Acórdão nº 407/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 407/2020

Processo n.º 202/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. S.A. e são recorridos o Ministério Público e a Autoridade da Concorrência, a primeira veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 26 de novembro 2019, que concedeu provimento parcial ao recurso por si interposto da decisão proferida do Tribunal da Concorrência, Supervisão e Regulação de 11 de junho de 2019, que julgou totalmente improcedente o recurso por si interposto da decisão da Autoridade da Concorrência de 24 de janeiro de 2019, que indeferiu vários requerimentos apresentados pela A. arguindo a invalidade de atos da Autoridade da Concorrência ocorridos durante uma diligência de busca e a invalidade da apreensão realizada pela mesma autoridade na sede da A..

2. O recurso de constitucionalidade apresenta, no essencial, o seguinte teor:

«(...)

I. INTRODUÇÃO

1.º No presente processo de contraordenação, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa ("TRL") da sentença proferida, em 11.07.2019, pelo Tribunal da Concorrência, Supervisão e Regulação ("TCRS"), nos termos da qual foi julgado totalmente improcedente o recurso por si interposto quanto à decisão da Autoridade da Concorrência ("AdC") de 24,01.2019 (doravante apenas o "Recurso" ou o "Recurso para o TRL").

2.º No Recurso para o TRL, a A. suscitou, para o que ora releva, a inconstitucionalidade de duas normas que determinaram a decisão do TCRS e que vêm plasmadas na sentença proferida pelo referido Tribunal, a saber:

(i) da norma que resulta dos artigos 18.º e 20.º n.ºs 1 e 5 da LdC quando interpretada no sentido de que a AdC pode visualizar mensagens de correio eletrónico trocadas entre a visada e os seus advogados, ainda que internos, relativamente às quais a visada tenha invocado perante a AdC estarem protegidas por sigilo profissional de advogado; e

(ii) da norma que resulta dos artigos 20.º n.ºs 1 e 5 da LdC quando interpretada no sentido de que a AdC pode apreender mensagens de correio eletrónico trocadas entre a visada e os seus advogados, ainda que internos, relativamente às quais a visada tenha invocado perante a AdC estarem protegidas por sigilo profissional de advogado, sem as selar e colocar à apreciação do juiz de instrução.

3.º Em 26.11.2019, o TRL proferiu Acórdão concedendo provimento parcial ao Recurso sem, contudo, oferecer, naquele que era o entender da Recorrente, pronúncia relativamente às inconstitucionalidades expressamente suscitadas pela A. no Recurso.

4.º Por esse motivo, a Recorrente, confrontada com o teor do Acórdão do TRL, apresentou, em 05.12.2019, perante aquele Tribunal, requerimento através do qual:

(i) arguiu a nulidade do Acórdão do TRL, com fundamento em falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ("CPP") ex vi do artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por remissão do artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro ("RGCO") e do artigo 83.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante "LTC"), ou, cautelarmente, a respetiva irregularidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 118.º, n.º 2, e 123.º, n.º 1, do CPP (por remissão do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e do artigo 83.º da LdC);

(ii) arguiu a nulidade do Acórdão do TRL, com fundamento em omissão de pronúncia, rios termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por remissão do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO e do artigo 83.º da LdC, ou, cautelarmente, com fundamento, pelo menos, em falta de fundamentação, nos termos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, do CPP, ex vi artigo 425.º, n.º 4 do CPP, por remissão do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e do artigo 83.º da LdC; e

(iii) subsidiariamente e à cautela, caso se entendesse que o vício referido em (ii) determinava a mera irregularidade do Acórdão do TRL (ao invés da respetiva nulidade), arguiu também a aquela irregularidade nos termos disposto nos artigos 118.º, n.º 2, e 123.º, n.º 1, do CPP (por remissão do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO e do artigo 83.º da LdC).

5.º Em 11.12.2019, na pendência de decisão sobre o requerimento de arguição daquelas nulidades e irregularidades, atenta a circunstância de poder ser considerado que a arguição de invalidades do Acórdão do TRL não suspende nem interrompe o prazo de 10 dias para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no artigo 75.º, n.º 1, da LTC, a Recorrente interpôs, à cautela, recurso do Acórdão do TRL para este Tribunal Constitucional.

