Acórdão nº 744/13.7TXCBR-P.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

A - Relatório: 1. No âmbito do Processo n.º 335/20.6TXCBR-A, do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Juízo de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 1, em 22/7/2020, o Ministério Público promoveu o seguinte: “No atual contexto de emergência, na tentativa conter a expansão da doença, libertando os reclusos particularmente vulneráveis à COVID 19, designadamente os mais idosos, os doentes e os infratores de baixo risco, o Governo propôs a adoção de medidas excecionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão e de indulto, que minimizassem o risco decorrente da concentração de presos, sem quebra da ordem social e do sentimento de segurança da comunidade.

Submetida a proposta ao crivo parlamentar, dela resultou a lei 9/2020 de 10 de Abril, que atribuiu a competência para aplicação do perdão nela previsto aos tribunais de execução de penas, ao arrepio aliás da nossa tradição jurídica nessa matéria.

Tal perdão tem, desde logo, o limite objetivo do nº 2 do artigo 1º, não se aplicando a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das respetivas funções.

Para além desse limite objetivo, existe também outro, do nº 6 do artigo 2º, que exclui os condenados por: a) crimes de homicídio (131.º do CP), qualificado (132.º do CP) e privilegiado (133.º do CP); b) crimes de violência doméstica (152.º do CP) e de maus tratos (152.º-A do CP); c) crimes contra a liberdade pessoal, de ameaça (153.º do CP), coação (154.º do CP), perseguição (154.º-A do CP), casamento forçado (154.º-B do CP), intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários (156.º do CP), sequestro (158.º do CP), escravidão (159.º do CP), tráfico de pessoas (160.º do CP), rapto (161.º do CP) e tomada de reféns (162.º do CP); d) crimes contra a liberdade sexual: de coação sexual (163.º do CP), violação (164.º do CP), abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (165.º do CP), abuso sexual de pessoa internada (166.º do CP), fraude sexual (167.º do CP), procriação artificial não consentida (168.º do CP), lenocínio (169.º do CP), importunação sexual (170.º do CP); crimes contra a autodeterminação sexual: de abuso sexual de crianças (171.º do CP), abuso sexual de menores dependentes (172.º do CP), atos sexuais com adolescentes (173.º do CP), recurso à prostituição de menores (174.º do CP), lenocínio de menores (175.º do CP), pornografia de menores (176.º do CP) e aliciamento de menores para fins sexuais (176.º-A do CP); e) crime de roubo (artigo 210.º do CP), quando qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou ofensa à integridade física grave (nº 2 a)) ou se do facto resultar a morte (nº 3), e nessas situações praticar o crime de violência depois da subtração (artigo 211.º do CP); f) crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal: incitamento à guerra (236.º do CP), aliciamento de forças armadas (237.º do CP), recrutamento de mercenários (238.º do CP), genocídio (239.º do CP), discriminação e incitamento ao ódio e à violência (240.º do CP), crimes de guerra contra civis (241.º do CP), destruição de monumentos (242.º do CP), tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (243.º do CP), tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves (244.º do CP); g) crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas (272.º do CP), energia nuclear (273.º do CP) e incêndio florestal (274.º do CP), com dolo; h) crime de associação criminosa (299.º do CP); i) crime de branqueamento (368.º-A do CP); j) crimes de recebimento indevido de vantagem (372.º do CP), corrupção passiva (373.º do CP) e corrupção ativa (374.º do CP); k) crimes do artigo 21.º - tráfico e outras atividades ilícitas, do artigo 22.º - precursores, e do artigo 28.º - associações criminosas, todos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; l) crime de membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas ou funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das suas funções, envolvendo violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena; m) crime de titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas; n) crime de ofensa à integridade física grave (144.º do CP), qualificada (145.º, 1 c) do CP) e agravada pelo resultado (147.º do CP).

Existe igualmente outro limite à aplicação do perdão: só pode ser aplicado uma vez por cada condenado (nº 9 do artigo 2º).

O perdão previsto na presente lei aplica-se a: - penas de prisão de duração igual ou inferior a dois anos - período remanescente da pena de prisão de duração superior a dois anos ou do somatório de penas em cumprimento sucessivo, igual ou inferior a dois anos e desde que cumprida pelo menos metade.

A aplicação do perdão postula a reclusão e bem assim uma condenação transitada antes da data da sua entrada em vigor (11-04-2020, ex vi o seu art. 11º).

Daí resulta que não é aplicável a penas não transitadas em julgado na data da sua entrada em vigor nem a condenados que se não encontrem a cumprir pena.

