Acórdão nº 771/17.5T9VC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução14 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No identificado processo, por sentença proferida e depositada a 10/12/2019, o arguido R. G.

foi julgado e condenado, como autor material de um crime de peculato, previsto e punido pelos artigos 20º, n.º 1, da Lei nº 34/87, de 16 de Julho (Lei dos crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos) e 375,º n.º 1 do Código Penal, nas penas de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de o arguido reparar o prejuízo sofrido pela Junta de Freguesia de X, no valor de € 352,50, no prazo de seis meses, após o trânsito em julgado da decisão, e de 50 dias de multa à taxa diária de € 8, num total de € 400.

  1. Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões (sic): «1. A decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, erro de julgamento da matéria de facto e, ainda, vício da insuficiência para a matéria de facto provada nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP e erro na aplicação do direito.

  2. Consideramos incorrectamente julgada a matéria de facto considerada provada nos pontos 9.º, 12.º e 15.º, devendo a mesma ser eliminada da matéria de facto provada, quer por erro notório na apreciação da prova quer por erro de julgamento.

  3. Relativamente ao ponto 9.º da matéria de facto, este erro notório na apreciação da prova, no caso concreto, resulta tanto do texto da decisão, como do facto de o Tribunal ter valorado a prova contra todas as regras da experiência comum.

  4. É que logo no ponto 11.º da matéria de facto provada por ler-se “Em 29/05/2015, a junta de freguesia deliberou o pagamento da factura de fls. 75 à sociedade Y – Transportes de Mármores e Granitos.” - este facto 11.º resulta de prova documental junta aos autos pelo arguido em audiência de discussão e julgamento, cuja veracidade é confirmada pelas testemunhas de acusação.

  5. Esta factura da Y – Transportes de Mármores e Granitos é a factura correspondente ao valor dos bancos, sendo que na mesma, consta claramente discriminado o número de bancos que estavam a ser cobrados, em concreto 6 bancos, que correspondem aos 3 bancos adquiridos para a junta de freguesia mais os 3 bancos adquiridos para a Associação D. P..

  6. Ora, se a Junta “deliberou” o pagamento dos 6 bancos sabendo que para a Junta só seriam adquiridos 3 é porque aprovou o pagamento dos 3 bancos adquiridos para a Associação D. P..

  7. O que não se pode dizer, como fez o Tribunal a quo, porque contraria todas as regras da experiência comum, é que esta aprovação de pagamento não indicia qualquer acordo entre a Junta e o arguido no sentido de ser a Junta a custear os bancos que foram colocados na Associação porque se apurou que existia algum desleixo dos membros da Junta na forma como aprovavam os pagamentos, muitas vezes sem sequer analisarem as facturas, como terá ocorrido no caso.

  8. Na verdade, a normalidade das coisas diz-nos que quem efectua pagamentos, ainda mais em órgãos da administração pública ou titulares de cargos públicos, confere cuidadosamente as facturas relativas a esses pagamentos.

  9. Verifica-se, ostensivamente, um erro notório na apreciação da prova quanto ao julgamento efectuado do ponto 9 da matéria de facto provada, devendo o mesmo ser eliminado e considerar-se como provado o seguinte facto: A junta autorizou o pagamento dos três bancos mencionados em 8.º 10. Consequentemente devem ser eliminados os pontos 12.º e 15.º.

  10. Mas ainda que se considere não existir o referido erro notório na apreciação da prova, verifica-se erro de julgamento quanto a esses mesmos factos, na medida em que o Tribunal a quo ignorou determinados meios de prova que impunham uma decisão diversa da ora recorrida relativamente aos pontos 9.º, 12.º e 15.º da matéria de facto – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 08-05-2018, proferido no processo 12. Desde logo, o facto da Junta ter pago despesas de electricidade da Associação em montante não concretamente apurado mas próximo dos cinco mil euros (facto que foi confirmado pela testemunha J. G.), apesar daí não se pode extrair a conclusão de que por ter havido esse pagamento de electricidade a Junta teria também acordado pagar os três bancos da Associação, indicia, claramente, que essa mesma Junta também autorize o pagamento de uns bancos de pedra para essa mesma Associação no valor de € 325,50.

  11. Depois, o facto do denunciante J. G. ter ajudado na montagem dos bancos quer na Junta quer na Associação apesar de não indiciar, só por si, a existência de um acordo quanto ao pagamento dos bancos, deve ser conjugado com outros elementos que demonstram, com todo o grau de certeza, que a Junta não só sabia, como tinha autorizado o pagamento dos três bancos que iriam ser colocados na Associação - é na desconsideração de todos estes elementos de prova que reside o referido erro de julgamento.

