Acórdão nº 2405/19.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 02 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
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RELATÓRIO B….. instaurou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna, na qual vem impugnar a decisão da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 29/11/2019, que indeferiu o seu pedido de proteção internacional, pedindo a sua anulação e a condenação da entidade demandada a instruir o procedimento com informação fidedigna e atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo em Itália e respetivas condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse país.
Alega, em síntese, ter sido impedido de exercer o contraditório e que em Itália será exposto a uma situação de tratamento desumano e degradante, a instrução do procedimento foi insuficiente por não se ter qual a situação nesse país.
Citada, a entidade requerida apresentou resposta no sentido da improcedência do pedido.
Por sentença de 24/01/2020, o TAC de Lisboa julgou a ação procedente, anulou a decisão impugnada e condenou a entidade requerida a instruir o procedimento com informação fidedigna e atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália.
Inconformada com esta decisão, a entidade requerida interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1.
A 11/06/2019, o cidadão nacional da Gâmbia B….. apresentou, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de protecção internacional ao Estado Português, no âmbito do qual se verificou, através do sistema Eurodac (sistema de comparação de impressões digitais criado pelo regulamento (EU) 603/2013), que o requerente, ora Recorrido, havia já apresentado um pedido de protecção internacional a Itália.
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Tendo em conta que o requerente apresentou um pedido de protecção internacional ao Estado italiano que deu início à respectiva análise, está em causa a aplicação do art. 18.º, n.º 1, alínea b) do Regulamento Dublin.
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Pelo que, o procedimento de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrido, conforme o Regulamento Dublin III, já se encontra finalizado, não sendo, por isso, de “refazer o procedimento de determinação do Estado Membro responsável” pela análise do pedido de protecção internacional apresentado por B….., como julgou a douta Sentença.
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A apreciação sobre a existência de falhas sistémicas num Estado-Membro da União Europeia participante do Sistema de Dublin não se basta com uma invocação genérica e abstracta de que existem falhas sistémicas.
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Ao considerar que na medida em que o requerente de asilo invoca, de forma abstracta, a existência de falhas sistémicas, a Sentença ora recorrida inverte automaticamente não só o ónus da prova (ainda que partilhada) mas também o ónus de alegação, que deve ser minimamente concretizada no caso individual.
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No quadro do Sistema Europeu Comum de Asilo e na medida em que a Itália é um Estado-Membro da União Europeia e participante do acervo de Schengen, sujeita aos princípios jurídicos do quadro axiológico da União Europeia, o princípio da confiança mútua impõe que se presuma que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção de Genebra e da CEDH.
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Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, tal presunção deve ser afastada quando, em concreto, o requerente traga elementos que demonstrem (ou, pelo menos, suscitem) que o tratamento dos pedidos de asilo num determinado Estado-Membro, por causa de determinadas circunstâncias, comporte um sério risco de os requerentes de protecção internacional serem tratados, nesse Estado-Membro, de modo incompatível com os seus direitos fundamentais.
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No que respeita ao sistema de análise dos pedidos de asilo, actualmente existente em Itália, não é de considerar a existência de quaisquer factos, de que o Estado português conheça ou deva conhecer, que constituam razões sérias e verosímeis que levem a concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo em Itália.
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Sendo que, nos presentes autos, o requerente de protecção internacional não apresenta quaisquer elementos concretos e individualizados relativamente à existência de falhas sistémicas em Itália no procedimento de protecção internacional ou relativas às condições de acolhimento.
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As falhas sistémicas devem ter um nível particularmente elevado grau de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa.
Esse nível particularmente elevado de gravidade seria alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tivesse como consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontrasse, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e alojar-se, e que pusesse em risco a sua saúde física ou mental ou a colocasse num estado de degradação incompatível com a dignidade humana.
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Não existe qualquer indício, nos presentes autos, de que o Autor, ora recorrido, se encontre numa situação de particular vulnerabilidade, que o individualizasse ou o distinguisse dos outros beneficiários de protecção internacional em Itália e o coloque entre as pessoas vulneráveis. Pelo contrário, o cidadão nacional da Gâmbia é maior de idade, solteiro e não padece de limitações em termos de saúde.
