postais com aviso de recepção, mencionadas nas alíneas D) e E) referente à expedição do despacho de reversão, devolvida ao remetente com a menção “não reclamado”, e a comprovação nos autos do não envio de nova carta nos 15 dias seguintes à devolução, em clara violação do disposto na parte final do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT.

  9. Logo, o Tribunal recorrido ao ter feito uso, para julgamento da matéria de facto, de presunção que, todavia, não tem base nos factos, errou quanto à metodologia de juízo, o que corresponde a um erro de Direito.

  10. Também sem suporte factual para tal presunção judicial, inferiu a Mma. Juiz [do Tribunal] a quo ser a não recepção da notificação referida nas alíneas L) e M) imputável ao seu destinatário.

  11. Cumpre, por conseguinte, pela sua capital importância para a boa decisão da causa, dar destaque à exigência normativa da citação pessoal, imposta pelo n.º 3 do artigo 191.º do CPPT, transcrito na sentença recorrida a fls. 9.

  12. Não pode, nem se admite que o Recorrente, na qualidade de potencial responsável subsidiário, possa ser colhido de surpresa, nem sequer por uma ficção judiciária, nem, por outro lado, vale como prova o certificar de uma dificuldade/ineficiência interna dos serviços postais, a qual não poderá ter relevância oficial sem que tenha sido seguido ao formalismo processual imposto pela lei, nomeadamente através do contacto com pessoa diversa do citando e da certificação da recusa de assinatura ou recebimento pelo terceiro.

  13. Em suma: é patente a situação de défice instrutório e manifesto que se demitiu o tribunal a quo da sua actividade instrutória pertinente e necessária para apuramento da veracidade de tais factos, laborando em erro, ao considerar perante a factualidade dos autos não ocorrer falta de citação, devendo a sentença recorrida ser revogada, por vício de nulidade insanável, em virtude da omissão do acto de citação do Recorrente, com o consequente prejuízo para a defesa deste que ficou impossibilitado de utilizar os meios de defesa que a lei prevê para o efeito – impondo-se a declaração daquela nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (n.º 2 do art. 165.º do CPPT) (cf. sumário do Acórdão do STA de 30-11-2011, proferido no Proc. n.º 0915/11, disponível em www.dgsi.pt).

  14. Por fim, erra o tribunal a quo na aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT, ao entender que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal “quando possa prejudicar a defesa do interessado”, não considerando que o mesmo se encontra “portanto, ferido de inconstitucionalidade” (cf. fls. 16 e 17 da sentença recorrida).

  15. Porquanto, devendo ser, e sendo, o direito de defesa um direito efectivo, e não uma mera possibilidade, tal norma de sanação do vício da falta de citação ao dispor “quando possa prejudicar a defesa do interessado” abre campo para violação do due process of law, infringindo o artigo 20.º n.º 4 da CRP- inconstitucionalidade material que aqui se deixa expressamente arguida para pronúncia por parte de V. Exas. e, sendo caso disso, de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º n.º 1 alínea b), da respectiva Lei.

  16. Todas as presentes conclusões, não podendo deixar de se sublinhar a última de inconstitucionalidade, correspondem a um julgamento de Direito sendo, por conseguinte, admissível o recurso jurisdicional per saltum para o STA.

    Vossas Excelências, contudo, farão a melhor JUSTIÇA, com a aplicação exacta do Direito do caso».

    1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4 Chegados os autos a este Supremo Tribunal, foram os mesmos ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após enunciar o objecto do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] III. DELIMITAÇÃO E APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES SUSCITADAS.

    1. Nas conclusões das suas alegações [alíneas I) e J)], o Recorrente pretende aparentemente questionar a regularidade do procedimento de reversão ao invocar que não foi regularmente notificado para o exercício do direito de audição e do teor do despacho de reversão, por a correspondência ter sido devolvida ao remetente com a menção de “não reclamado” e, no que respeita ao despacho de reversão, não ter sido remetida nova carta nos 15 dias seguintes à devolução, nos termo do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT.

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