Acórdão nº 446/20 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 446/2020

Processo n.º 1067/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), da decisão proferida pela Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 22 de outubro de 2019, que indeferiu a reclamação que recaiu sobre o despacho prolatado pelo Juiz Relator do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de setembro de 2019, despacho esse que não admitiu o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal do acórdão proferido pela mesma Relação, em 07 de maio de 2019.

2. Através da Decisão Sumária n.º 868/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tendo o recorrente reclamado de tal decisão, veio a mesma a ser confirmada pela conferência, através do Acórdão n.º 121/2020.

3. Novamente inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Plenário deste Tribunal, o que fez sob invocação do disposto no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC.

Por despacho proferido pela relatora, em 28 de maio de 2020, o recurso não foi admitido.

4. Notificado de tal despacho, o recorrente reclamou para o Plenário deste Tribunal.

Tendo-se verificado unanimidade dos juízes intervenientes, a reclamação foi apreciada e indeferida pela conferência, de acordo com a regra geral prevista no artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC, através do Acórdão n.º 323/20.

5. Notificado do aludido aresto, o mesmo, o reclamante apresentou requerimento com o seguinte teor:

«A., Recorrente nos autos supra e à margem referenciados e aí melhor identificado, tendo sido notificado do Acórdão n.º 323/2020 proferido em 125-06-2020 que indeferiu a presente reclamação e em consequência confirmou a decisão reclamada e não se conformando com o teor do mesmo vem apresentar pedido de aclaração do acórdão n.º 323/2020, pelo seguinte somatório de razões e motivos:

Por acórdão datado de 19-01-2018 foi julgado o despacho de pronúncia procedente por provado e em consequência foi o arguido A. condenado pela prática de cinco crimes de falsificação de documento agravada, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1 alínea a), c), d) e e) e n.º 3, do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses por cada um dos crimes; pela prática de quatro crimes de falsificação de documento agravada, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.º 1 alínea a), d) e e) e n.º 3, do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses por cada um dos crimes; operando o cúmulo jurídico das penas na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Não se conformando com o acórdão recorrido o arguido A. apresentou recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, tendo desde logo nas suas alegações de recurso invocando a inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, tratando-se de questão de constitucionalidade normativa que por este possa vir a ser apreciada, conforme infra se transcreve e aqui se dá por integralmente reproduzido:

"= Da nulidade do depoimento das testemunhas B. e C.»

Andou mal tribunal "a quo" ao admitir o depoimento das testemunhas B. e C., uma vez que se entende que tais declarações não podem valer como meio de prova, nem tão pouco poderão ser valoradas nos presentes autos, dado que as testemunhas foram constituídos arguidos no âmbito destes mesmos autos, ao abrigo do disposto no artigo 133.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Resulta desde logo do disposto no artigo 345.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando o declarante se recuse a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional consideram que tal preceito se impõem pela necessidade de se respeitar o estatuto de arguido e o seu direito ao silêncio.

Sendo certo que a testemunha C. e B. foram arguido nos presentes autos e depois é que assumiram a posição processual de testemunhas, estamos perante um impedimento consagrado no artigo 133.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, que dispõe que estão impedidos de depor como testemunhas o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade. Adiantando-nos o n.º 2 do supra citado preceito legal que em caso de separação de processos, mesmo que condenados por sentença transitada em julgado os arguidos só podem depor como testemunhas se nisso expressamente consentirem.

Devendo não ser admitido o depoimento da testemunha C. e B. por violação do disposto no artigo 345.º, n.º 4 e 133.º ambos do Código de Processo Penal.

Veja-se a este propósito o entendimento dominante da nossa jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 1834/08- 2, datado de 09-02-2009, disponível em uiunu.dqsi.pt, cujo sumário ora se transcreve:

"I - As declarações de coarguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo.

II - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.

III - Dizer em abstrato e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.

IV - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adotou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.

V - A credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão direta da ausência de motivos de incredibilidade subjetiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.

VI - O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um coarguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229).

VII - E é exatamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um coarguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso.

VIII - Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de coarguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente.

IX - Na verdade, tal ausência não afeta o direito ao contraditório - que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado -, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP).

X - Questão distinta seria a da recusa do mesmo coarguido a depor sobre perguntas formuladas pelo tribunal e sugeridas pelo defensor ou pelo MP-"

Também tem sido entendimento do nosso Tribunal Constitucional, citamos a este propósito o vertido nos Acórdãos n. o 133/2010 e 304/2004, que nos dizem que:

"A justificação do impedimento de o coarguido depor como testemunha tem como fundamento essencial uma ideia de proteção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento, a que acima se fez referência e que se traduz no brocado latino nemo tenetur se ipsum accusare, o também chamado privilégio contra a auto-incriminaçõo (cfr. neste sentido, Costa Andrade, ob. cit., pág. 121).

«A proibição de o arguido ser ouvido como testemunha, enquanto limitação dos mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão do privilégio contra a auto-incriminação.

«O alargamento do impedimento - alargamento do direito do arguido ao silêncio - ao próprio coarguido arranca desta mesma matriz da garantia contra a auto-incriminação, enquanto expressão do direito de defesa, entendida como a exigência de assegurar ao coarguido o direito a defender-se, sem que, através do testemunho sobre facto de outro, ele comprometa sua própria posição processual, auto-incriminando-se (cfr. neste sentido, Medina de Se iça, ob. cit., págs. 36 e 37).

«A consagração do impedimento representa uma renúncia do Estado à "colaboração forçada" na investigação de factos criminosos de quem é alvo dessa mesma investigação.

«O modelo do testemunho consentido, previsto no artigo 133.º, n.º 2 do CPP, pretende satisfazer a exigência de trazer o conhecimento probatório do coarguido a um processo em que ele não se encontra a responder, sem eliminar a garantia do impedimento: a não sujeição dos arguidos do mesmo crime ao constrangimento característico da prova testemunhal.

«Ao cometer ao coarguido a...

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