6.º Sucede, no entanto, que, em 27.01.2020, foi a Recorrente notificada do Despacho por via do qual o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator do TRL, pronunciando-se sobre o requerimento da A. de 05.12.2019, decidiu, em suma, o seguinte:

(i) a questão da admissibilidade da visualização e apreensão, no decurso das diligências de busca e apreensão levadas a cabo pela Autoridade da Concorrência ("AdC"), de e-mails enviados ou recebidos pelos advogados da Recorrente, ou com cc dos mesmos, ou, pelo menos, da necessidade de a AdC, caso tenha interesse em aferir da sua relevância probatória, proceder à selagem, sem visualização, seguida de apresentação ao juiz de instrução criminal para análise da sua cobertura por segredo profissional de advogado "foi tratada diretamente no acórdão proferido" (destaque nosso);

(ii) no que respeita à admissibilidade da referida visualização e apreensão, "ficou expresso [no Acórdão do TRL] que '(...) saber se é admissível este ou aquele elemento de prova é matéria que só poderá ser conhecida na fase judicial do processo, quando a AdC seriar a prova por si apreendida e construirá decisão administrativa" (destaque nosso);

(iii) "[n]o que respeita à forma de realização de diligências de busca e apreensão, com relevo para a apreensão de documentação face à qual é suscitada a sua cobertura pelo segredo profissional também o Tribunal tomou posição", porquanto ficou nele expresso que "não se pode admitir que a mera visualização para efeitos de se saber se deve apreender seja uma violação inadmissível da reserva do segredo" (destaque nosso);

(iv) reportando-se à diferença entre uma "comunicação com um advogado" e uma "conversa sigilosa a coberto do sigilo", ficou também expresso no Acórdão do TRL que "[p]ara distinguir [...] é necessário que a mensagem seja lida e quem tem de [...] seriar as mensagens é a AdC e o seu corpo de funcionários (...) também eles vinculados a segredo profissional" (destaque nosso);

(v) "se a questão foi tratada por este Tribunal, se se considerou que nenhuma violação de segredo profissional ocorreu, mostra-se corretíssimo o ponto 35 da arguição de nulidade", ou seja, que é correta a assunção da A. de que a questão da inconstitucionalidade das normas em causa foi indeferida, pugnando-se pela sua aplicação nos termos cuja conformidade à Constituição foi questionada: e

(vi) "[t]endo-se decidido que a mera visualização de correio eletrónico no qual se encontra o e-mail de advogado (interno ou externo da Requerente, inclusive colocado em cc) não constituí uma violação irredutível do segredo profissional - contanto que não estejam em causa comunicações de advogado com cliente no exercício do respetivo manda[t]o - e que [a] apreciação da validade e pertinência dessa prova cabe à Autoridade, é óbvio que essa visualização e apreensão, nos moldes descritos, não é inconstitucional" (destaque nosso).

7.º O Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator do TRL vem, essencialmente, manter o entendimento que havia sido propugnado no Acórdão do TRL,

8.º mas, vem também confirmar, de forma expressa e cristalina, que os critérios normativos subjacentes ao Acórdão do TRL são, precisamente, as interpretações normativas cuja conformidade à Constituição foi questionada pela A. no Recurso (e que acima se indicaram) e agora que se pretendem ver apreciadas por este Tribunal Constitucional.

9.º Dissipadas ficam, pois, quaisquer dúvidas que pudessem existir em virtude da aplicação implícita, plasmada no Acórdão do TRL, das interpretações normativas cuja conformidade à Constituição se pretende ver apreciada, porquanto resulta expressamente do Despacho que as mesmas constituíram ratio decidendi do Acórdão do TRL.

10.º Destarte, a A. pretende interpor recurso do Acórdão do TRL, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, reiterando agora, à cautela, e na presente data, o recurso interposto pela Recorrente em 11.12.2019 para o Tribunal Constitucional quanto ao referido Acórdão,

11.º Como é sabido, decorre da jurisprudência assente do Tribunal Constitucional que as questões de inconstitucionalidade, para serem conhecidas pelo referido Tribunal, devem obedecer aos seguintes requisitos:

(i) a questão ter sido suscitada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, admitindo-se, no entanto, limitações a esta regra em determinadas situações processuais excecionais (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC);

(ii) a questão respeitar a norma ou interpretação normativa que foi efetivamente aplicada, constituindo ratio decidendi da decisão jurisdicional proferida;

(iii) os normais meios impugnatórios existentes no ordenamento adjetivo que rege o processo no âmbito do qual a decisão recorrida foi proferida estarem já esgotados (cfr. artigo 70.º, n.º 2, da LTC); e

(iv) a questão revelar-se de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT