Acórdão nº 128/16.5SXLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução24 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo sumário n.º 128/16.5SXLSB, por sentença transitada em julgado em 23/05/2016, ID, melhor identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 17-03-2016, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia total de € 600,00 (seiscentos euros).

Por despacho, transitado em julgado, foi determinada a conversão da pena de 120 dias de multa na pena de 79 (setenta e nove) dias de prisão subsidiária, tendo sido emitidos os competentes mandados.

No dia 22 de Maio de 2020, o Ministério Público, por entender que a prescrição da pena de multa ocorreria no dia seguinte, promoveu que se informasse com urgência o SEF de que só interessava o cumprimento dos mandados de detenção até esse dia 23/05/2020, solicitando-se a sua devolução sem cumprimento caso a detenção não viesse a ocorrer até essa data.

Nesse mesmo dia 22 de Maio de 2020, a Mma. Juíza indeferiu o promovido pelo Ministério Público, determinando que os autos fossem conclusos no dia útil seguinte à cessação da causa de suspensão prevista no artigo 7.º da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de Março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, por forma a ser contabilizada a totalidade do prazo de suspensão aplicável aos autos.

Finalmente, no dia 4 de Junho de 2020, em face da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 9 de Maio, a Mma. Juíza contabilizou em novo despacho o período da suspensão prevista no citado artigo 7.º, n.º 3, da Lei 1-A/2020, de 19 de Março (2 meses e 24 dias), e determinou que a pena aplicada ao arguido apenas prescreverá no próximo dia 16/08/2020, ordenando a emissão de novos mandados de detenção.

  1. Destes dois despachos – de 22 de Maio e 4 de Junho - recorre o Ministério Público, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1- O presente recurso é interposto do despachos proferidos em 22 de maio de 2020 e 4 de junho de 2020, o primeiro que indeferiu que se solicitasse ao SEF a devolução dos mandados de detenção emitidos para cumprimento da prisão subsidiária até ao dia 23 de maio de 2020 por nessa data se encontrar atingido o prazo de prescrição da pena a que o arguido foi condenado, previsto no artigo 122°, n°1, alínea d) do Código Penal; e o segundo que contabilizou o período da causa de suspensão prevista no citado artigo 7.°, n.° 3, da Lei 1-A/2020, de 19 de Março (2 meses e 24 dias), e determinou que a pena aplicada ao arguido apenas prescreverá no próximo dia 16/08/2020.

    2- No dia 18 de março de 2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n°14-A/2020, de 18 de março, atenta a situação atual de emergência de saúde pública ocasionada pela epidemia da doença COVID-19; renovado posteriormente pelo Decreto do Presidente da República n.° 17-A/2020, de 02 de abril.

    3- Em execução da declaração do estado de emergência, foram aprovados pela Assembleia da República e pelo Governo um conjunto de diplomas legislativos com o propósito de apoiar os cidadãos e as empresas no esforço coletivo de contenção, tendo estes merecido promulgação imediata do Presidente da República.

    4- Neste contexto, a Lei n°1-A/2020 aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, estando entre elas as atinentes aos prazos processuais. Esta lei veio a ser alterada pela Lei n° 4-A/2020, de 6 de abril.

    5- O artigo 7°, n°1, da Lei n° 1-A/2020, na redacção da Lei n° 4-A/2020, estabeleceu a suspensão de todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

    6- Mais se estabeleceu nos números 3 e 4 que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”, e que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.” 7- Com o disposto no artigo 7° da Lei n° 1-A/2020, e posteriormente com a Lei n.° 4-A/2020, criou-se uma nova causa de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança, a par das indicadas no artigo 125° do Código Penal.

    8- No entanto, a aplicação deste normativo no âmbito penal tem de ser efetuada no quadro sistémico de todo o ordenamento jurídico, designadamente efetuando-se uma leitura e aplicação conforme ao Código Penal e à Constituição da República Portuguesa.

    9- Assim, às normas respeitantes à prescrição (do procedimento ou da pena) deve ser sempre aplicado o princípio da maior favorabilidade para o arguido (artigo 2°, n° e 4, do Código Penal).

    10- Entender que a nova causa de suspensão da pena (prevista na Lei n°1- A/2020) se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, estavam já em curso seria conferir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29°, n° 4, da CRP, porque mais gravoso para a situação processual do arguido, alargando a possibilidade da sua punição/execução.

    11- Note-se que o n°6 do artigo 19° da CRP expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar [...] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos [...]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.° 1 do artigo 2.° da Lei n.° 44/86 e expresso nos Decretos do Presidente da República n.° 14-A/2020, de 18 de março, que declarou o estado de emergência (artigo 5.°, n.° 1), e 17-A/2020, de 2.IV, que o renovou (artigo 7.°, n.° 1).

    12- O facto de se tratar de uma Lei temporária não afasta a existência de uma situação de sucessão de leis no tempo, não constituindo, sem mais, uma exceção ao princípio da não retroatividade da lei penal.

    13- Não estamos em situação enquadrável na única exceção legalmente prevista no artigo 2°, n°4 do Código Penal.

    14- Refere-se este normativo à (única) exceção ao princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável no âmbito da aplicação das leis temporais: aquelas em que uma lei temporária determina uma incriminação nova e que portanto é aplicada a factos posteriores à entrada em vigor da mesma, e cuja penalização se mantem em vigor após a cessação dessa lei (não se aplicando aqui a lei penal mais favorável posterior).

    15- Tal não acontece no caso em concreto, uma vez que a situação jurídico- fáctica já se encontrava a decorrer e é uma lei nova (temporária) que vem agravar a situação do arguido, ainda que de forma temporária e decorrente das excecionais exigências do combate à pandemia COVID- 19.

    16- Nestes casos e independentemente de se tratar de uma lei temporária ou não, sempre configurará uma situação de sucessão de leis penais no tempo, pelo que a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem sobrepor-se à aplicação do regime penal mais...

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