Acórdão nº 926/19.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO P…..

instaurou providência cautelar contra o Ministério da Administração Interna, na qual requereu a suspensão de eficácia do despacho do Ministro da Administração Interna, datado de 22/04/2019, que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções pelo período de 80 dias, com incidente de decretamento provisório.

Alega, em síntese, que os factos nos quais se fundou a decisão disciplinar foram alvo de processo-crime, no qual foi absolvido dos crimes imputados, sendo aquela nula por violar o conteúdo essencial de direitos fundamentais, acrescendo que a execução do ato suspendendo cria uma situação de facto consumado e prejuízos de difícil reparação para os interesses do autor.

O requerido deduziu oposição, pronunciando-se pelo indeferimento do decretamento provisório e pela improcedência da providência cautelar apresentada.

Notificadas as partes da proposta de decisão de antecipação da causa principal, as mesmas não se opuseram.

Por sentença de 29/10/2019, o TAF de Sintra julgou procedente a ação administrativa, anulou o despacho impugnado e condenou a entidade demandada a repor a situação que existiria, nomeadamente remuneratória, não fosse a aplicação da sanção disciplinar.

Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “

  1. A Douta Sentença Recorrida, salvo o devido respeito, padece de erro de facto e de direito, na medida em que, contrariamente ao que ali se decidiu, existiu a violação dos deveres funcionais que determinaram a aplicação da pena disciplinar ora em apreço; B) O despacho impugnado pelo ora recorrido foi proferido em plena conformidade à Lei, não enfermando de qualquer vício; C) Ao autor, ora recorrido, foram concedidas todas as garantias de audiência e defesa; D) O despacho punitivo foi proferido no âmbito de um procedimento disciplinar que decorreu de forma regular, tendo sido concedidas ao requerente todas as garantias de defesa, não padecendo o procedimento em causa de nenhuma nulidade, nem de vícios suscetíveis de constituírem nulidades insanáveis, nos termos dos artigos 80.º e 84.º a 86.º do Regulamento de Disciplina da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro (RDPSP); E) Por despacho do Senhor Ministro da Administração Interna, proferido em 18 de junho de 2018 (fls. 36 dos autos), foi determinada a instauração de processo disciplinar contra o Agente M/….., P….., tendo por base a proposta da Senhora Inspetora-Geral da Administração Interna, de 28 de maio de 2018 (fls. 32 dos autos); F) O objeto do processo disciplinar recaiu sobre os factos ocorridos no dia 17 de julho de 2015, pelas 00H15; G) Nos termos do disposto nos art.ºs 79.º, n.º 2 e 80.º, ambos do RD/PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, em 18 de setembro de 2018, foi deduzida a Acusação ao ora Autor, de fls. 434 a 436, a qual se dá aqui por totalmente reproduzida; H) O Autor, ora recorrido, apresentou defesa escrita, em 30 de outubro de 2018, que se dá aqui por integralmente reproduzida, na qual, em síntese, alega a improcedência total da acusação, requerendo a junção de documentos, arrolando testemunhas para inquirição e pedindo a inquirição de um perito formador na área do uso de meios coercivos (fls. 470 a 486 dos autos); I) Foram juntos ao processo vários documentos e foram ouvidas as quatro testemunhas indicadas pelo ora recorrido, a fls. 549 e ss - R….., 551 e ss - D….., 553 e ss - V….. e 554 e ss - E….., bem como o perito formador, V….. (fls. 548 e ss), cujas declarações se dão aqui por integralmente reproduzidas; J) No Relatório Final, de fls. 570 a 577 verso, que aqui se dá por totalmente reproduzido, o Instrutor indica claramente os meios concretos de prova em que se baseou para fundar a sua convicção, sinalizando os depoimentos das testemunhas que identifica e analisa, conjugando-os com toda a restante prova produzida, designadamente documental, e refere também as razões da credibilidade desses meios de prova, cumprindo de forma inequívoca o dever de fundamentação, permitindo, claramente, o controlo externo do seu posicionamento; K) A Acusação, o Relatório Final e o Despacho que aplicou a pena disciplinar de suspensão obedecem às disposições do RDPSP aplicáveis e encontram-se devidamente fundamentados; L) Tendo ficado provado que o Autor, ora recorrido, ao atuar conforme apurado, cometeu infração disciplinar, consubstanciada na violação dos deveres de zelo, de obediência, de correção e de aprumo de que resultaram ofensas no corpo de terceiro, tudo nos termos conjugados das disposições dos artigos 7.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b), c), f) e i), 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 13.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 16.º, n.ºs 1 e 2 alínea m), do Regulamento de Disciplina da Polícia de Segurança Pública (RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, por referência às normas constantes dos artigos 2.º, 4.º e 6.º , do mesmo diploma e artigos 3.º , 4.º , 5.º, 6.º, 7.º e 8.º do Código Deontológico do Serviço Policial, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, de 28 de fevereiro; M) Desta forma e quanto à matéria de facto verifica-se que os factos imputados ao ora recorrido se encontram inequivocamente provados em sede disciplinar, sendo manifesto que o Autor, ora recorrido, praticou parte dos factos constantes da acusação; N) O acervo probatório, quer documental, quer testemunhal reunido no processo disciplinar, demonstra de forma inequívoca a prática dos factos imputados ao ora recorrido, tendo sido efetuada uma correta subsunção dos factos ao direito, afigurando-se adequados tanto o enquadramento jurídico como a responsabilização disciplinar patenteados; O) O Instrutor do processo analisou a prova produzida, nomeadamente a testemunhal e, de acordo com a sua convicção, formulou o seu juízo sobre os factos ocorridos, avaliando a conduta em concreto do arguido, ora recorrido, fixando, dessa forma, os pressupostos da infração disciplinar, inexistindo qualquer erro nos respetivos pressupostos de facto e de direito; P) O Instrutor do processo agiu de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, tendo formado a sua convicção sobre os factos, fundamentando a sua convicção com base em critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, permitindo que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, fazendo uma análise crítica da prova e explicando a credibilidade que deu a cada um dos depoimentos; Q) O Instrutor usou os meios de prova para formar a sua convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica, nos seus aspetos mais relevantes, gerando a convicção segura da responsabilidade disciplinar do arguido, decorrente da prática de todos os factos que lhe foram imputados, tendo sido feita prova cabal dos factos integradores do ilícito disciplinar; R) "A condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodíctica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável (...) não incorre em violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, a deliberação punitiva, que se baseia em factos, cuja existência é demonstrada por elementos de prova com o alcance indicado supra (...)" - Vide o Douto Acórdão do STA, de 15-03-2012, Proc.º n.º 0416/1O; S) Ainda o citado Acórdão do STA, de 15-03-2012, Proc.º n.º 0416/10; "Assim, e apesar da diversidade das versões em presença, a avaliação do conjunto dos elementos de prova disponíveis conduz, para além de qualquer dúvida razoável, a um juízo seguro sobre os factos. O que, como bem considerou a deliberação impugnada, em conformidade com a jurisprudência e a doutrina, afasta a possibilidade de aplicação, no caso, do princípio in dubio pro reo.