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Na sequência da recente situação vivida em Itália, que veio suscitar a adopção de medidas excepcionais, designadamente a suspensão de aplicação de normas do Regulamento Dublin relativas à transferência para Itália, foi já considerado pelas instâncias europeias que o referido quadro de crise se encontra ultrapassado, estando neste momento todas as normas de Dublin relativas à responsabilidade da Itália em plena aplicação, precisamente por não existirem actualmente razões sérias e verosímeis que levem a concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo em Itália.
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Ao contrário da argumentação expendida na, aliás, douta Sentença, não há quaisquer elementos nos presentes autos que permitam accionar a cláusula de salvaguarda prevista no segundo parágrafo do n.º 2 do art. 3.º do Regulamento Dublin III tendo em vista a desaplicação das demais normas do referido Regulamento que, aliás, visa precisamente que o tratamento de um pedido de protecção internacional se faça de forma unitária em todo o espaço europeu, tendo em vista a agilização e adaptação, em determinadas situações, da tramitação dos procedimentos.
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Tal decisão esvaziaria de conteúdo as obrigações do Estado-Membro responsável, in casu a Itália, e comprometeria a realização do objectivo de determinar rapidamente o Estado-Membro competente para conhecer um pedido de asilo apresentado na União.
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Dos elementos trazidos aos presentes autos e do Processo Administrativo, e como resulta da análise ao regime jurídico do Sistema de Dublin e do desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia, o que se pode concluir com certeza é que, perante a verificação de que o cidadão nacional da Gâmbia B…..
havia apresentado um pedido de protecção internacional a Itália, o SEF deu início ao respectivo procedimento administrativo que culminou com a decisão da transferência do requerente para Itália, Estado responsável pela sua retomada a cargo, conforme art. 18.º n.º 1, alínea b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho e n.º 1 do art. 37.º da Lei n.º 27/2008, situação que, forçosamente, implica a prolação da decisão de inadmissibilidade do pedido.
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A Itália é o Estado responsável pelo pedido de protecção internacional do ora Recorrido, até estarem esgotadas todas as garantias de recurso, administrativo e jurisdicional, nos termos do Regulamento de Dublin.
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Não pode deste modo, a Entidade Demandada, concordar com a douta sentença, por considerar que procedeu num incorrecto enquadramento e interpretação dos factos e do direito.
” O autor apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A.
O subprocedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, não se pode sustentar apenas nos regulamentos de Dublin, numa interpretação positivista e não hermenêutica.
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Antes devendo o Estado que promove o subprocedimento aferir adequadamente se o Estado competente (pelo regulamento de Dublin III – neste caso Itália) tem condições para apreciar devidamente o pedido de proteção internacional e condições de acolhimento.
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Se tal não for ponderado existe um claríssimo défice de instrução devendo confirmar-se a douta decisão recorrida.
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Défice de instrução que tem notória influência e é determinante na negação de Direitos Fundamentais do ora recorrido.
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Tal como sustenta a douta Sentença ora recorrida, é necessário aferir se o caso concreto tem enquadramento na previsão do art. 3º, n.º 2, parágrafo 2º do Reg (EU) 604/2013, de 26 de junho.
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O facto do Estado considerado competente - onde foi apresentado o primeiro pedido de proteção internacional – depois de solicitado pelo SEF, não responder (se aceita a responsabilidade de retomar a seu cargo o ora requerido), não pode fundamentar “ipsis verbis” a decisão tomada, por assim o determinar o regulamento de Dublin (aceitação por defeito – omissão da aceitação expressa).
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A formulação expressa no regulamento de Dublin é infeliz induzindo em erro um intérprete apressado.
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Essa formulação e interpretação positivista não é consistente com o contexto hermenêutico do direito internacional respeitante a Direitos Fundamentais, e como tal deve ser interpretada e aplicada com sentido restritivo. Está-se a apreciar a situação de pessoas e...
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