Acórdão nº 3460/15.1T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu: - Absolver os arguidos J.

, E.

e JJ, da prática, entre o ano de 2012 e 2014, como co-autores materiais e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, em conjugação com os artigos 100.º, 98.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

* O Ministério Público não se conformou com a decisão proferida, tendo interposto o presente recurso, de onde extraiu as seguintes conclusões: 1.º- O presente recurso tem por objecto a sentença proferida em 07.03.2019 que absolveu os arguidos J., E. e JJ, entre o ano de 2012 e 2014, como co-autores materiais e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1, alínea a), d) e e), do Código Penal, em conjugação com os artigos 100.º, 98.º, n.º1, alínea e) e f), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, de que vinham acusados.

  1. - Fundamenta o Tribunal a quo a sua decisão no entendimento de que a prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, do Código Penal, em conjugação com os artigos 100.º, 98.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, só se verifica quando as falsas declarações ou informações prestadas pelos autores e coordenadores de projectos no Termo de Responsabilidade incidem sobre a (in)observância das normas técnicas gerais e específicas de construção e/ou das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projecto, em matéria de construção e execução da obra, não abrangendo as normas legais e regulamentares aplicáveis ao projecto respeitantes à sua criação e elaboração (autoria).

  2. - Entende ainda o Tribunal a quo que a conduta dos arguidos é subsumível à contra-ordenação prevista e punida na alínea g) do n.º 1 do artigo 98.º do Regime Jurídico da Urbanizações e Edificações, e não ao crime de falsificação de documentos de que vinham acusados.

  3. - Em sentido diverso, entende Ministério Público que o crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º do Código Penal, em conjugação com os artigos 100.º, 98.º, n.º1, alínea e) e f), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, para além daquelas normas técnicas e específicas de construção e execução da obra, também abrange as falsas declarações ou informações prestadas por aqueles que se arrogam autores e coordenadores de projectos no Termo de Responsabilidade quanto à autoria (criação e elaboração) dos mesmos, incluindo-se, assim, no segmento da norma do artigo 98.º, n.º 1, alínea e) - «das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projecto» - as normas (legais e regulamentares) respeitantes à autoria dos projectos.

  4. - O bem jurídico tutelado pelo crime de falsificação de documento é a da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental, atribuindo a confiança na autenticidade e veracidade dos documentos social e juridicamente relevantes, pois a actividade do falsificador, na medida em que quebra a relação que se interpõe entre aparência e realidade, atenta contra o crédito que goza o documento, isto é, contra a confiança que a generalidade das pessoas nele deposita.

  5. - O tipo de crime previsto no artigo 256.º comporta, para além do acto de falsificação, diversas modalidades de conduta elencadas em cada uma das suas alíneas a) a f), que se reconduzem tanto à falsidade material (o documento não é genuíno), como à falsidade intelectual (o documento é inverídico) do documento.

  6. - As falsas declarações ou informações prestadas pelos responsáveis referidos nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 98.º, nos termos de responsabilidade ou no livro de obra integram o crime de falsificação de documentos, nos termos do artigo 256.º do Código Penal.

  7. - O âmbito do n.º 2 do artigo 100.º (responsabilidade criminal) é mais abrangente do que o âmbito das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 98.º (responsabilidade contra-ordenacional) já que penaliza não só as falsas declarações dos autores e coordenadores de projectos nos termos de responsabilidade (que são os «responsáveis referidos nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 98.º») mas também as (falsas) informações prestadas por esses autores e coordenadores de projectos nos termos de responsabilidade ou no livro de obra.

  8. - O termo de responsabilidade ou livro de obra (documento) constituiu o objecto da acção do tipo legal de crime do artigo 100.º RJUE, pelo que sendo sobre ele que incidirá a conduta do agente, basta para a consumação do tipo legal o acto de no referido documento se declarar ou prestar informação de um facto juridicamente relevante.

  9. - A narração de um facto falso que seja juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir relação jurídica.