Assim se afastam do âmbito da presente lei todas as situações de evadidos, contumazes e condenados em penas de prisão suspensas, que não estejam presos.

No caso de condenações, transitadas antes da entrada em vigor da lei, em penas de substituição, poderá haver perdão no caso de revogação e suspensão posteriores.

Tal situação, conjugada com a exclusiva competência dos TEP para aplicação do perdão, leva a que tenha de se iniciar a reclusão para haver aplicação do perdão.

A aplicação do perdão a penas de prisão por dias livres – categoria hoje residual – parece-nos caber dentro do espírito do legislador uma vez que se trata de prisão intermitente e cujas entradas, aliás, têm sido suspensas pela pandemia.

*** Diversamente do entendimento maioritário, afigura-se-nos que o perdão previsto na lei n.º 9/2020 de 10 de abril se não esgotou no momento da sua aplicação com a sua entrada em vigor, renovando-se, como medida penitenciária, enquanto durar a situação de pandemia e a lei continuar em vigor.

Assim, atingindo-se o valor do remanescente de pena ou penas, igual a dois anos, após a data da entrada em vigor da a lei 9/2020 de 10 de abril, deverá aplicar-se o perdão enquanto essa lei continuar em vigor.

Igualmente quanto a reclusos que ingressem no sistema prisional durante a vigência da lei deverá aplicar-se-lhes o perdão, tanto mais que o nº 7 do artigo 2º da citada lei explicita o âmbito de aplicação do perdão referindo-se à necessária qualidade de reclusos dos destinatários e apenas limitando essa categoria quanto à data do trânsito da decisão condenatória, que tem de ter ocorrido antes da data de entrada em vigor da lei.

No caso de ser efetuado, posteriormente entrada em vigor da referida lei 9/2020, cúmulo jurídico sucessivo de penas transitadas antes dessa data, parece-nos que igualmente se deverá aplicar tal perdão.

Efetivamente não se compreenderia que, na normal execução de duas penas fosse possível a aplicação do perdão quando atingido o quantum legalmente relevante de remanescente e, no caso de cúmulo sucessivo fosse tal situação afastada.

O conhecimento superveniente do concurso não representa uma nova condenação, mas apenas um afinamento da medida da pena, aferida à culpa numa apreciação global, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.

Igualmente se nos afigura, no caso de existir uma condenação transitada em julgado antes da entrada em vigor da lei e sendo, posteriormente, substituída a multa por prisão, não estarmos perante uma nova condenação, mas apenas a executar a pena de multa através da prisão subsidiária por não ter sido possível obter o pagamento coercivo.

Assim verifica-se a existência de condenação anterior à lei e prisão em execução.

*** Nos presentes autos procede-se ao acompanhamento penitenciário do recluso A. que se encontra afeto ao estabelecimento prisional de Castelo Branco, onde deu entrada em 15-07-2020 para cumprir a pena de 1 A e 2 M de prisão imposta no proc. 364/18.0PBCTB por dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, como reincidente, previstos e puníveis pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 132.º, n.º 2, al. h), 75.º e 76.º, do Código Penal.

Os crimes porque foi condenado não se inscrevem no âmbito do nº 2 do artigo 1º, nem do nº 6 do artigo 2º da lei 9/2020 de 10 de abril.

Dada a medida da pena cujo termo ocorrerá em 15-09-2021 (cálculo provisório com os elementos disponíveis), afigura-se ao Ministério Público que deverá ser concedido ao recluso o perdão previsto na lei 9/2020 de 10 de abril, devendo ordenar-se a imediata emissão dos respetivos mandados de libertação, devendo o libertando ser devidamente advertido que o perdão é concedido sob a condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente.

**** 2. Na sequência da anterior promoção, em 23/7/2020, foi proferido o seguinte Despacho: “O recluso A. foi preso em 15.07.2020.

Coloca-se a questão da aplicabilidade da Lei nº 9/2020, de 10 de abril.

A aplicação do perdão concedido por tal Lei postula a reclusão e bem assim uma condenação transitada antes da data da sua entrada em vigor (11 de abril de 2020, ex vi o seu artigo 11º).

Aquela Lei não se aplica a condenados que ingressem no sistema prisional durante a vigência da mesma pois esses não estão, à data da entrada em vigor da Lei, entre os reclusos a quem a mesma se destina.

Na verdade, por referência ao âmbito de aplicação previsto no nº 1, do artigo 2º daquela Lei, o arguido em causa era condenado, mas não era recluso.

A condição de reclusão teria de estar verificada à data da entrada em vigor daquela Lei.

Assim sendo, o condenado, ora recluso, não pode ser beneficiário do perdão previsto no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 9/2020, de 10 de abril.

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