  12. Tal facto tem que ser conjugado com os seguintes factos que, a negrito, se passam a expor, com os concretos meios de prova (passagens dos depoimentos das testemunhas) que se indicam relativamente a cada um deles: O arguido pediu à testemunha J. G., então Presidente da Junta de Freguesia, para estar presente no momento em que os bancos fossem entregues – cf. depoimento da testemunha J. G., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 10h57 e 11h57 desse dia, minutos 17.00 a 18.25 e 21.10 a 21.30.

    O arguido pediu o cheque para pagamento dos bancos para enviar para a empresa e pediu a inscrição do valor de € 705,00, pois a Y, empresa que vendeu os bancos, não entregava os bancos sem que previamente lhe fosse entregue o cheque para pagamento dos mesmos, facto que era do conhecimento de todos os elementos da Junta – cf. depoimento da testemunha J. G., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 10h57 e terminou 11h57 desse dia, minutos 21.45 a 22.00 e 43.20 a 43.40; depoimento da testemunha A. M., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 12h01 desse dia e terminou às 12h48 desse mesmo dia, minutos 20.25 a 20.34 e 34.10 a 35.00; depoimento da testemunha A. P., na audiência de discussão e julgamento do dia 26.09.2019, depoimento que se iniciou às 14h46 e terminou às 15h13 desse mesmo dia, minutos 08.00 a 08.10 e 21.40 a 21.55.

    O cheque foi preenchido pela funcionária da Junta A. P., que foi quem inscreveu o valor monetário do cheque - depoimento da testemunha A. P., na audiência de discussão e julgamento do dia 26.09.2019, depoimento que se iniciou às 14h46 e terminou às 15h13 desse mesmo dia, minutos 08.00 a 08.50.

    A testemunha J. G. ajudou a descarregar os bancos no momento da entrega, juntamente com outro funcionário da Junta e viu 6 bancos a serem entregues – cf. depoimento da testemunha J. G., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 10h57 e terminou 11h57 desse dia, minutos 39.30 a 40.00 a 44.00 a 44.10; depoimento da testemunha A. M., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 12h01 desse dia e terminou às 12h48 desse mesmo dia, minutos 36.10 a 36.48.

    A testemunha J. G. era também o tesoureiro da Associação D. P. à data dos factos e, nessa qualidade, não procedeu ao pagamento de quaisquer bancos enquanto tesoureiro desta Associação – cf. depoimento da testemunha J. G., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 10h57 e terminou 11h57 desse dia, minutos 19.00 a 19.05 e depoimento da testemunha M. G. na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 15h13 e terminou 15h45 desse dia, minutos 26.00 a 27.20 O arguido depositou a factura da compra dos bancos na mesa da funcionária da junta de freguesia, por sua livre iniciativa, tendo a factura permanecido aí alguns dias - depoimento da testemunha A. M., na audiência de discussão e julgamento do dia 26/09/2019, depoimento que se iniciou às 12h01 desse dia e terminou às 12h48 desse mesmo dia, minutos 20.50 a 21.30 e 37.20 a 37.45 e depoimento da testemunha A. P., na audiência de discussão e julgamento do dia 26.09.2019, depoimento que se iniciou às 14h46 e terminou às 15h13 desse mesmo dia, minutos 09.45 a 10.08, 19.00 a 19.10 e 22.50 a 23.30.

  13. Ora se a testemunha J. G., presidente da Junta de Freguesia sabia que a empresa que vendeu os bancos não os entregava sem que lhe fosse enviado o cheque para pagamento dos mesmos, se viu seis bancos a serem entregues, se participou na montagem desses bancos quer na Junta, quer na Associação e se enquanto Tesoureiro da Associação D. P., cargo que também desempenhava, não comprou qualquer banco, é óbvio que a testemunha sabia que a Junta havia comprado seis bancos e não três, sendo que três desses bancos eram destinados e foram instalados na Associação; caso contrário só podiam ter sido entregues 3 bancos e não 6 – esta conclusão é óbvia.

  14. Depois, o próprio Meritíssimo Juiz a quo fundamenta a convicção no depoimento de uma testemunha que o próprio Meritíssimo Juiz refere que se estava contradizer e que demonstra animosidade com o arguido (tal como está consignado na sentença recorrida) e desconsidera a versão das duas testemunhas que revelaram ter conhecimento da conversa tida entre arguido e testemunha J. G. quanto ao acordo para a compra dos bancos, apenas porque acha que uma dessas testemunhas mentiu.

  15. Sendo certo que se ouvirmos o depoimento da referida testemunha M. A., facilmente se percebe que a mesma tem uma versão totalmente coincidente com a da testemunha M. G., que o Meritíssimo Juiz refere ter prestado um depoimento bastante natural, versões aliás, totalmente coincidentes com a versão do arguido.

  16. Estas testemunhas, presenciais, relatam como minúcia o acordo...

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