Acórdão nº 608/17.5T8SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | V |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 608/17.5T8SSB.E1 * (…), (…) e (…) propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, contra (…) e (…), tendo formulado os seguintes pedidos: 1) Seja reconhecido que os pais dos autores, à data das respetivas mortes, eram donos e legítimos proprietários de duas parcelas de terreno, contíguas entre si, com as áreas, respectivamente, de 37.991,0405 metros quadrados e de 14.248,065 metros quadrados do prédio rústico denominado “(…)”, sito na freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, registado na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número (…) da freguesia do Castelo (extratado da descrição predial número …, fls. 34 do Livro …) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), secção (…) e, por consequência, 2) Seja reconhecida a aquisição, a favor dos autores, por sucessão hereditária, das parcelas de terreno acima identificadas; 3) Sejam anulados todos os actos materiais e jurídicos praticados pelos réus relativamente ao imóvel, à revelia dos autores, designadamente a escritura de divisão do imóvel celebrada em 19 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Lisboa, constante do Livro (…), a fls. 20 e seguintes e por consequência; 4) Seja ordenada a rectificação da descrição predial n.º (…) da freguesia do Castelo, por forma a ser reposta a realidade jurídica existente previamente à divisão do prédio referida em 3; 5) Serem os réus condenados a restituir imediatamente aos autores as parcelas de terreno acima referidas, livre de pessoas e bens.
Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção, tendo os autores respondido à excepções por aqueles arguidas, concluindo pela improcedência das mesmas.
Foi proferido despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos temas de prova.
Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção improcedente.
Os autores recorreram da sentença, apresentando as suas alegações, que concluíram nos seguintes termos: A. Os autores, aqui recorrentes, com a presente acção, pretendem ver reconhecido que os seus pais, à data das respectivas mortes, eram donos e legítimos proprietários de duas parcelas de terreno, contíguas entre si, com as áreas, respectivamente, de 37.991,0405 metros quadrados e de 14.248,065 metros quadrados, do prédio rústico denominado “(…)”, sito na freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, registado na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número (…) da freguesia do Castelo, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), Secção (…).
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Para o efeito, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 341.º do Código Civil, juntaram prova documental bastante que permite concluir pela existência desse direito de propriedade.
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Sobretudo, se a mesma for adequadamente conjugada com a prova testemunhal produzida em sede de audiência final, assim como com o depoimento de parte da recorrente (…).
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Os réus, como a própria sentença recorrida reconhece, não lograram produzir qualquer contraprova que permitisse «desfazer» a prova dos recorrentes.
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A sentença recorrida, não obstante no seu iter motivacional reconhecer expressamente que «embora não se duvide que a compra do prédio dos autos tenha sido efectuada nos termos alegados pelos autores, ou seja, na perspectiva de que o seu pai viria a adquirir uma quota parte do prédio,…».
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Acaba por concluir, errada e contraditoriamente, que «…não foi feita prova de que tal alguma vez tenha vindo a concretizar-se», não fazendo convenientemente um exame crítico da prova produzida.
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O que faz em total violação do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, no n.º 2 do artigo 350.º, no artigo 413.º do Código do Processo Civil, no artigo 7.º do Código de Registo Predial, no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil e do princípio da verdade material aflorado no artigo 6.º, n.º 1, do Código do Processo Civil.
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Acabando por dar prevalência à realidade formal, quando a materialidade devidamente demonstrada impunha outra resposta.
I. A função primacial do registo predial é publicitar as situações jurídicas reais, mas o seu efeito não é atributivo de direitos reais, pelo que, em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal é a primeira que prevalece, o que o tribunal a quo não reconheceu.
Na verdade, J. A resposta negativa dada pelo tribunal a quo à matéria de facto articulada na petição inicial pelos autores aqui recorrentes e que consta elencada nos pontos 3.º a 6.º e 8.º a 30.º dos factos não provados é contraditória com a prova produzida pelos recorrentes, quer documental, quer testemunhal.
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Merecendo uma resposta num sentido positivo, ou seja, ser considerada como provada.
L. Sob pena de se manter uma decisão assente numa errada valoração da prova e contraditória com todo o seu iter motivacional.
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Pelo que deve este tribunal ad quem reapreciar a prova testemunhal gravada, alterar o sentido dado aos factos não provados, como acima detalhado, dando provimento ao presente recurso, reconhecendo-se, em consequência, aos autores aqui recorrentes o direito de propriedade sobre as parcelas identificadas supra, nos termos reclamados, prevalecendo a materialidade sobre a formalidade, em respeito do princípio da verdade material sobre a verdade formal, como impõe o n.º 1 do artigo 6.º do Código de Processo Civil.
Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
Em seguida, o tribunal a quo proferiu despacho com o seguinte teor: “Antes de mais, notifique os recorrentes para darem cumprimento do disposto no artigo 640.º do C.P.Civil, sob pena de rejeição do recurso na parte que tenha sido gravada.
Prazo: 10 dias.
Notifique.” Na sequência deste despacho, os recorrentes apresentaram uma peça processual através da qual, em complemento às alegações, procuraram cumprir o disposto no artigo 640.º do CPC, à qual os recorridos responderam.
Os recorrentes requereram o desentranhamento da resposta dos recorridos, com fundamento na sua inadmissibilidade legal. Ao que os recorridos voltaram a responder, concluindo não existir fundamento para o referido desentranhamento.
Em seguida, o tribunal a quo proferiu despacho em que, além de admitir o recurso, determinou a manutenção nos autos de “todos os requerimentos posteriores à interposição do recurso e apresentação em juízo das contra-alegações”.
* As questões a resolver são as seguintes: 1 – Valor jurídico do despacho de aperfeiçoamento das alegações de recurso proferido pelo tribunal a quo; 2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 3 – Propriedade das parcelas de terreno reivindicadas.
* Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos: 1 – Os autores são os únicos herdeiros das heranças indivisas abertas por óbito de seus pais, (…), falecido a 29 de Outubro de 2008, e (…), falecida a 31 de Janeiro de 2015.
2 – O prédio rústico denominado “(…)”, sito na freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, registado na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número (…) da freguesia do Castelo (extratado da descrição predial número …, fls.34 do Livro …) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), Secção (…), foi formalmente adjudicado apenas aos réus, na proporção de 3/4 para a ré (…) e 1/4 para o réu … (também conhecido por “…”), na qualidade de herdeiros de … (também conhecido por “…”), falecido a 16 de Agosto de 1997.
3 – No ano de 1982, em data que os autores não conseguem precisar, o seu pai, (…), foi abordado pelo co-proprietário do imóvel à data, (…), o qual lhe propôs a compra do imóvel identificado em 2.
4 – Contudo, dado que o pai dos autores tinha interesse na aquisição do dito imóvel, mas não dispunha de condições financeiras para o adquirir naquele momento, propôs ao seu amigo, … (marido e pai, respetivamente, dos ora réus) que adquirisse o terreno, na condição do pai dos autores vir a adquirir posteriormente um terço da totalidade do terreno.
5 – Neste contexto, o pai dos autores combinou com o seu amigo (…) que este, em parceria, com outras duas pessoas, comprasse o dito imóvel.
6 – Ficando este, formalmente, investido na posição de pleno proprietário do imóvel em causa.
7 – Sempre com a condição de, logo que o pai dos autores pudesse, adquiriria a sua quota-parte no imóvel.
8 – Tal como havia sido acordado entre o pai dos autores e o seu amigo, (…), no dia 01 de Junho de 1983, este último conjuntamente com a sua mulher, aqui ré (…), adquiriram por escritura pública o imóvel acima identificado.
9 – Em 22 de Junho de 1983, (…) e a ré (…), assinaram uma declaração onde reconhecem expressamente que 1/3 do imóvel pertencia a (…).
10 – Em 16 de Agosto de 1997, faleceu o referido (…), tendo, na sequência do processo de inventário judicial atrás referido, sido adjudicado o imóvel à cabeça-de-casal e aqui ré, (…), na proporção de ¾, e ao réu (…), na proporção de ¼.
11 – Os autores só tiveram conhecimento dos actos que de seguida se descrevem em meados de Abril do corrente ano, mediante consulta à descrição predial na conservatória do registo predial de Sesimbra, momento em que lhes foi informado que a descrição predial n.º (…) da freguesia do Castelo havia dado origem a cinco novos prédios.
12 – Em 19 de Novembro de 2009, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Lisboa, os réus procederam à divisão do imóvel, tendo dessa divisão resultado os prédios de seguida identificados:
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Prédio rústico com a área de 32.099 metros quadrados, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), inscrito sob parte do artigo (…) da secção (…); b) Prédio rústico com a área de 4.511 metros quadrados, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), inscrito sob parte do artigo (…) da secção (…); c) Prédio rústico com a área de 4.763 metros quadrados, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), inscrito sob parte do artigo (…) da secção (…); d) Prédio rústico com a área...
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