Acórdão nº 1958/15.0T8LRA-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução07 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO No âmbito do processo de insolvência respeitante a A... e M..., foi vendido um imóvel apreendido para a massa, a 2 de novembro de 2017.

A 27 de dezembro de 2017 veio o credor Banco I..., S.A., com crédito reconhecido com garantia hipotecária, invocar a nulidade da venda decorrente da omissão da sua notificação imposta pelo artigo 164º, nº 2 do CIRE – com a alegação de que, avaliado em 81.000 €, o referido imóvel foi vendido por 35.000 €, sem que o administrador o tenha notificado sobre a modalidade da alienação nem sobre o preço da venda, sendo que, caso tal notificação lhe tivesse sido feita, teria proposto a adjudicação do bem, pelo menos, pelo valor patrimonial de 57.578 € –, pedindo, em consequência, que se dê tal venda sem efeito.

Por despacho de 30 de abril de 2018 foi decretada a anulação de tal venda, decisão esta que veio a ser revogada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de julho de 2019, que determinou a baixa do processo à 1ª instância a fim de o Recorrente/comprador, R... , ser notificado do requerimento de nulidade da venda apresentada pelo Banco I..., após o que deveria ser proferida nova decisão acerca da regularidade/nulidade da venda em questão.

Efetuada a notificação do comprador, veio o interveniente R... pronunciar-se no sentido da improcedência da invocada nulidade, alegando que, como vem sendo entendido pelos tribunais superiores, a preterição da formalidade prevista no nº 2 do artigo 164º não pode ser bastante para afastar a posição jurídica do requerente, terceiro de boa fé que adquiriu um imóvel no âmbito da insolvência.

Pelo juiz a quo foi proferido o Despacho, de que agora se recorre, a julgar procedente o incidente de nulidade da venda do imóvel em causa, declarando a mesma anulada.

Inconformado com tal decisão, o Interveniente R... dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: ...

Termos em que deve o despacho recorrido ser substituido por outro, que julgue a nulidade invocada pelo credor hipotecário como totalmente improcedente, mantendo-se a aquisição do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o nº ... pelo Recorrente, e em consequência ser cancelada a apresentação nº ... e repristinadas as apresentações de aquisição a favor do Recorrente e de cancelamento de ónus.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes: 1. Tempestividade da invocação da nulidade por parte do credor hipotecário.

  1. Se a omissão da formalidade prevista no artigo 146º, nº 2 acarreta a invalidade da venda.

  2. Se a invocação de tal nulidade constitui um abuso de direito.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Tempestividade da invocação da nulidade por parte do credor hipotecário Quando ouvido pelo tribunal relativamente à invocação da nulidade da venda por preterição do disposto no nº 2 do artigo 164º do CIRE, o adquirente do imóvel e aqui Apelante veio-se opor à invocação de tal nulidade, limitando-se a invocar o entendimento dominante dos tribunais superiores de que a invocação de tal nulidade não se pode sobrepor à posição do 3º adquirente de boa fé, como é o seu caso.

    A intempestividade da arguição de tal nulidade constitui uma questão nova nos presentes autos: não foi objeto de apreciação por parte da decisão recorrida, constituindo um fundamento de oposição só invocado pela primeira vez em sede de alegações de recurso.

    Como tal, não poderá ser apreciada por este tribunal, tornando irrelevante o que a tal respeito é alegado pelo Apelante nas 3ª a 7ª conclusões de recurso.

    * Invoca o apelante, em segundo lugar, que, tendo o credor hipotecário tido conhecimento da existência do negócio e qual o preço e da celebração do contrato promessa, quando comunicou com o AI por email, como ele próprio reconhece no requerimento de 29.03.2018, agiu em abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium) ao vir invocar a nulidade decorrente da omissão da notificação prevista no artigo 164º, nº 2, apenas dois meses e meio depois após o conhecimento dos termos do negócio.

    Apesar de também esta ser uma questão nova, só pelo Apelante levantada pela primeira vez em sede de recurso, o tribunal não se encontraria impedido de apreciar por se tratar de questão de que o tribunal pode conhecer oficiosamente.

    Contudo, para que se possa falar em “abuso de direito”, haverá, antes de mais, de determinar se o credor hipotecário tinha efetivamente o direito de peticionar a declaração de nulidade da venda com o invocado fundamento, pois só então se poderá falar que poderá ter agido em “abuso” de direito.

    Passaremos, então, à determinação de quais as consequências para a venda em questão, do facto de a mesma ter sido celebrada sem audição prévia do respetivo credor hipotecário.

  3. Nulidade da venda por omissão da audição prevista nos ns. 2 e 3 do artigo 164º do CIRE.

    No despacho recorrido...

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