  10. - A declaração vertida pelos arguidos E. e JJ nos Termos de Responsabilidade que assinaram é inverídica e o facto sobre o qual se declara (autoria do projecto) é juridicamente relevante, 12.º- Porquanto sendo o acto de aprovação do projecto de arquitectura constitutivo de direitos para o particular seu destinatário, as declarações ou informações prestadas no Termo de Responsabilidade, quanto à observância das normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projecto, incluindo as que se reportam à sua autoria (pois só o seu efectivo autor pode declarar/atestar o cumprimento de tais obrigações com “conhecimento de causa”), por pessoa diversa do real / verdadeiro autor do projecto, configura a prática de um crime de falsificação de documento, atenta a relevância probatória e a função de garantia do Termo de Responsabilidade do Autor do Projecto no procedimento administrativo em que se insere.

  11. - A declaração ínsita no Termo de Responsabilidade do autor ou coordenador do Projecto quanto à sua autoria não pode deixar de se considerar, quando falsa, uma narração de facto juridicamente relevante e, nessa medida, susceptível de integrar o crime de falsificação de documento previsto pelo artigo 256.º do Código Penal, por força do estatuído no artigo 100.º, n.º 2 do RJUE.

  12. -A- No caso vertente, resulta dos factos provados - pontos 1 a 278 - que os projectos de arquitectura e as peças que instruíam os processos de licenciamento de obra, que foram submetidos à apreciação da Secção de Obras da Câmara Municipal de (...), entre os anos de 2012 e 2014, pelos requerentes ali melhor identificados, eram elaborados pelo arguido J., limitando-se os E. e JJ a apôr a sua assinatura nos termos de responsabilidade de Autor e/ou Coordenador de Projecto, o que era do conhecimento de todos os arguidos.

  13. - Mais resultou provado que o «arguido J. procedeu à elaboração de projectos de obra sem que para tal detivesse qualificações técnicas exigíveis aos descritos projectos, sendo que os respectivos termos de responsabilidade eram assinados pelo arguido E. e pelo arguido JJ. e, por via disso, retirou proveitos económicos indevidos, pois não detinha qualquer qualificação que lhe permitisse elaborar aqueles projectos. Assim como o arguido E. retirou proveitos económicos sem que para tal tivesse realizado qualquer daqueles projectos» - sentença, fls. 916 vº (e factos provados sob os pontos 1 a 6, 8 a 12 da Matéria de Facto) 15.º- Inexistem dúvidas que os arguidos E. e JJ ao declararem ser os autores e coordenadores dos projectos nos Termos de Responsabilidade que assinaram (pese embora a sua redacção esteja legalmente estabelecida em portaria, tal não permite infirmar a prática do crime pelo qual foram acusados), fizeram constar, por essa via, daqueles Termos, facto falso juridicamente relevante, sendo a sua conduta subsumível à previsão do artigo 256.º, n.º 1, al. a) e d) do Código Penal, conjugado com o artigo 100.º, n.º 2 do RJUE.

  14. - E que o arguido J., ao utilizar tais documentos (os Termos de Responsabilidade assinados pelos restantes co-arguidos), sabendo ser ele próprio o autor e coordenador dos projectos a que os mesmos se referiam, praticou o crime de falsificação de documento, em co-autoria com os demais arguidos, sendo a sua conduta subsumível, para além do mais, à previsão do artigo 256.º, n.º 1, al. e) do Código Penal, conjugado com o artigo 100.º, n.º 2 do RJUE 17.º- A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei penal substantiva, mormente no que concerne ao estatuído no artigo 256.º, do Código Penal, em conjugação com os artigos 100.º, 98.º, n.º1, alínea e) e f), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, ao restringir a verificação da prática do crime de falsificação de documentos à desconformidade nas declarações apostas nos termos de responsabilidade apenas relativamente à conformidade da execução da obra com o projecto aprovado e com as condições da licença e comunicação prévia admitida; e à conformidade das alterações efectuadas ao projecto com as normas legais e regulamentares aplicáveis.

  15. - A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do artigo 98.º, n.º1, alínea g), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, porquanto o que está em causa na alínea g) é a subscrição de projecto e não a subscrição de Termo de Responsabilidade e/ou do Livro de Obra onde se atesta essa qualidade, e a que se reportam as alíneas e) e f) do mesmo número do artigo 98.º do RJUE, sendo certo que os arguidos E. e JJ. não se encontravam inibidos de subscrever projectos.

  16. - Deve, assim, ser revogada a sentença proferida, na parte de que ora se recorre, substituindo por outra que condene os arguidos J., E. e JJ, imputando-lhes a prática, entre o ano de 2012 e 2014, como co-autores materiais e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1...

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