    Em suma: no juízo, que formulou, no sentido da existência dos factos por que veio a punir o ora A., a deliberação impugnada fez certeira e adequada apreciação e ponderação da prova recolhida no processo disciplinar. Pelo que não incorreu no vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, que lhe vem imputado pelo A., cuja alegação se mostra, assim, improcedente."; T) Incorre a sentença em erro de facto e direito ao considerar que a violação dos deveres funcionais que determinaram a aplicação da pena disciplinar deve ser aferida, nos presentes autos, com base na factualidade provada e não provada decidida no âmbito do processo de inquérito n.º 1535/18.4T9AMD; U) Consubstancia um erro de interpretação sobre a autonomia do direito disciplinar face ao direito criminal, não cabendo ao douto Tribunal fazer a avaliação sobre o modo de exercício do poder disciplinar por parte da PSP, nomeadamente sobre o modo como a disciplina na Corporação deverá ser mantida; V) De facto, nunca é de mais relembrar nesta sede a independência e autonomia do procedimento disciplinar face ao procedimento criminal, expresso em profusa jurisprudência, não se deixando de citar a este propósito o Acórdão de 07/01/2009, do STA, Proc.º n.º 0223/08, que a dado momento refere o seguinte: "Ora, como vem sendo assinalado pela doutrina e jurisprudência, o processo disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, pois que, não obstante a aplicação ao processo disciplinar (como, de resto, a todos os processos de natureza sancionatória), a título subsidiário, de normas ou princípios do direito criminal, são diversos os fundamentos e os fins das duas jurisdições, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, em atenção fundamentalmente, à diferente natureza e finalidade das penas nesses processos aplicáveis.

    Na verdade, o ilícito disciplinar visa preservar a capacidade funcional do serviço e o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT